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3. METODOLOGIA

3.1 AS FASES DA PESQUISA

Os dados deste estudo foram disponibilizados pelo Grupo de Pesquisa Lad´Humano,

sendo pertencentes ao seu Banco de Dados de intervenções em Clínica da Atividade. A

produção dos dados, objeto desse estudo, ocorreu na segunda metade do ano de 2013, quando

primeiramente uma pesquisadora/pedagoga, aqui chamada ficticiamente Juliane M1, membro

do Grupo de Pesquisa Lad´Humano, apresentou uma proposta de trabalho de formação

continuada sob a ótica da Clínica da Atividade e da Análise Dialógica do Discurso para um

grupo de professores pertencentes à Coordenação do Curso de Ciências Contábeis da

Universidade, e em conjunto com a pesquisadora, aqui chamada ficticiamente de Suzana M2 ,

também membro do Grupo de pesquisa, realizaram a intervenção. Cabe ressaltar que a autora

deste trabalho não participou da condução dessa intervenção.

Esta proposta de trabalho estava interligada a uma implementação da Clínica da

Atividade Docente na UTFPR-PB, intitulada “Práticas Docentes: dialogar, compartilhar e

refletir”, a qual visava atender aos docentes de todos os cursos do Campus.

Um dos professores da Coordenação aqui denominado, ficticiamente, de Boaventura

(PB) se voluntariou. Não havendo mais voluntários e devido à necessidade de mais um

professor para formar a dupla de autoconfrontação, outro professor, aqui chamado de Cândido

(PC) foi indicado por seus colegas.

A indicação foi motivada pelo fato de PC ser um professor com carga horária de 20

horas semanais e atuante também como profissional no ramo contábil, em escritório próprio, o

que poderia conferir alguma diferença em relação ao professor PB, o qual possui Dedicação

Exclusiva (DE), ou seja, atua unicamente como docente. Após a indicação, o professor Cândido

aceitou participar. A indicação revela uma motivação coletiva, pois foram os professores que

definiram um segundo participante, mesmo com os diferenciais no trabalho.

Cabe ressaltar que o professor Cândido tem um trabalho fora da Universidade,

enquanto o professor Boaventura exerce outras atividades além da docência, que são as de

coordenação, dentro da Instituição. Dessa maneira, ambos não atuam exclusivamente na

docência.

Definido isto, é importante destacar o perfil profissional de cada um dos professores

participantes da pesquisa. O Professor Boaventura atua como professor nesta Universidade

desde 2005. Graduado em Ciências Contábeis, com Mestrado e Doutorado em Engenharia de

Produção, autor de livros na área contábil em parceria com demais professores da área. Atuou

no ensino superior em Instituição privada, também ministrando aula no curso de Ciências

Contábeis. Foi patrono, paraninfo e homenageado das turmas formandas por repetidas vezes.

O Professor Cândido, por sua vez, atua na Universidade desde 1994. Graduado em

Ciências Contábeis, possui especialização, atuando desde 1988 no campo, é dono de empresa

contábil, a qual possui algumas filiais. Também foi patrono, paraninfo e professor

homenageado pelas turmas formandas por diversas vezes.

Isto posto, após o primeiro contato com a coordenação e com consentimento dos

professores, a pesquisadora dirigiu-se até as salas de aula para conversar com os alunos, de duas

turmas participantes da ação, obteve destes a autorização, via termo de consentimento livre e

esclarecido, para acompanhar e filmar as aulas ministradas por esses dois professores.

A pesquisadora M1 observou e filmou uma aula de cada professor, ou seja, foram

realizadas duas observações e duas filmagens de aula. Após as filmagens houve a seleção, por

parte da pesquisadora, de trechos para serem discutidos nas sessões de autoconfrontação, uma

vez que os professores não quiseram eleger o trecho, deixando essa tarefa a critério da

pesquisadora. Com os trechos selecionados, iniciou-se o processo de autoconfrontações, duas

simples e duas cruzadas, as quais também foram filmadas.

