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4. ANÁLISES

4.2 AUTOCONFRONTAÇÃO CRUZADA (ACC)

4.2.2. Autoconfrontação cruzada (ACC2): professores e pesquisadora (s)

A sequência de imagens do professor Cândido em aula é apresentada para o professor

Boaventura. No primeiro trecho selecionado, observa- se a discussão, iniciada pela

pesquisadora Juliane, sobre o desgaste na voz do professor Cândido em sala de aula (Linhas

320-339):

O trecho remete a um assunto já tratado na autoconfrontação simples com o professor

Boaventura, assunto esse com o qual o professor Cândido se identifica. Ele faz uso do dêitico

sai, e continua a fala sem voz várias e várias vezes. Além de localizar o momento em que ele

320 325 330 335 M1: PB: M1: PB: PC: PB: PC:

que a gente percebeu na: na: na no teu trecho de aula é que você acaba/ eu não sei se se eu se eu estou certa? Você que me corrija é:: acaba:: falando mais alto desgastando um pouco mais a voz

[

sim sim não é t/ é: ((truncamento de ideia, indica intenção de pronunciar a palavra terrível, anteriormente mencionada para enfatizar indignação))

[

para chegar até o aluno sem chegar fisicamente né? seria isso?

[ isso isso de fato acontece só o barulho

dos ventiladores ali já é terrível né então assim é:: nós que temos o principal instrumento de trabalho a voz é complicado você ficar aí quatro horas aí falando acima do teu tom normal isso: quando vê/ pode ser que não no dia mas uma semana duas semanas um ano dois anos três anos isso acaba dando problemas

[

eu já sai sem voz( ) [

é complicado [

várias e várias vezes

[

saiu sem voz, ou seja, no passado, ele usa os quantificadores várias e várias para enfatizar que

isso se repetiu por mais de uma vez, o que se pode considerar como uma sobrecarga em suas

funções vocais.

Prossegue no mesmo tópico (Linhas 340-356):

Boaventura complementa que, mesmo que o professor se esforce para ter cuidado com

sua saúde, seguindo orientações dos profissionais especializados na área, no caso, a

fonoaudióloga, seguir essas instruções se torna inviável devido à estrutura da Instituição.

Segundo Cândido, ou ele altera a voz, ou os alunos não o ouvem, ainda, ou ele liga o ventilador,

ou não suportam o calor. São fatores que se tornam incompatíveis e acabam afetando o

andamento da aula, sobrecarregando o professor e prejudicando a saúde deles, que pode ser

tanto a física quanto a psicológica.

A questão estrutural volta a ser discutida (Linhas 566-587):

340 345 350 355 PB: PC: PB: M1: PB: M1:

é... porque uma coisa é você ir numa fono (( profissional da área de fonoaudiologia)) e ela dizer não você tem que falar mais pausadamente num tom moderado etc e tal outra coisa é você se deparar com uma estrutura dessa e::

[ (( tossiu)) [

falar do jeito que é para falar normalmente você não ( ) [

ou seja o tom de voz que o professor poderia utilizar na sala de aula

[ sim [

para fazer mais baixo moi mais alto para chamar a atenção do aluno você acaba não conseguindo usar essa ferramenta

570 575 PC: PB: PC: M1: PC: PB:

é claro que se a estrutura aí favorecesse um (uma sala arejada) as carteiras né? adequadas aí tivesse o número adequado e tal é mais produtivo né? é mais produtivo... sem muito baru:lho né? [ sim [ se conseguirmos ter mais acesso aos alunos

mas aí a seria ficaria mais produtiva a a aula?

ah com certeza né? Pelo menos a gente/ ... a a a motivação da gente é melhor né? você está ali... barulhão calor não tem acesso pô (( expressão que indica a intenção de pronunciar a gíria “poxa”, normalmente usada para denotar indignação)) que você fica num: parece meio:

[

está meio amarrado [

O trecho revela tanto a questão da produtividade quanto da motivação e ambos podem

ser refletidos na saúde do professor. Ele percebe que a sua aula não é tão produtiva quanto

poderia devido aos impedimentos de atendimento individual aos alunos, em decorrência da

forma como as carteiras estão organizadas na estrutura da sala de aula. O professor diz barulhão

calor, manifesta indignação expressa em não tem acesso pô.

