• Nenhum resultado encontrado

III. AUTOAVALIAÇÃO NA UNIVERSIDADE: CONDIÇÕES HISTÓRICAS,

1.   Avaliação, Universidade e sociedade 105

1.3. Autonomia da Universidade: gênese e crise 118

Como nos ensina Le Goff (1992, p. 01): “de meados do século XII a cerca de 1340, o desenvolvimento da cristandade latina atinge o seu apogeu. (...) As cidades são uma das principais manifestações e um dos motores essenciais dessa culminação medieval”. Por isso, embora o campo seja a referência do modo de produção medievo, não é com a vida campesina que se relacionam as primeiras universidades Ocidentais, nascidas entre os séculos XII e XIII. As condições de produção do cotidiano acadêmico, seus habitus e illusios particulares, devem ser procuradas no processo de reurbanização que marcou a Baixa Idade Média. Nas novas formas que a cidade imprimiu no pensar e no fazer mediévico. (Cf. LE GOFF, 1992; ULLMANN, 2000; DE BONI, 2004; CUNHA, 1999; OLIVEIRA, 2006).

As cruzadas e o fortalecimento do comércio com o Oriente trouxeram, além de mudanças econômicas, importantes transformações culturais que se materializaram em preocupações mais sistemáticas com a produção e difusão do conhecimento na Europa. Nesse cenário de mudanças sociais e culturais, a cidade começou a ser ampliada e, dentro dessas, os indivíduos passaram a estabelecer novas relações sociais e de trabalho, que buscavam responder aos desafios impostos pelo novo ritmo urbano. A cidade medieval, este “centro de trocas” entre a cultura popular e a erudita, entre igreja, nobreza, burguesia e trabalhadores, gestou os embriões do espaço moderno, pois como conclui Le Goff ao discutir o apogeu da cidade medieval (1992, p. 233): “Uma civilização urbana iria desabrochar ‘no cheiro misturado de sangue e de rosas".

Paralelo ao desenvolvimento do espaço urbano proliferou as primeiras escolas episcopais e catedralícias que, posteriormente, deram origem a universidade. A progressiva substituição dos colégios tradicionais por instituições voltadas aos problemas urbanos, em especial os suscitados pelas relações de trabalho e de ocupação do espaço, permitiu o

aparecimento de novas formas de aquisição e transmissão do saber48. Por isso, “a cidade medieval, centro ativo de produção econômica, é também um centro de intensa produção cultural. (...) Ela foi uma cidade do ensino, do primário ao superior, como diríamos hoje, e levou ao nascimento da universidade”. (LE GOFF, 1992, p. 193) 49.

A universidade é, portanto, filha do espaço urbano medieval. Nascida impregnada pelas virtudes e vícios, sonhos e pesadelos que irão caracterizar a vida nas cidades. Deste urbanismo nascente a universidade herdou características particulares que irão compor a

doxa acadêmica como, por exemplo, o valor da autonomia.

O corporativismo que caracterizou as relações profissionais no urbano medievo difundiu e desenvolveu a noção de autonomia, que fundamentou as relações das universidades com os poderes da Igreja, do mercado e do Rei. Nesse sentido, a universidade nascente utilizou uma estratégia comum aos novos grupos de trabalhadores das cidades medievais, no caso, a formação de guildas ou corporações. O objetivo das corporações era a proteção dos ofícios, que envolvia vínculos de solidariedade e de auxílio mútuo, entre os quais lutarem pela obtenção e ampliação de privilégios e direitos a todos os seus associados. Segundo Martins (2007, p. 27) apesar de aparecem no século XI também no Oriente, as corporações europeias se diferenciaram por sua autonomia, “constituindo-se em associações autônomas que negociavam com o governo o seu reconhecimento, mas rejeitavam a sujeição à autoridade ou ao mando do poder público”.

