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2.2 SAÚDE

2.2.1 Psicopatologia do trabalho

Inicialmente, quando se fala das relações entre trabalho e saúde é importante fazer

referência às condições vivenciadas pelos trabalhadores desse país, incluindo nesse rol também

os professores. As relações entre as condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores fez com

que o Ministério da Saúde (BRASIL, 2001) elaborasse um documento contendo “Doenças

relacionadas ao Trabalho”, de acordo com a Portaria/MS n.º 1.339/1999, as doenças são

classificadas em três categorias, de acordo com sua relação com o trabalho: I – Trabalho como

causa necessária; II Trabalho como fator contributivo, mas não necessário; III – Trabalho como

provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida (BRASIL 2001).

Além disso, o documento do Ministério apresenta as bases legais para as ações

relacionadas à saúde do trabalhador e aborda o campo da saúde do trabalhador e o papel dos

profissionais de saúde na atenção à saúde dos trabalhadores, bem como aspectos da investigação

das relações saúde-trabalho, o estabelecimento do nexo causal da doença com o trabalho, e as

ações decorrentes, dentre outras orientações aos profissionais (BRASIL, 2001).

Apesar de alguns esforços para atender às necessidades de atenção à saúde do

trabalhador, o nexo causal, ou seja, a comprovação da relação do trabalho com patologias dos

trabalhadores, quando se trata do campo da Saúde Mental, ainda é muito frágil, pois os

profissionais de saúde responsáveis por avaliar esse nexo ainda encontram muitas dificuldades,

dado que a comprovação de relação entre o trabalho e uma depressão ou uma síndrome do

pânico é muito mais complexa do que a comprovação de uma Lesão por Esforço Repetitivo –

LER. Essa comprovação exige dos profissionais um preparo qualificado, disponibilidade com

relação aos casos e uma atividade de investigação muito detalhada. Portanto, um trabalho muito

desafiador.

Lima (2005) aborda em seus estudos a questão do nexo causal entre certas formas de

organização de trabalho e o desenvolvimento de distúrbios mentais específicos. A autora expõe

que vem se deparando com diversos quadros patológicos de nexo, que se enquadram ou não na

classificação nosológica comumente descritas nos manuais de psiquiatria, como quadros

depressivos de fadiga nervosa, síndrome de pânico, dentre outras. Conclui que algumas

categorias profissionais parecem desenvolver sintomas reveladores das condições de trabalho

às quais são submetidos.

Diante disso, para falar em saúde no ambiente de trabalho, é preciso considerar tanto

a saúde em seus aspectos físicos quanto psíquicos, e para tal, é importante retomar aspectos

históricos da psicopatologia presente no trabalho, ou advinda do trabalho. Por essa razão

propõe-se uma breve contextualização histórica da Psicopatologia do trabalho, que, certamente

ajudará a compreender melhor como os aspectos psíquicos de saúde do trabalhador passaram a

ser percebidos e tratados nos ambientes de trabalho.

Louis Le Guillant, um psiquiatra francês ligado à medicina social, profundamente

envolvido com problemas sociais de sua época, ainda pouco conhecido no Brasil, foi

protagonista do movimento que originou o campo da Saúde Mental e Trabalho na França. Suas

contribuições para a área saúde-trabalho são extremamente relevantes, pois abrem uma

perspectiva de envolvimento do médico e do psicólogo diante das doenças mentais. Nessa

perspectiva passa a existir um envolvimento com a realidade do doente e na investigação

detalhada da origem das doenças (LIMA, 2006).

O legado de Le Guillant na psicopatologia do trabalho, nos anos 80, é atual mesmo em

nossos dias. Ao estudar a neurose de telefonistas, ele revela que as causas do adoecimento, que

levariam a uma neurose típica – a neurose das telefonistas –, eram atreladas à situação concreta

do trabalho, tanto no ritmo acelerado, quanto pelas tarefas repetitivas, que exigiam rapidez,

atenção e precisão, o que causava impacto sobre o sistema nervoso (LIMA, 2006).

Le Guillant trouxe uma perspectiva diferencial com relação às psicopatologias no

trabalho, abordando-as de maneira a verificar que as psicopatologias poderiam ser efeito do

trabalho, ou seja, retirou o foco do trabalhador como sendo o único responsável pelas patologias

que afetavam-no e passou a considerar os aspectos históricos e sociais envolvidos no

desenvolvimento de patologias, indo mais adiante dos fatores genéticos ou fisiológicos do

trabalhador, como se ele fosse o único responsável por seu adoecimento.