Os professores também concordam que a situação vivenciada impede uma ação

pontual nessa questão. Fazem uso da linguagem figurada para expressar esse impedimento que

vivenciam, um afirma que está meio amarrado, e o outro concorda que está amarrado. Assim,

em situações como essas, eles não conseguem realizar as atividades como gostariam, têm suas

atividades impedidas e, como consequência, isso pode acarretar em prejuízo à saúde e a

motivação. Eles se deparam com as adversidades, não conseguem superá-las por não terem

controle sobre essa situação. Em suma, perdem o poder de ação.

No transcorrer da autoconfrontação, a pesquisadora retoma um assunto já discutido na

autoconfrontação cruzada anterior, sobre conciliar o trabalho de contador com o de professor,

como ocorre com Cândido (Linhas 889-917):

580 585 PC: M1: PC amarrado e:: [ e até o professor também se desmotiva também chega na sala de aula enfrenta calor enfrenta:: a a condição física ali também fica::

[

sim ... não e daí o aluno começa a conversar cochichar né? Tudo isso vai atrapalhando né? 890 895 900 905 M1: PC: M1: PC: M1: PC: M1: PC: M1: PC: M1: PC: M1:

deixa eu retomar de onde a gente parou da última/ último encontro nós estávamos falando da/ de conciliar o trabalho de professo::r com o trabalho de contador né? E aí estávamos falando da dificulda:de de conciliar essas duas coisas... e aí que que você pensou sobre isso durante essa semana aí?

não nada de novo (( riso)) nada de novo?

é eu por exemplo sábado eu utilizei o dia para corrigir prova

você tem vinte horas aqui na UTF ((Universidade Tecnológica Federal do Paraná)) aham

e em sala de aula são vinte?

não atualmente (são) (é) oito horas em sala oito horas em sala?

mas daí os TCC (( Trabalhos de Conclusão de Curso)) né? ahm

mais os os/a orientação dos TCCs e atendimento aos alunos

(( os dois professores gesticulam com a cabeça consentindo que sim a afirmação feita pelo mediador))

A pesquisadora Juliane questiona se Cândido pensou a respeito da questão de conciliar

a atividade de contador com a de professor durante a semana e ele afirma que as coisas

continuam iguais, que ele trabalhou no sábado corrigindo provas. Na continuidade fica

evidente, porque ele precisa atuar no sábado, já que atua 8 horas em sala, sobram 12 horas para

orientação e preparar as aulas, e segundo ele, o sábado acaba sendo o melhor horário para

conciliar com suas outras atividades.

Juliane fala você escolheu o sábado Cândido para realizar as atividade extra sala, ao

que Cândido responde ah sempre né? durante a semana é difícil, nesse momento, são

observados os mundos de que o professor fala muito presentes, pois ao considerar todas as

atividades que ele desenvolve dentro e fora da Universidade (os mundos), o sábado é o melhor

dia para ele realizar as atividades pendentes da Universidade. Ele faz uso do operador modal é

difícil, para afirmar que de outra forma, em outro dia ele não consegue.

Nessa afirmativa, observa-se um professor que expõe que realiza atividades de

trabalho nos sábados, que já realizou nos domingos também, o que hoje não faz mais. Essa é

uma realidade vivenciada não apenas por esse professor, ou por professores Universitários, é

uma realidade que atravessa a atividade docente em todos os âmbitos de ensino, e que

demonstra que o professor trabalha muito mais do que é possível visualizar.

No caso específico de Cândido, ele tem outras atividades que disputam sua atenção

durante a semana, mas mesmo professores que atuam integralmente com a docência, muitas

vezes, também realizam atividades relativas à docência em casa, no final de semana. Assim

como a docência, existem também inúmeras outras profissões que passam por situações

semelhantes, ou seja, necessitam desenvolver suas atividades nos momentos em que deveriam

estar descansando ou aproveitando outros momentos de suas vidas, fora do trabalho.

