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Autoeficácia para o controlo da dor crónica

No documento Sentido de vida da pessoa com dor crónica (páginas 79-82)

Capítulo III Sentido de Vida, Fatores Associados e Intervenção

3.1 Fatores Explicativos do Sentido de Vida na Dor Crónica

3.1.3 Autoeficácia para o controlo da dor crónica

Dor crónica é aquela que persiste após o tempo estimado para a cura da lesão que lhe deu origem, ou que está associada a processos patológicos crónicos, com mais de três meses de duração e se manifesta de modo contínuo ou recorrente (Merskey & Bogduk, 1994).

A dor prolongada torna-se assim, o foco de atenção primária, na vida do sofredor, influenciando grande parte das suas atividades. Mais que um sintoma, a presença perturbadora, constante e prolongada, da dor crónica, acarreta alterações, na atividade física, sono, vida sexual, humor e nas relações familiares, de trabalho e lazer originando pensamentos negativos, baixa autoestima e apreciação desesperançada da vida (Wall, 2002). Conta-se entre as principais causas desta dor o absentismo ao trabalho, baixas médicas, antecipação das aposentações por doença, indemnizações ocupacionais e redução da produtividade. Pela sua elevada prevalência, custo e impacto negativo na qualidade de vida da pessoa, sua família e comunidade, a dor crónica é considerada um sério problema de saúde pública (Arnstein, 2000).

Apoiados na Teoria do Controlo Portão da Dor48, desenvolvida por Melzak e Wall na década de 60, surgiram vários modelos teóricos que realçam a importância dos aspetos

48Explica a integração de estímulos periféricos aos fenómenos corticais e afetivos, que projetando-se através da espinhal medula,

ascendem às estruturas do tronco cerebral, sistema límbico, tálamo e diversas regiões do córtex (frontal, sensitiva, motora e inespecífica).

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emocionais, cognitivos, comportamentais e culturais no controlo da dor. As múltiplas projeções neurais associadas à transmissão dos impulsos nocicetivos resultam em fenómenos diversos, dos quais interessa destacar a integração de componentes emocionais desagradáveis (depressão/sofrimento) associados à experiência dolorosa. Pelas conexões entre neurónios periféricos e centrais, os impulsos aferentes nocicetivos atingem o sistema límbico e finalmente as estruturas corticais, onde, em função dos elementos cognitivos (valores, crenças, expetativas e atenção atribuída à dor), se processa, ou não, a integração da experiência desagradável (Wall, 2002).

Segundo Pimenta (1999) a possibilidade de poderem ser usados conceitos psico- socioculturais no controlo da dor crónica, advém do fato de, as crenças, as atitudes, os valores e os comportamentos relacionados com a saúde em geral, e com a dor crónica em particular, serem culturalmente adquiridos e podem ser modificados.

O modelo teórico que, na área do controlo da dor crónica, mais tem sido estudado e divulgado, é a teoria cognitivo-comportamental, que enfatizado a importância de se conhecer e atuar nos pensamentos, emoções, atitudes e comportamentos do sofredor, procurando contribuir para o seu controlo da dor, bem-estar e adaptação geral (Pimenta, 1999; PNCDR, 2004). Crenças disfuncionais sobre a dor crónica podem tornar-se um problema central e determinar os resultados do tratamento, pelo que, o tratamento deste tipo de dor deve incluir, a “modificação de crenças, atitudes, valores e comportamentos pouco adaptativos” (Salvetti & Pimenta, 2007, p. 135).

Segundo Beck (1997), crenças são ideias consideradas pela pessoa como verdades absolutas. São noções pré-existentes sobre a natureza da realidade que formam a perceção que temos de nós mesmos, dos outros e do ambiente (DeGood & Shutty, 1992). As crenças influenciam o sofredor na perceção e expressão da sua dor, na forma como lida com ela e na gere o tratamento (Kurita & Pimenta, 2004).

Crenças disfuncionais sobre a dor e seu controlo, não são artefactos da experiência, e não desaparecem sem intervenção específica. Se verdadeiras ou falsas, adaptativas ou mal adaptativas, as crenças podem tornar-se a realidade interna que controla o comportamento do sofredor (DeGood & Shutty, 1992).