É como uma corporação de oficio que a universidade Ocidental irá surgir, mas diferente das outras corporações, esta se assumirá como uma corporação urbana especial, pois não possuirá por horizonte o mercado, mas a cultura, o saber e a cristandade. Seus membros não eram mercadores, mas outro tipo de profissional que a cidade via nascer: o intelectual, este homem de ofício que se instala no meio urbano em crescimento, fazendo parte de uma nova divisão do trabalho. (LE GOFF, 1992).

A autonomia pleiteada pela universidade medieval buscava defender e preservar a especificidade do trabalho intelectual e do uso prioritário da ratio, “como exercício lógico da inteligência” (LE GOFF, 1992, p. 203). Para isto necessitava de liberdade de ensino e de administração. De poder instaurar dentro de seus muros um espaço relativamente livre da

48 A expansão das escolas catedralícias, localizadas nas sedes das catedrais, e das palatinas, fundadas nas

cidades junto ao rei e à corte, significou o início da centralidade das questões urbanas sobre as contemplativas. Antes da reurbanização na Baixa Idade Média, a formação ficava mais a cargo de escolas monacais, localizadas nos mosteiros e, comumente, afastadas das cidades, tendo a formação de novos monges por objetivo. Consoante com os novos desafios que surgiram junto com a reurbanização, as escolas catedralícias passaram a oferecer uma formação voltada também às necessidades urbanas, educando os funcionários da justiça, da chancelaria real e os voltados aos registros das grandes corporações comerciais. (Cf. ULLMANN, 2000).

49 Em um ciclo pioneiro, surgiram às universidades de Bolonha (fundada aproximadamente em 1089 ou 1093),

Paris (1170) e Oxford (sem referências até 1096). Em seguida, as universidades passaram a ser constituídas de forma planejada, a partir da iniciativa real e/ou papal, como é o caso da Universidade de Coimbra (inicialmente localizada em Lisboa), fundada em março de 1290, por meio da autorização de El-Rei D. Dinis, e confirmada, em agosto do mesmo ano, pelo Papa Nicolau IV.

censura política, religiosa e dos interesses econômicos. Liberdade relativa, porque a autonomia não significava desligar-se dos poderes temporais e instituídos. Ao contrario, desses poderes a universidade solicitava outorga, proteção e financiamento. Especificamente da Igreja a universidade demandava auxílio financeiro e seus conteúdos teológicos e éticos . (Cf. DE BONI, 2004; DURHAM, s/d).

Como explica Le Goff (1992, p. 200), os novos intelectuais “obtêm dos bispos o direito de ensinar, a licentia docendi, mas não conseguem, justificando-se por seu trabalho, trabalho de um novo tipo, o trabalho intelectual, viver dessa profissão”, o que exigiu que continuassem sendo remunerados pela Igreja, sem, entretanto, continuarem presos a todas as obrigações dos religiosos. “Trata-se, para eles, portanto, de viverem e de continuarem a desfrutar da proteção da Igreja, de permanecerem clérigos, libertando-se suficientemente da tutela do bispo e de seu escolasta (scholasticus)”. (LE GOFF, 1992, p. 200).

Nesse contexto, a autonomia exigida não era necessariamente financeira, mas didática e administrativa. Autonomia para organizar e reger sua comunidade, seus mestres e aprendizes. Por isso, a universidade buscava reconhecimento e legitimidade, mas não direção. Aceitava estabelecer um diálogo com a Igreja e com o mercado, mas não a dependência a essas duas fontes. Afirmava a cristandade, sem, contudo, curvar-se a tutela do bispo. Seu guia era a ratio. Daí a função crítica que assumiu a universidade medieval.

Assim, a estrutura de corporação das universidades medievais trazia implícita a ideia de autonomia institucional, o que significava, no período, o não atrelamento do ensino universitário às obrigações religiosas da Igreja ou as “preocupações mundanas” do mercado (TEIXEIRA, 1989), mas sua limitação aos estudos necessários ao domínio das artes, do Direito, do conhecimento teológico e médico, bem como o poder de, a partir da vontade de sua comunidade, formada por mestres e aprendizes, ditar sua direção e desenvolvimento50.

