CAPÍTULO 5. USO DE BENS IMÓVEIS PÚBLICOS POR PARTICULARES
5.2. USO PRIVATIVO DE BENS PÚBLICOS
5.2.3. Cessão
Instituto do direito público, a cessão foi instituída pelo artigo 64 do Decreto-lei nº 9.760, de 1946, para o caso de interesse da Administração em oportunizar auxílio ou colaboração que entenda necessário prestar.
172 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 1995,
p. 475.
173 "O aforamento é uma velharia que bem merecia desaparecer de nossa legislação, e, principalmente,
da prática administrativa. Teve ele sua justificativa nos tempos coloniais, quando pelo Alvará de 5 de outubro de 1795, as municipalidades receberam terras com o fim precípuo de as administrar e cultivar por si ou por seus foreiros. Destas terras, parte das Câmaras e Conselhos da época aforaram, e parte atribuíram às Fábricas das Igrejas locais, ficando, em alguns casos, as municipalidades com o encargo do recebimento do foro para entregar aos párocos. Com a reorganização municipal operada com o advento da República, e subseqüente fortalecimento das rendas locais, com a discriminação atual, nenhum interesse subsiste para os Municípios de hoje em auferir quantias irrisórias de seus terrenos foreiros. Por outro lado, a separação entre a Igreja e o Estado cortou as relações administrativas entre o Município e a Paróquia, ficando cada qual com os seus bens próprios, sem qualquer interesse das municipalidades na arrecadação de foros para a Igreja. Inexistem, assim, as primitivas razões que justificaram os infindáveis aforamentos que até hoje emperram a administração local com obsoletas
XCIII Dispõe a Lei nº 9.636 de 1988:
Art 18. A critério do Poder Executivo poderão ser cedidos, gratuitamente ou em condições especiais, sob qualquer dos regimes previstos no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, imóveis da União a:
I - Estados, Municípios e entidades, sem fins lucrativos, de caráter educacional, cultural ou de assistência social;
II - pessoas físicas ou jurídicas, em se tratando de interesse público ou social ou de aproveitamento econômico de interesse nacional, que mereça tal favor.
§ 1º A cessão de que trata este artigo poderá ser realizada, ainda, sob o regime de concessão de direito real de uso resolúvel, previsto no art. 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967.
§ 2º O espaço aéreo sobre bens públicos, o espaço físico em águas públicas, as áreas de álveo de lagos, rios e quaisquer correntes d’água, de vazantes, da plataforma continental e de outros bens de domínio da União, insusceptíveis de transferência de direitos reais a terceiros, poderão ser objeto de cessão de uso, nos termos deste artigo, observadas as prescrições legais vigentes.
§ 3º A cessão será autorizada em ato do Presidente da República e se formalizará mediante termo ou contrato, do qual constarão expressamente as condições estabelecidas, entre as quais a finalidade da sua realização e o prazo para seu cumprimento, e tomar-se-á nula, independentemente de ato especial, se ao imóvel, no todo ou em parte, vier a ser dada aplicação diversa da prevista no ato autorizativo e conseqüente termo ou contrato.
§ 4º A competência para autorizar a cessão de que trata este artigo poderá ser delegada ao Ministro de Estado da Fazenda, permitida a subdelegação.
§ 5º A cessão, quando destinada à execução de empreendimento de fim lucrativo, será onerosa e, sempre que houver condições de competitividade, deverão ser observados os procedimentos licitatórios previstos em lei.
Art 19. O ato autorizativo da cessão de que trata o artigo anterior poderá:
I - permitir a alienação do domínio útil ou de direitos reais de uso de frações do terreno cedido mediante regime competente, com a finalidade de obter recursos para execução dos objetivos da cessão, inclusive para construção de edificações que pertencerão, no todo ou em parte, ao cessionário;
II - permitir a hipoteca do domínio útil ou de direitos reais de uso de frações do terreno cedido, mediante regime competente, e de benfeitorias eventualmente aderidas, com as finalidades referidas no inciso anterior;
III - permitir a locação ou o arrendamento de partes do imóvel cedido e benfeitorias eventualmente aderidas, desnecessárias ao uso imediato do cessionário;
IV - isentar o cessionário do pagamento de foro, enquanto o domínio útil do terreno fizer parte do seu patrimônio, e de laudêmios, nas transferências de domínio útil de que trata este artigo;
V - conceder prazo de carência para início de pagamento das retribuições devidas, quando:
a) for necessária a viabilização econômico-financeira do empreendimento;
b) houver interesse em incentivar atividade pouco ou ainda não desenvolvida no País ou em alguma de suas regiões; ou
c) for necessário ao desenvolvimento de microempresas, cooperativas e associações de pequenos produtores e de outros segmentos da economia brasileira que precisem ser incrementados.