Nas sessões de autoconfrontação simples, a pesquisadora M1 ou as pesquisadoras,

quando M2 (também participou, em alguns momentos, em conjunto com a pedagoga uma aluna

bolsista, integrante do grupo de pesquisa), apresentava (m) o trecho recortado da aula filmada

de cada professor para que tivesse início a sessão a partir do que o professor assistia no vídeo.

Nas sessões de autoconfrontação cruzada, a pesquisadora instruiu os professores para

que assistissem ao trecho de aula e, posteriormente, seu par comentasse o que percebeu de

importante sobre aquele trecho e que gostaria de comentar com seu colega. A pesquisadora

intermediava quando sentia necessidade de esclarecer, questionar ou apontar algo relevante.

Após a gravação das autoconfrontações, tanto simples, quanto cruzadas, a produção

de dados foi encerrada. Teve início assim, a edição de um vídeo, referente a cada professor,

com trechos da aula e das autoconfrontações, que pode ser compartilhado com os demais

professores da coordenação. Dessa forma a intervenção clínica pôde ser discutida, em

momentos distintos com o coletivo de trabalho.

Os dados audiovisuais, resultantes das autoconfrontações, foram transcritos por

pesquisadoras, membros do Grupo de Pesquisa Lad´Humano

1

, orientando-se pelas normas

estabelecidas no projeto NURC/SP, constantes em Pretti (1999, p. 11-12).

Quadro 1 – Normas para transcrição.

Ocorrências Sinais Exemplificação2

Incompreensão de

palavras ou segmentos

( ) Na verdade não é a aula é o

início da aula que está pegando assim ( )

Truncamento / Esse aqui nã/ ... É muito...

Entonação enfática Maiúscula tinha chovido lá fora estava

um CALOR dentro daquela sala ó o ventilador lá

Prolongamento de

vogal e consoante

: ontem na::: on:tem tinha

prova lá com eles não dá para ANDAR

Silabação - ‘‘não mais o pessoal de

matemática fez um: um gru-po de es- tu-dos para marcar em-com-tros etc’’

Interrogação ? Vamos começar então?

Qualquer pausa ... Esse é o segundo ...

Comentários descritivos do transcritor

(( )) Eu vou sentar aqui ((

ruídos)) pronto

Sobreposição ou

simultaneidade de vozes

[ PB: não eu acho que eles

entu:lharam [

PC: não tem espaço físico lá Fonte: adaptado de Preti (1999).

Na transcrição o texto foi organizado em uma tabela contendo cabeçalho e três colunas.

No cabeçalho, há a inscrição referente a cada transcrição de autoconfrontação. Na coluna da

1 Membros do Grupo de Pesquisa Lad´Humana: DESTRI, A e PEREZ, M.B

esquerda, são contabilizadas as linhas de transcrição de 5 em 5. Na coluna as falas dos

professores e das pesquisadoras são indicadas como PB, PC, M1 e M2, respectivamente. Na

coluna da direita, há o texto transcrito em fonte 10, Times New Roman, espaço simples entre

linhas. O corpus transcrito das sessões de autoconfrontação encontra-se em anexo.

Para realizar as análises da pesquisa, primeiramente, as sessões de autoconfrontação

foram assistidas e ouvidas repetidas vezes para identificar os trechos e os tópicos em que o

sentido da sobrecarga no trabalho do professor está presente de alguma forma, considerando-a

do ponto de vista de sobrecarga postulado por Wisner (1994).

Os trechos selecionados foram analisados na ordem em que eles ocorreram na

intervenção, primeiro as autoconfrontações simples e em seguida as cruzadas. A escolha dessa

ordem se dá para uma melhor compreensão sobre como o processo de autoconfrontação foi se

desenvolvendo, para cada professor, durante a intervenção e como os sentidos foram

construídos por meio do diálogo.

