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CAPÍTULO 4. ALIENAÇÃO DE TERRAS PÚBLICAS

4.3. FORMAS DE ALIENAÇÃO DE BENS PÚBLICOS

4.3.1. Venda

A compra e venda é contrato de direito civil ou comercial (Código Civil, artigo 1.122 e Código Comercial, artigo 191) mediante o qual o vendedor transfere a propriedade do bem ao comprador, por preço certo em dinheiro.

136 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.

179 e 180.

* Deswarte, op. Cit., p. 1.291.

137 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.

183.

138 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Interpretação dos contratos administrativos. In: Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 36, n. 144, out./dez. 1999, p. 215.

139 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Urbanístico e limitações administrativas urbanísticas. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, a. 27, n. 107, jul./set. 1990, p. 102.

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A venda de bem imóvel público faz-se mediante autorização legislativa, avaliação prévia e licitação, na modalidade de concorrência.140 A alienação de bem imóvel público pressupõe, ainda, esteja ele desafetado, ou seja, que pertença à categoria de bens dominiais, despido de sua destinação pública.

Maria Sylvia Zanella DI PIETRO bem lembra que os bens de uso comum e de uso especial, afetados a uma destinação pública, encontram-se fora do comércio jurídico de direito privado, mas não do comércio jurídico de direito público, "caso contrário ficaria a Administração impedida de extrair dos bens do domínio público toda a sua potencialidade de utilização, em consonância com a função social que é inerente à própria natureza da propriedade pública."141 É que os bens de uso comum e de uso especial, enquanto afetados a uma destinação pública, podem ser objeto de alienação de uma entidade pública para outra, obedecendo-se a normas de direito público, sendo que a transferência, normalmente, dá-se por lei.

4.3.2. Doação

A doação, assim, como a venda, é contrato de direito civil, não de direito administrativo. Dá-se quando há a transferência de bem do patrimônio de uma pessoa para o de outra, e só se aperfeiçoa com a aceitação do donatário.

A doação pode ser pura ou com encargo e depende de autorização legislativa e avaliação prévia. Como já visto acima, dispensa-se a licitação para a doação pura; a doação, entretanto, só se faz para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo.142 A doação, ainda, é permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação (artigo 17, inciso II, alínea “a” da Lei de Licitações).

140 Nos termos do artigo 24 da Lei nº 9.636, de 15.05.1998, a venda de bens imóveis da União será feita

mediante concorrência ou leilão público. Assim também dispõe o artigo 19 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993.

141 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 1990, p. 379. 142 Ver ADI nº 927-3-DF, mencionada na nota nº 131.

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A doação com encargo é, obrigatoriamente, licitada (artigo 17, § 4º da Lei de Licitações) e de seu instrumento deverão constar os encargos, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de reversão. Excepcionalmente, no caso de interesse público devidamente justificado, dispensa-se a licitação.

A Administração, preferentemente à venda e à doação, utiliza-se da concessão de direito real de uso, com vantagens, pois esta não transfere a propriedade.

Cumpre aqui analisar as doações que vêm sendo procedidas no Distrito Federal a instituições religiosas, para regularização de terrenos já ocupados ou para novas edificações.

A Administração, no intuito de regularizar imóveis já ocupados por congregações religiosas diversas e, principalmente, de distribuir imóveis públicos para edificação por parte dessas entidades, de início concedeu dezenas deles como direito real de uso.

O Distrito Federal, contudo, abandonou essa prática, principalmente depois de ajuizada Ação de Improbidade, pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.143

No momento, doam-se os bens públicos a entidades religiosas, com fulcro no artigo 19, inciso I da Constituição Federal, ou seja, essas doações são consideradas, pelo Distrito Federal, como colaboração de interesse público com os cultos religiosos e igrejas.144

Em face dos princípios constitucionais e administrativos, é possível, perante o sistema jurídico brasileiro, a doação de bens imóveis públicos a particulares, escolhidos aleatoriamente pelo agente público? Lembramos, na introdução deste estudo, que a doação, ainda que com encargo de prestação de serviços limitados, vem sendo, neste último ano, largamente utilizada para alienação de bens públicos imóveis pertencentes ao Distrito Federal,

143 Ação de Improbidade nº 34671/97.

144 A respeito da questão, editou o Distrito Federal a Lei nº 2.688, de 12.02.2001, alterada pela Lei nº 2.888, de

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após prévia desafetação. As leis que possibilitam essas alienações prevêem audiência pública, que não é realizada.145

É de concluir que o princípio constitucional da igualdade, do qual decorre o princípio administrativo da licitação, é malferido por essas alienações. O controle dos atos que a elas conduzem e que as realizam será exposto no Capítulo 7.