Como corporação especial a administração das universidades era exercida por membros eleitos pela comunidade acadêmica. Normalmente os cargos eram temporários e sem nomeação externa, o que legitimava o poder da comunidade. As grandes decisões eram tomadas por conselhos ou congregações representativas. Os estudantes participavam ativamente das eleições e, em algumas instituições, podiam até concorrer como candidatos a reitor. A gestão coletiva corroborava para que a universidade medieval se afirmasse como um espaço totalmente novo de produção de cultura e saber na Europa. Como lócus de invenções organizacionais possíveis pela autonomia de sua comunidade. (Cf. OLIVEIRA, 2006; ULLMANN, 2000).

50 Não obstante o discurso de autonomia, essas primeiras universidades se vinculavam aos ideais cristãos, tendo

por função a defesa, teórica e prática, dos valores da Igreja Católica, a partir de suas atividades de ensino. Estando em consonância com o paradigma dominante que relacionava o conhecimento racional com a fé religiosa. (Cf. LE GOFF, s/d; ULLMANN, 2000; DE BONI, 2004).

Tal autonomia didática e administrativa permitiu que illusios e habitus fundamentais ao mundo acadêmico, mas não necessariamente ajustados à razão econômica, teológica ou política, se impusessem como elementos de poder dentro das universidades. Esse é o caso da libido sciendi, que expressa o interesse pelo conhecimento que move os intelectuais, empenho aparentemente desinteressado por outros ganhos que não sejam os científicos, mas que permite consagração e domínio dentro dos muros universitários.

Apesar da efervescência cultural que caracterizou o surgimento da universidade, esta teve sua legitimidade abalada quando as cidades medievais entraram em declínio. A universidade e sua autonomia foram duramente questionadas quando as condições de produção da vida acadêmica mudaram na Europa. Quando o poder político e o econômico deixaram a “tutela eclesiástica” e passaram definitivamente a compor o Estado e o mercado Capitalista, ambos liderados pelos grupos burgueses.

A burguesia do século XVIII avaliou a universidade como uma instituição decadente e retrógrada, que se mantinha apartada das mudanças iluministas que redesenhavam o urbano europeu51. Essas duras críticas exigiram das universidades mudanças adaptativas que permitissem rearticular a vida acadêmica as novas dinâmicas criadas pela modernidade. Tais modificações seguiram dois caminhos complementares. Primeiro, na forma de interação da universidade com as demandas do Estado e do mercado capitalista, que se tornou mais constante em virtude das diversas pressões e conflitos que cortavam o tecido social. Segundo, no modo de produção do conhecimento, que ofuscou a teologia pelo saber científico.

Em um recurso puramente didático, é possível dizer que as universidades modernas apresentaram três grandes modelos como resposta às pressões reformistas. Em cada modelo a autonomia assumiu um sentido que expressa a relação da universidade com os grandes construtos modernos: o Estado Nacional, a economia de mercado e a ciência.

Da França veio o primeiro modelo acadêmico fora dos padrões da antiga universidade medieval, denominado de napoleônico, e que se pautava na defesa dos interesses do Estado Nacional, servindo para difundir o saber técnico-científico e para formar os quadros necessários à burocracia estatal52. Neste modelo, a autonomia didático- científica das universidades é negociada com o Estado, pois este financia e supervisiona as ações acadêmicas e de gestão universitária. (Cf. FELIX, 2008).

51 Duas situações exemplificam o descontentamento da Burguesia com a Universidade: Na França revolucionária

(século XVIII) a Universidade de Paris foi fechada e, posteriormente, reformada. Na Inglaterra, a Universidade de Oxford foi criticada por Oliver Cromwell (século XVII), após sua vitória na revolução puritana inglesa – acontecimento fundamental ao avanço econômico que resultaria na Revolução Industrial. (Cf. TEIXEIRA, 1968).