Não crer na influência pessoal sobre a dor, julgar desejável um comportamento de dependência, crer que dor representa uma lesão tecidual, não reconhecer a relação entre emoção e dor, julgar que a dor é incapacitante, acreditar que a medicação é o melhor tratamento para dor crónica e esperar, sempre, cura médica para essa dor, são, segundo Pimenta (1999), crenças pouco adaptativas ou disfuncionais. Quando avaliadas duas vezes

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no período entre 6 e 15 meses de tratamento, tais crenças permanecem constantes nos doentes, podendo segundo a autora, desempenhar o papel de barreira principal à reabilitação. Para a autora, o conceito de autoeficácia pode ser muito útil na gestão da crónica e na modificação de comportamentos pouco adaptativos em relação à dor. A avaliação da variável pode direcionar as intervenções dirigidas a sofredores de dor crónica e melhorar os resultados do tratamento.

Rapley & Fruin (1999) afirmam que as mudanças no estilo de vida são difíceis para a maioria das pessoas, porém, essenciais para pessoas com doenças crónicas, que devem aprender novos comportamentos e modificar o próprio estilo de vida. A facilidade com que tais mudanças ocorrem, depende das crenças de eficácia e das expectativas quanto aos resultados.

Entre as crenças sobre a vivência e controlo da dor crónica, a da autoeficácia merece um destaque especial. Pode-se falar em crenças de autoeficácia pois não se trata de uma crença geral, mas de situações específicas. Um indivíduo pode julgar-se muito eficaz numa área e pouco em outras (Van der Bijl & Shortridge-Baggett, 2001).

Para Dolce (1987) a teoria da autoeficácia pode ajudar a refinar intervenções, cognitivo-comportamentais, nos programas de controlo da dor crónica.

O conceito de autoeficácia foi pela primeira vez definido por Bandura em 1974, como uma convicção pessoal, de que o próprio é capaz de realizar uma atividade ou comportamento específico com sucesso, num dado contexto (Bandura, 1998). De acordo com Bandura, autoeficácia, é a crença sobre a habilidade pessoal de desempenhar, com sucesso, determinadas tarefas (Bandura, 1977a) ou comportamentos para produzir um resultado desejável (Bandura, 1977b).

A pesquisa sobre a relação entre autoeficácia e dor crónica apresenta o constructo da crença de autoeficácia como fundamental para adaptação e controlo da experiência (Bandura, 1977a).

A teoria comportamental explica que, a origem, manutenção ou extinção de um comportamento está diretamente relacionada com as consequências desse comportamento. Se para o emissor do comportamento as consequências forem percecionadas como agradáveis, isso se constituirá como reforço positivo, e o comportamento persistirá. Se as consequências forem percecionadas como negativas o comportamento tenderá a ser extinto.

A contribuição da Teoria da Aprendizagem Social foi o avanço na compreensão de que processos cognitivos intermedeiam a relação entre comportamento e consequência, e

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são fundamentais para aquisição e manutenção de padrões de comportamento. O conceito de autoeficácia foi desenvolvido no contexto desta teoria, porém a partir de 1986, Bandura passa a designar a sua obra como “Teoria Cognitiva Social” visando diferenciar o seu trabalho, do de outros autores (Bandura, 1977b; Salvetti & Pimenta, 2007, p. 137).

Os conceitos básicos de Bandura sobre a crença de autoeficácia são, resumidamente, os seguintes: 1) Aprendemos pela observação do comportamento dos outros; 2) Analisamos os antecedentes e suas consequências; 3) Dessa observação resultam conceções que servirão de orientação em situações futuras. Essas orientações são refinadas pela própria experiência, ou seja, pela análise e atribuição de significados às consequências advindas do próprio comportamento. As consequências informam sobre o que fazer para obter benefícios ou prevenir punições (aprende-se pelos resultados de um comportamento). O autor destaca ainda, que mais do que as consequências por si só, a atribuição de significado, isto é, o sentido que se dá às consequências (processo cognitivo) é que determinará se o comportamento será mantido, reforçado ou extinto (Bandura, 1977a, 1977b).

Uma consequência pode ser ou não vista como positiva (Bandura, 1977a, 1977b), porém a autoeficácia, como a crença e a capacidade de agir sobre a crença, ou seja, capacidade de influenciar, positivamente, o curso dos acontecimentos na vida de cada um (Strong, Unruh, Wright, & Baxter, 2002). De acordo com Anderson, Dowds, Pelletz, Edwards, & Peeters-Asdourian, (1995), é a autoeficácia de um indivíduo que determina o tipo de atividade que este vai realizar, a quantidade de esforço que vai despender e quanto tempo passa antes de desistir. Deste modo, os estudos têm demonstrado que, elevados níveis de autoeficácia estarão associados a um reduzido grau de incapacidade, e elevados níveis de funcionalidade, a uma boa resposta ao tratamento (Anderson et al., 1995).

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