Para Le Guillant o processo histórico, as contradições que ele gera constantemente

entre as estruturas sociais, as formas de vida e as ideologias tanto do passado, quanto do futuro,

tudo isso compactua com a origem dos conflitos tanto individuais quanto dos coletivos. Os

conflitos individuais encontrados no próprio âmago das manifestações patológicas são apenas

a expressão, a concentração em determinado indivíduo, a forma dramática e pessoal dos

conflitos pelos quais as contradições exprimem-se na sociedade (LE GUILLANT, 2006, p. 48).

Se o trabalho pode sofrer efeitos do meio laboral, como posto por Le Guillant, o

trabalho do professor também pode ser visualizado nessa perspectiva. Estudos sobre as

implicações das condições de trabalho na saúde dos professores remontam à década de 80, ou

seja, são muito recentes. Os registros na literatura especializada, anteriores a este período,

tratavam de doenças físicas (laringites, varizes, problemas na coluna) sem necessariamente

relacioná-los a variáveis da organização e do processo de trabalho (LEMOS, 2005, p. 8).

Especialmente no trabalho do professor chama a atenção o “descompasso entre

professores e escola, entre a prática docente e o movimento da vida, a tentativa de fazer da

escola um espaço atemporal, de vivê-la como um ambiente a- histórico têm gerado sofrimento

e adoecimento” (MORSCHEL et al., 2014, p.95).

Ainda hoje notamos uma preocupação ou destaque maior dado às doenças físicas,

muitas vezes consideradas como números preocupantes, mas com poucas mudanças efetivas no

ambiente de trabalho. Em alguns espaços as questões ergonômicas têm ganhado espaço, com

readaptações do ambiente físico e atividades físicas, no entanto, a ergonomia também deve

considerar os aspectos psíquicos que afetam a saúde, os quais muitas vezes são deixados de

lado.

Bendassolli (2011 p. 91) ao analisar várias abordagens do sofrimento no trabalho,

como a psicodinâmica, a Clínica da Atividade, a psicossociologia, entre outras, concluiu,

considerando uma perspectiva de ação, que o que permanece nas diferentes discussões é a

importância de uma alteração no foco de análise, fazendo com que se inicie não do sujeito como

um doente e sim de um sujeito de ação, bem como se tenha uma concepção de trabalho não

como fator de sofrimento, alienação e amputação do sujeito e sim uma concepção de trabalho

como atividade de criação.

Isso não significa negar a existência do sofrimento no trabalho, especialmente

considerando suas condições na atualidade, e sim, significa entender o sujeito como alguém

constituído por sua ação, e que seu sofrimento resulta do impedimento dessa mesma ação. Ao

ser definido como atividade, é o caráter constitutivo e vivo do trabalho que vem para o primeiro

plano. A incapacidade de agir por si só junto aos outros é o que gera sofrimento; consiste de

um bloqueio da intensidade cognitiva e afetiva do sujeito, de seu poder de agir sobre

ferramentas e objetos, sobre a linguagem e sobre os outros (BENDASSOLLI, 2011, p.91).

Vygotsky (1999, p. 311) pontua que o comportamento humano se traduz em uma busca

por um equilíbrio entre o organismo e o meio. O processo decorrente dessa busca de equilíbrio

pode ser simples ou complexo, dependendo da forma como o organismo se relaciona com o

meio, mas nunca acontecerá de modo constante, sem oscilações, sempre haverá momentos de

vantagens para o meio ou para o organismo. Essas vantagens, ora do meio, ora do organismo,

podem acarretar muitas vezes em dispêndio de energia em ações que não são úteis, ou acúmulo

de energias que não puderam ser utilizadas. E quanto às energias não utilizadas, essas

necessitam de vazão para que se possa equilibrar a balança do ser humano com o mundo

(VYGOTSKY, 1999, p. 311).

As energias não utilizadas, acumuladas, se não encontram vazão podem se tornar fonte

de sofrimento e adoecimento. Nesse sentido, compreende-se que através da linguagem, como

expressão das vivências do ser humano, é possível obter elementos de análise sobre como a

sobrecarga no trabalho é equilibrada, sentida, vivida e refletida na saúde por cada sujeito em

suas particularidades.

A linguagem sobre o trabalho, a forma como o trabalho e suas vivências são expressas,

será a abordagem a ser apresentada, em especial a linguagem docente, a qual pode denunciar

aspectos da vivência da sobrecarga de trabalho desses profissionais.