Para encerrar as sessões de autoconfrontação da intervenção, Juliane solicita que os

professores coloquem suas avaliações sobre a intervenção (Linhas 1099-1109):

910 915 PB M1: PB: M1: PC: PB

é para cada hora na verdade se você disponibilizar para cada hora em sala um hora para preparar já dá dezesseis e aí o professor/ vinte horas de fato não/ veio deu as aulas ele/ que nem ele falou vai ter que ficar no sábado corrigindo prova lançando e tal não tem como você cobrar para que fique ali voc/ ê: na verdade bem reduzido mesmo o tempo deles não é fácil

[

esse horário de preparar é uma opção para o professor um horário que ele vai fazer vai escolher ( )

não porque veja bem eu sou o coordenador para mim ... e você escolheu o sábado Candido

ah sempre né? durante a semana é difícil

Boaventura declara crer que a intervenção seja uma contribuição para o crescimento

profissional, diz você na verdade acaba eh eh eh pá/ saindo do piloto automático você para

eh:: essas questões que você coloca para nós eh muitas vezes a gente nem para pensar né?

muitas vezes a gente internamente já tem um um modus operantis vamos dizer assim que você

não nem se questiona mais. Segundo o professor, a intervenção o levou a refletir sobre seu

trabalho, a se questionar, pois no diálogo, o que antes não era percebido passa a ser notado, o

que acaba contribuindo para o desenvolvimento e para a saúde do docente, pois mostra-lhe

novas possibilidades de ação.

Ele fala saindo do piloto automático, usa uma linguagem figurada para expressar o

que sentiu em relação à intervenção, que remete a uma direção controlada, que não permite que

o motorista ultrapasse uma velocidade máxima estabelecida para a direção, mantem uma

velocidade constante, mesmo que o motorista pise no acelerador. Ou seja, o professor expõe

que a intervenção o fez sair do pré selecionado sobre suas aulas, enxergar novas possibilidades,

que vão desde a velocidade menor, até a maior. Permite-lhe “dirigir”, dominar a direção de sua

aula, torná-la menos mecânica.

Essa possibilidade se deve, em parte, pela atitude responsiva ativa do professor, o que

Bakhtin chama de posição responsiva do ouvinte que “se forma ao longo de todo processo de

audição e compreensão desde o seu início, às vezes, literalmente, a partir da primeira palavra

do falante” (BAKHTIN, 2011, p.271). Pois assim os professores são levados a pensar sobre

seus trabalhos, suas atuações, coisa que de outra forma, sem o diálogo sobre o assunto,

provavelmente, não ocorreria. Aqui eles precisam se posicionar sobre o seu trabalho, e como

consequência repensam-no, recriam-no.

E o professor Cândido ao falar sobre a experiência da intervenção (Linhas 1170-1197):

1100

1105 M1:

PB:

eu gostaria: de que vocês dessem um depoimento sobre como que foi esses trabalhos aqui com/ se assistir se ver ali em sala de aula como que foi para vocês isso? Falar sobre pensar sobre eh se ver ali na na sala de aula para os dois

quer (falar primeiro)? (( risos )) olha eu:: assim eu sempre ahn vejo que em qualquer profissão você sempre tem que estar melhorando tem que estar evoluindo as coisas evoluem você tem que evoluir também então hoje minha minha profissão principal é ser docente eu sou professor e eu eu sempre primei em ser um bom profissional seja em qual profissão eu estivesse e::: nesse sentido eu acho que ajuda porque:: você na verdade acaba eh eh eh pá/ saindo do piloto automático você para eh:: essas questões que você coloca para nós eh muitas vezes a gente nem para pensar né? muitas vezes a gente internamente já tem um um modus operantis vamos dizer assim que você não nem se questiona mais

1170 1175 1180 1185 1190 1195 M1: PC: M1: PC: PB: M1: PC: PB: M1: PB:

... e para você Candido como que foi esse/ você se assistir ali se ver em sala de a:ula

ah eu acho que a gente cobra dos alunos que as vezes são acomodados a gente como professor também se acomoda né? muitas vezes

uhum

né? e eu acho que: a se/ dessa forma nos assistindo tendo essas conversas avaliando muita coisa a gente com certeza vai procurar mudar procurar melhorar algumas coisas alguns aspectos então eu acho que foi válido eu acho que f/ é importante essa esse trabalho que vocês estão fazendo que você está fazendo né:? eu acho que isso contribui para que a gente evolua né? como professor e espero que contribua para o curso também né? de alguma forma ou de outra né? mas enfim eu acho que::/ bom enfim gostei gostei ((riso))

a metodologia pelo menos ela mais objetiva mais prática (né?) você vai direto ao ponto oque que está acontecendo de fato na no