No Tribunal de Contas do Distrito Federal, a alienação de imóveis públicos a entidades religiosas vem sendo examinada nos processos nºs 2919/98, 2743/98, 3125/98, 4505/98 e 949/02, originários de representações do Ministério Público por inconstitucionalidade de várias Leis Complementares do Distrito Federal.146

Em sede judicial, a Lei distrital nº 2.688, de 12.02.2001,147 foi contestada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade,148 com pedido de concessão de medida liminar. Aponta-se, na ação, a incompatibilidade vertical de todos os dispositivos da Lei com os artigos 16, caput e inciso II; 18, caput e inciso I; 19, caput; 26; 47, caput e § 1º; 48; 49 e 359 da Lei Orgânica do Distrito Federal. A ação funda-se na proporcionalidade do encargo exigido com o valor do bem doado e tem seu mais forte argumento no artigo 359 da Lei Orgânica do Distrito Federal.149

145 O artigo 362 da Lei Orgânica do Distrito Federal dispõe que "serão obrigatoriamente apreciados em audiência

pública: I - (...).; II - atos que envolvem modificação do patrimônio arquitetônico, histórico artístico, paisagístico o cultural do Distrito Federal; III - (...); § 1º - A audiência prevista neste artigo deverá ser divulgada em pelo menos dois órgãos de imprensa de circulação regional, com a antecedência mínima de trinta dias; § 2º O órgão concedente dará conhecimento das audiências públicas ao Ministério Público competente.

A respeito da norma do § 2º desse artigo, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Distrito Federal publicou, no Diário Oficial do Distrito Federal, de 24 de maio de 1994, p. 27, a Portaria nº 09/94.

Não há notícia de que tenha sido cumprida, tampouco a divulgação a que alude o § 1º.

146 Representações nºs 01/98 - Conjunta, 12/98 - Conjunta, 19/98-Conjunta, 37/98-Conjunta, 06/02-MF. 147 DISTRITO FEDERAL. Lei nº 2.688, de 12 fevereiro de 2001. Dispõe sobre a colaboração de interesse

público entre o Distrito Federal e as entidades que especifica mediante doação com encargo das áreas por ela ocupadas para atividades de ensino, assistência social e saúde. Diário Oficial do Distrito Federal. Brasília, DF, 16 fev. 2001, p. 1.

148 Processo nº 2002.00.2.003404-0.

149 Artigo 359: "Às entidades filantrópicas e assistenciais sem fins lucrativos, consideradas de utilidade pública,

poderá ser outorgada a concessão de direito real de uso sobre imóvel do Distrito Federal, mediante prévia autorização do Poder Legislativo."

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A doação com encargo de bens imóveis públicos a entidades religiosas não configura, a princípio, subvenção. Como se pode ler do processo nº 3564/97, do TCDF,150 subvenção é auxílio permanente, via de regra pecuniário, como, por exemplo, aquele concedido pela Administração pública a creches conveniadas com o Juizado de Menores e a Secretaria de Educação.

De fato, a alienação, mediante licitação, poderia favorecer igrejas economicamente mais favorecidas, e, nessa área, não há, propriamente competição, pois não se submetem as igrejas, ou ao menos não deveriam submeter-se, a regime capitalista.

É preciso verificar, contudo, se o encargo que se impõe à doação - e aqui defende-se que deve haver encargo, proporcional à necessidade da comunidade de atendimento por aquele templo - é suficiente ao atendimento do interesse público que tornou a colaboração a que alude o inciso I do artigo 19 imperiosa. Se o encargo, por exemplo, é a prestação de serviços à comunidade, não se lhe pode fixar termo exíguo: se a prestação de serviços é realmente de interesse público, deve perdurar por muitos anos, até porque, como já ressaltamos, tais entidades não têm ou não devem ter fins lucrativos. Se de fato submetem-se a regime capitalista, estão aptas a concorrer livremente, sendo a livre concorrência pressuposto do princípio administrativo da licitação.