Art 20. Não será considerada utilização em fim diferente do previsto no termo de entrega, a que se refere o § 2º do art. 79 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, a cessão de uso a terceiros, a título gratuito ou oneroso, de áreas para exercício de atividade limitações ao domínio pleno dos bens municipais." (Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 493).
XCIV
de apoio, definidas em regulamento, necessárias ao desempenho da atividade do órgão a que o imóvel foi entregue.
Parágrafo único. A cessão de que trata este artigo será formalizada pelo chefe da repartição, estabelecimento ou serviço público federal a que tenha sido entregue o imóvel, desde que aprovada sua realização pelo Secretário-Geral da Presidência da República, respectivos Ministros de Estado ou autoridades com competência equivalente nos Poderes Legislativo ou Judiciário, conforme for o caso, e tenham sido observadas as condições previstas no regulamento e os procedimentos licitatórios previstos em lei.
Art 21. Quando o projeto envolver investimentos cujo retorno, justificadamente, não possa ocorrer dentro do prazo máximo de dez anos, estabelecido no parágrafo único do art. 96 do Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, a cessão sob o regime de arrendamento poderá ser realizada por prazo superior, observando-se, neste caso, como prazo de vigência, o tempo seguramente necessário à viabilização econômico-financeira do empreendimento.
A doutrina não é uníssona em reconhecer possa ser a cessão feita a particulares. Hely Lopes MEIRELLES define-a:
A cessão de uso é a transferência gratuita da posse de um bem público de uma entidade ou órgão para outro, a fim de que o cessionário o utilize nas condições estabelecidas no respectivo termo, por tempo certo ou indeterminado. É ato de colaboração entre repartições públicas, em que aquela que tem bens desnecessários aos seus serviços cede o uso a outra que deles está precisando. (grifo nosso).174
Daniele RUSSO discorda:
O usual, na Administração, é que a cessão de uso se dê entre órgãos da mesma pessoa jurídica, entretanto, é possível que se dê entre pessoas jurídicas diversas. Alguns autores limitam a cessão de uso às entidades públicas, outros admitem-na também no âmbito das pessoas jurídicas de direito privado, integrantes ou não da Administração Indireta.
Vinculamo-nos à segunda corrente, certos de que se o particular visar o benefício, geral ou parcial da coletividade e desempenhar atividades não lucrativa, legitimada estará a cessão do uso do bem público para esse fim.175
A respeito de ser a cessão de uso ato ou contrato administrativo, defende Daniele RUSSO:
Para nós, estamos diante de ato administrativo, que entendemos por complexo quando a cessão se der entre pessoas jurídicas diversas, já que teríamos duas entidades concorrendo para a prática de um mesmo ato.
Considerando a cessão de uso um ato administrativo, não entendemos cabível a licitação, já que o procedimento licitatório é antecessor obrigatório dos contratos
174 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 487. 175 RUSSO, Daniele. Cessão de Uso de Bens. L&C Revista de Direito e Administração Pública, v. 5 n. 48,
XCV
administrativos, estando o instituto ora em comento situado dentro do poder de gestão administrativa conferida legitimamente, por lei, aos administradores públicos.176
A despeito do texto da Lei nº 9636, de 1988, a cessão de uso deve ser vista como ato a ser realizado, sempre, entre pessoas jurídicas de direito público, ou órgãos da mesma pessoa jurídica de direito público.
Se a cessão de uso deve ser considerada ato precário, é, na essência permissão de uso. Se considerada contrato, é concessão administrativa de uso. Almeja o particular o benefício geral ou parcial da coletividade é argumento por demais fluido: por um lado, toda outorga tem de pressupor o interesse público; por outro, a Lei de Licitações excepciona a exigência do certame em situações especiais, como construção de habitações para a população de baixa renda.