[

na sala de aula [

na sala de aula sai ( um pouquinho) daquela teori::a simplesmente etc. e tal

é

porque eh eh eu [ a teoria [

eu tenho uma briga terrível com a pedagogia que é o seguinte tem estudos muito antigos em realidades anteriores a: que a gente está vivendo muitas vezes voltados para o ensino de pré-escola e: como nós do ensino superior vamos nos adaptar com aqueles conceitos uma coisa é você ensinar uma criança que está com o HD vazio e: eh enfim tem toda a questão o jeito de tratar etc. e tal

Segundo Cândido, muitas vezes os professores se acomodam, assim como os alunos,

e a intervenção por meio dos vídeos ajuda a avaliar o próprio trabalho, o que está aliado à visão

exotópica. Ele fala a gente com certeza vai procurar mudar procurar melhorar algumas coisas

alguns aspectos, continua contribui para que a gente evolua. O dêitico de pessoa a gente,

novamente está presente na fala do professor Cândido, revelando a necessidade de se sentir

incluso ou de incluir os demais professsores em sua fala.

Cândido expõe uma disposição para mudança que envolve não apenas ele, mas seus

pares, gênero profissional. Aqui é possível retomar um dos desafios da relação dialógica, o da

mudança, que necessita existir entre o sujeito e o outro. Conforme Bakhtin:

o sujeito da compreensão não pode excluir a possibilidade de mudança e até de renúncia aos seus pontos de vista e posições já prontos. No ato de compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a mudança mútua e o enriquecimento (BAKHTIN, 2011, p.378).

Boaventura fala ainda dos aspectos da metodologia pelo menos ela mais objetiva mais

prática (né?) você vai direto ao ponto o que que está acontecendo de fato na no...sala de aula.

onde vive, e daquele que, estando de fora da experiência do primeiro, tenta mostrar o que vê do

olhar do outro” (AMORIM, 2014, p.101).

Além do olhar da pesquisadora e do colega de profissão, o próprio professor, no caso

da autoconfrontação, exerce a posição exotópica ao se olhar, pois ele tem a oportunidade desse

excedente de visão sobre seu próprio trabalho e ao mesmo tempo, pode dialogar sobre ele.

Como já declarado em momentos das autoconfrontações. Os professores dessa área do

conhecimento gostam de objetividade e praticidade e, segundo Boaventura, a metodologia

dessa intervenção correspondeu a essa expectativa.

PB ressalta, no trecho que se segue, que a intervenção fez algo que, geralmente, não

ocorre em intervenções de formação continuada, semanas pedagógicas (Linhas 1670-1677):

O professor Boaventura declara uma semana inteira pedagógica lá com um monte de

reuniões inúteis ((o professor faz sinal com as mãos indicando aspas em seu comentário, junto

a palavra inúteis)) muitas vezes e você fica lá de... é::... saquinho cheio, revela que as

intervenções que vivenciou até o momento não o levaram a refletir a prática real de sala de aula.

Ele usa expressão idiomática saquinho cheio, que expõe cansaço, sobrecarga, exaustão com

relação a algo que não contribui para desempenho profissional.

A Clínica da Atividade se propõe a criar condições para que os trabalhadores ajam

diretamente sobre a atividade, seja individual ou coletivamente. As falas dos professores

parecem revelar que as condições de ação foram proporcionadas nessa intervenção, o que não

está no discurso deles e, talvez, nem tenham percebido que essa intervenção também teve ação

sobre a saúde deles, uma vez que a visão sobre saúde, conforme exposição nos discursos das

autoconfrontações, está muito atrelada a uma visão de saúde física, e não de poder de ação.

A intenção até aqui foi apresentar a maneira como a sobrecarga se apresentava nos

enunciados dos professores, nas autoconfrontações simples e, posteriormente, nas cruzadas, no

entanto percebe-se a necessidade de apresentar, na sequência, as falas que remetem à

sobrecarga, de maneira conjunta, para que seja possível perceber os termos que eles, os

professores, utilizam.

1670 1675 PB: M1: PB:

a gente dificilmente para para se se enxergar [

mas a ideia (é essa) [

e para se s:/ nos analisarmos né? Então eu vejo assim é: isso seria muito mais útil do que uma semana inteira pedagógica lá com um monte de reuniões inúteis (( o professor faz sinal com as mãos indicando aspas em seu comentário, junto a palavra inúteis)) muitas vezes e você fica lá de... é::... saquinho cheio