150 A propósito, consultar o voto do Relator, Conselheiro José Milton Ferreira, do qual transcreve-se o seguinte

excerto: "Há quem entenda que o poder público não poderia doar ou ceder terrenos para a construção de templos, porquanto estaria desrespeitando a proibição constante do art. 19, I, da Constituição Federal. Não creio que a leitura seja correta. Na verdade, a Constituição Federal, já no art. 5º, VI, assegura a liberdade de consciência e de crença, bem como o livre exercício dos cultos religiosos, enquanto que, no art. 19, I, veda ao poder público 'estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público'. Vê-se que as disposições constitucionais a que me refiro se conjugam e devem ser entendidas como garantias do cidadão, que ao poder público se impõe observar. A licitação sistemática de terrenos para a implantação de templos poderia não permitir a realização daquelas garantias, poderia prejudicar, por exemplo, o livre exercício dos cultos religiosos, a partir do predomínio de alguns segmentos, em razão do poder econômico. De outra parte, ceder terrenos a entidades religiosas, segundo critérios previamente estabelecidos em lei, não necessariamente mediante remuneração, não me parece que configure violação da proibição a que se refere o art. 19, I, da Constituição Federal, porque não caracterizaria estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas nem ao menos significaria subvencioná-los. Subvencionar é estipendiar em caráter permanente, é conceder auxílio pecuniário, coisa diferente, portanto. Ademais, o próprio texto constitucional, ao estabelecer a vedação de que se cuida, ressalva a colaboração de interesse público, na forma da lei. Creio que, em atenção a essa ressalva, poderia o Distrito Federal legislar sobre a matéria, estabelecendo que as entidades contempladas ficariam sujeitas a oferecer alguma colaboração de interesse público, além da implantação do templo."

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De toda sorte, precauções devem ser sempre tomadas em relação à matéria. A Lei nº 3.061, de 22.08.2002, publicada no DODF de 30.08.2002, estendia as doações a todas as atividades voltadas a culto religioso e, ainda, ao ensino, à assistência social ou à saúde, desde que prestadas sem fins lucrativos e de forma indiscriminada à população. Esse dispositivo extensivo foi vetado e a norma foi republicada no DODF de 02.09.2002.

No Distrito Federal, em face do artigo 359 da Lei Orgânica do Distrito Federal "às entidades filantrópicas e assistenciais sem fins lucrativos, consideradas de utilidade pública, poderá ser outorgada a concessão de direito real de uso sobre imóvel do Distrito Federal, mediante prévia autorização do Poder Legislativo.

4.3.3. Dação em Pagamento

Dação em pagamento é a entrega de um bem que não seja dinheiro para solver dívida anterior. A coisa dada em pagamento pode ser de qualquer espécie e natureza, bastando o assentimento do credor no recebimento em substituição à prestação que lhe era devida (artigo 995 do Código Civil).151

Também para a dação em pagamento exige a Lei de Licitações avaliação prévia e autorização legislativa.

O poder público, entendemos, só pode quitar dívidas mediante dação de imóveis em pagamento se, comprovadamente, não lhe for possível alienar os bens a preço justo, ou seja, é preciso que fique afastada a possibilidade de obtenção do melhor preço, por meio do instituto da licitação. Assim também entende Marçal JUSTEN FILHO:

Na dação em pagamento, a Administração se libera de uma dívida sem desembolsar dinheiro, através da transferência do domínio de um imóvel. Não se admite a dação em pagamento quando a Administração possa obter, através da venda, um resultado mais vantajoso. A hipótese da alínea 'a' pressupõe não apenas a facilidade de extinção da dívida, mas é indispensável que a liquidação do imóvel, por via de

151 A) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.

496.

B) O novo Código Civil - Lei nº 10.406, de 10.01.2002, regulamenta o instituto em seus artigos 356 a 359. A redação pouco mudou em relação ao Código Civil de 1916, ainda em vigor. Ressaltaram-se, no novo Código, os direitos de terceiros, no caso de o credor ser evicto da coisa recebida em pagamento (artigo 359), e a redação do artigo 356 foi "modernizada", em relação à redação do artigo 996 do Código de 1916.