52 Fator decisivo para o modelo napoleônico foi a percepção positiva da interferência do Estado sobre os

processos sociais na França do século XIX. Como explica Smith (2000, p. 187), a mentalidade francesa do período se caracterizava por compreender o nacionalismo como o “baluarte da liberdade individual” e a nação – sobretudo a francesa – como a “era da fraternidade”, tendo o Estado como agente articulador das necessidades nacionais, quer fossem políticas, sociais ou econômicas.

Outro modelo de referência foi criado na Alemanha, a partir da reestruturação da Universidade de Berlim, realizada por Humboldt em 1810. Os traços marcantes dessa reforma foram à ênfase na pesquisa científica e a afirmação da cultura germânica. O forte elemento cultural buscava elevar a autoestima alemã, profundamente abalada pela derrota militar para a França, pelo entrelaçamento entre ciência e nacionalismo, pesquisa e cultura (TEIXEIRA, 1968). O fato da Alemanha, no século XIX, ainda viver um processo de unificação fez com que esta universidade apresentasse uma liberdade maior em relação ao Estado Nacional, mesmo sendo este seu mantenedor financeiro, o que a permitiu assegurar uma autonomia mais ampla para que professores e alunos pudessem organizar suas vidas acadêmicas, a partir do princípio Lernenfreiheit und Lehrenfreiheit (liberdade de ensinar e liberdade de aprender). Neste sentido, surge na Alemanha um modelo no qual o Estado financia as atividades acadêmicas, porém dentro de um quadro de ampla autonomia didático-científica53. (Cf. DEBELLE e DREZE, 1983; BERTOLIN, 2007).

No modelo alemão ou de pesquisa, a universidade é garantida pelo Estado, mas totalmente diferente da experiência francesa, o Estado não define os caminhos institucionais. Além disso, a autonomia universitária impede que os inevitáveis conflitos políticos da esfera estatal terminem por impossibilitar a função cultural e científica da universidade. Pela autonomia didática, acadêmica e administrativa, a universidade pode manter-se próxima dos valores sociais que asseguram a permanência e o crescimento da nação. Pelo exposto, o modelo prussiano, como também é conhecido, atualizou na modernidade a autonomia como doxa fundamental ao desenvolvimento das universidades.

É claro que a autonomia prussiana difere da exigida pelos intelectuais do medievo, principalmente porque toma a ciência e não a fé como leme. Contudo, esta nova autonomia, baseada na ciência e nas tensões da vida moderna, garantiu que a universidade continuasse a ditar e a desenvolver as regras do jogo acadêmico e, por isso, representa um importante movimento de refração histórica.

O terceiro modelo, denominado de anglo-saxônico, veio da Inglaterra novecentista e se diferencia dos anteriores principalmente por colocar em pauta a autonomia financeira das universidades. Esta autonomia não representa somente a liberdade de investir os recursos, como surge no modelo prussiano, mas de arrecadar fundos para além do financiamento

53 Fator importante ao modelo alemão era a visão política da Alemanha novecentista que compreendia o Estado

como algo a ser construído e preservado através do desenvolvimento da cultura. Smith (2000) exemplifica essa posição em relação ao Estado com Weber, afirmando que este possuía uma visão conservadora, mas menos hostil do que a inglesa, porquanto compreendia as nações como grupos conflitantes e portadores de valores culturais únicos que tenderiam a criar seu próprio Estado. A manutenção da nação passaria pela preservação e desenvolvimento de suas particularidades (eigenart) culturais, o que deveria ser realizado pela ação política, a única capaz de transformar as comunidades em nações.

estatal54. A capitação de recursos fora do âmbito público é possível pela oferta de serviços ou produtos acadêmicos adequados às diferentes demandas sociais e produtivas. Tal perspectiva permitiu que as universidades inglesas continuassem ofertando, para a elite, uma ampla formação humanista – a educação do gentleman – ao mesmo tempo em que criavam cursos direcionados às necessidades do capitalismo industrial. Politicamente, este modelo acadêmico se apoiou na visão liberal, segundo a qual a sociedade civil e o mercado devem ser os articuladores de seus próprios interesses, cabendo ao Estado, enquanto ente com poderes claramente limitados, cuidar dos processos organizativos fundamentais à vida em sociedade. (Cf. BERTOLIN, 2007; FELIX, 2008).