Além disso, por ser a fala dos professores também objeto desse estudo, é importante

considerar que uma abordagem textual-interativa do português falado demanda uma definição

de categorias que nem sempre estão previstas na descrição gramatical, que recorta a frase como

unidade de análise. Essa modalidade de recorte dificilmente dá conta de dados pragmáticos-

textuais, uma vez que a comunicação humana possui fatores complexos envolvidos, que são

interesse essencial para uma perspectiva discursiva de análise. Assim, organização tópica do

discurso de natureza oral-dialogada, visa a identificação de uma unidade de análise, de estatuto

discursivo (JUBRAN et al., 2002, p.341-342).

A conversação, por ser desenvolvida com base em troca de turnos entre pelo menos

duas pessoas, provoca, como consequência, uma construção colaborativa, pela qual um turno é

produzido, de alguma forma, por referência ao anterior, e não simplesmente um turno

sucedendo ao outro. Desta forma, existe uma projeção de possibilidades que um elemento no

turno antecedente desencadeia no próximo (JUBRAN et al.2002, p. 341-342).

Como os tópicos são organizadores de um discurso, a partir do mapeamento dos

tópicos relacionados à sobrecarga, realizou-se a análise de categorias linguísticas que embasam

a compreensão do discurso e da construção do sentido na fala dos professores. Para tanto foram

utilizadas as categorias de: dêiticos, elementos conceituais e afetivos do sentido; frases feitas;

implícitos; linguagem figurada: processo analógico; o(s) mundo (s) de que falamos; a negação;

quantificadores; tipos de relação e vagueza, todos com base em Ilari (2016). Essas são algumas

das categorias que dão sentido à nossa fala, pois compõem a construção da fala e,

consequentemente, a construção de sentidos.

A análise das expressões dêiticas se referem aos elementos do contexto

extralinguístico em que ocorre a fala, e que ocorrem sobretudo por meio dos pronomes, dos

artigos, dos tempos dos verbos e de certos advérbios, que ligam a fala com a realidade. (ILARI,

2016, p.55). Essas expressões devem ser consideradas nos sentidos da fala, pois o contexto

compõe o sentido.

O autor aponta que o reconhecimento das palavras pode revelar diferentes atitudes e

avaliações a respeito das realidades de que se fala. Tanto elementos conceituais quanto afetivos

estão presentes no sentido da palavra, sendo que os primeiros normalmente realizam a função

referencial (centrada na realidade de que se fala), e os segundos a função expressiva ou

conotativa (centrada no locutor ou receptor) (ILARI, 2016, p.55).

Quanto às frases feitas, presentes na fala cotidiana, Ilari (2016, p.78) as define como

expressões idiomáticas, compostas por diferentes palavras, cujo sentido vale para o todo, não

sendo obtido se visualizado nos sentidos das palavras que a compõem. Outra compreensão que

também não fica a cargo apenas das palavras, são os implícitos, que são aquelas informações

veiculadas na fala, sem que o falante se comprometa explicitamente com sua verdade, que

ocorrem nas pressuposições e acarretamentos, “indiretas” (ILARI, 2016, p.85, 92).

Na linguagem, outro uso muito comum é o da linguagem figurada, que ocorre quando

a buscamos para uma interpretação não literal, não convencional, que nos leva a perceber

semelhanças (analogias) (ILARI, 2016, p.108).

A negação ocorre quando excluímos uma possibilidade (ILARI, 2016, p.122). Já a

categoria de quantificação funciona via pronomes indefinidos, numerais, artigos e tempos dos

verbos (ILARI, 2016, p.169). A categoria tempo, ocorre com os mecanismos linguísticos com

os quais é possível localizar os fatos no tempo (ILARI, 2016, p.193). E por último, a categoria

vagueza, que é uma linguagem intrinsicamente indeterminada.

Considerando todas as categorias expostas acima, serão em seguida, apresentados os

trechos identificados e analisados de acordo com as categorias linguísticas e que em conjunto

constroem o sentido da sobrecarga na autoconfrontação.