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licitação, não possa produzir receitas maiores. A justificativa para dispensa de licitação reside na impossibilidade de selecionar proposta mais vantajosa para a Administração. Não haverá ofensa ao princípio da isonomia, se nenhum sujeito se encontrar em situação idêntica à do particular. Se credores diversos tiverem interesse de extinguir seus créditos mediante dação em pagamento, estarão presentes os pressupostos da licitação. A escolha de um dentre os credores para ser beneficiado pela dação em pagamento ofenderá a isonomia e pode representar operação que não seja mais vantajosa. Rigorosamente, a Administração terá o dever de promover licitação para selecionar, dentre seus credores, aquele que oferecer as melhores condições para a dação em pagamento.152

4.3.4. Permuta

À permuta aplicam-se as disposições do Código Civil (artigo 1.164) ou do Código Comercial (artigo 221). É contrato mediante o qual as partes transferem e recebem um bem, reciprocamente.

Para a permuta exige a Lei nº 8.666 avaliação prévia dos bens a serem permutados e autorização legislativa. A própria definição do contrato afasta a possibilidade de licitação.

4.3.5. Investidura

A investidura é definida na Lei de Licitações, artigo 17, § 3º, como a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se torna inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% do valor máximo previsto para compras e serviços por meio de licitação na modalidade de convite.

Lembra Hely Lopes MEIRELLES153 que, da mesma forma que o proprietário lindeiro pode compelir o Poder Público a incorporar ao seu terreno, por investidura, a área pública inaproveitável isoladamente, pagando o justo valor, também pode a Administração desapropriar o imóvel confinante se o proprietário recusar-se a investir, possibilitando-se, assim, a venda de todo o imóvel a terceiro.

152 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed. São Paulo:

Malheiros, 1988, p. 155.

LXXXIV 4.3.6. Legitimação de Posse

A legitimação de posse é modo excepcional de transferência de domínio de terra devoluta, ou área pública sem utilização, ocupada por particular que nela se instala, cultivando-a ou levantando edificação para seu uso.154

Não se confunde com a usucapião, vedada para aquisição de terras públicas (artigo 183, § 3º, da CF) porque, na legitimação de posse, o Poder Público reconhece a conveniência de legitimar certas ocupações, buscando respeito à função social da propriedade.

A legitimação de posse foi prevista, de primeiro, na Lei de Terras (artigo 5º), como já acima se expôs.

Em regra, a legitimação de posse é precedida de um processo de discriminação de terras devolutas, após o que os posseiros que não tenham título legítimo de domínio, mas que preencham os requisitos para a legitimação, recebem o título de domínio do poder público.155

No Distrito Federal, a legitimação de ocupação foi regulada pela Lei nº 2.689, de 19.02.2001, alterada pela de nº 2.722, de 08.06.2001.156 Objetiva a Lei regularizar ocupações de terras rurais com área de até cento e cinqüenta hectares,157 cujo ocupante as esteja tornando produtivas com seu trabalho e de sua família (artigo 11). O beneficiário da legitimação de terras públicas do Distrito Federal deverá exercer a agricultura, a pecuária, a agroindústria, o turismo rural e ecológico, ou o reflorestamento como atividade principal (artigo 11, § 5º). Não pode ser proprietário de imóvel rural e deve comprovar ocupação das terras e produção efetiva pelo prazo mínimo de cinco anos (incisos I e II do artigo 11). Observa-se que o posseiro pode ser proprietário de um ou vários imóveis urbanos.

154 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 500. 155 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 557.

156 Contra a Lei nº 2.689/2001 foi proposta a ADI nº 1086-4 pelo Ministério Público do Distrito Federal e

Territórios, julgada improcedente no mérito (DJU de 13.06.2001).

157 A Lei federal nº 6.383, de 7.12.1976, estabelece, em seus artigos 29 a 31, as condições para a legitimação de

posse e preferência para aquisição. O posseiro deve ocupar área pública com extensão máxima de 100 hectares e ter nela morada permanente, cultura efetiva e exploração direta. Não pode ser proprietário rural. A outorga é

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CAPÍTULO 5. USO DE BENS IMÓVEIS PÚBLICOS POR PARTICULARES