Embora tenha nascido na Inglaterra e, por isso, possua marcas de um ensino aristocrático e humanista, o modelo anglo-saxônico se desenvolveu plenamente nos Estados Unidos da América (EUA), principalmente a partir de 1820, pela articulação de três elementos: o pragmatismo da educação americana; os ideais do liberalismo político inglês e o princípio da livre pesquisa, de inspiração alemã. A interação entre esses elementos modificou principalmente a compreensão de pesquisa. Diferente do modelo alemão, o anglo- saxônico de vertente americana aproximou a investigação científica das necessidades práticas dos agentes econômicos, obscurecendo os estudos que não se enquadram neste tipo de racionalidade. (Cf. BERTOLIN, 2007; FELIX, 2008; TEIXEIRA, 1968).

O que marca o modelo anglo-saxônico, liberal e pragmatista, é a ampliação da autonomia financeira da universidade, principalmente em relação ao Estado. Contraditoriamente, incentiva a diminuição da autonomia didática e cientifica em relação ao mercado, pois o financiamento depende da capacidade da pesquisa ou do curso em atender as necessidades econômicas e não ao seu valor social ou acadêmico. O problemático da autonomia negociada com o mercado é que essa desqualifica illusios importantes ao microcosmo universitário, como a libido sciendi, o interesse desinteressado pelo saber, que permite que o conhecimento avance independente de sua função prática imediata.

O século XX apresentou diversas sínteses dos três modelos universitários construídos na modernidade que chegaram, inclusive, a desenhar novas formas de interação das universidades com as demandas sociais. Entretanto, o desenvolvimento do Estado de Bem-estar Social (Estado Providência ou welfare state), no período de 1945 a 1973, colocou em evidência os modelos franceses e prussianos, pois o financiamento e a

54 A flexibilidade e grande autonomia do modelo anglo-saxônico, do século XIX, se justifica porque, entre outros

fatores, os ingleses, diferentes dos franceses, não apresentavam neste período uma relação direta e positiva entre nação e Estado. Como explica Smith (2000, p. 189), a disposição da intelectualidade inglesa em relação ao Estado era de desconfiança, a exemplo de Lord Acton, que percebia a unidade nacional como possibilidade de negação do indivíduo e a nação como fonte de despotismo e revolução ao criar uma unidade fictícia que esmaga os direitos naturais e a liberdade individual, porque realiza apenas os desejos e as aspirações do Estado.

oferta, no todo ou em parte, da Educação Superior foram assumidas pelo Estado. Além disso, esses modelos estimulavam a coesão social e a legitimidade política do governo.

No welfare state o Estado desempenhou o papel de árbitro da contradição entre capital e trabalho, por meio de duas estratégias complementares. Primeiro, o atendimento das reivindicações trabalhistas e a garantia de acesso aos direitos sociais, como educação e assistência médica. Segundo, o incentivo ao crescimento capitalista, pelo fomento ao consumo e ao investimento privado (FIORI, 1988). Compatível com essas estratégias, o Estado incentivou o desenvolvimento das universidades para que essas pudessem atender as demandas por vagas e as necessidades formativas do mercado capitalista. A amplitude da autonomia universitária variou entre os contextos nacionais, da Europa e da América, pois dependeu da forma de interação da gerencia estatal com a comunidade acadêmica. Apesar disto, o período permitiu o exercício, em um grau relativamente elevado, da autonomia didática, científica e administrativa nas universidades.

A despeito dos avanços sociais obtidos no Estado Providencia este entrou em colapso a partir da década de 70, do século XX, em virtude do cenário econômico desfavorável, marcado por recessão, crise fiscal, inflação e desemprego. A crise estatal abalou os modelos públicos de universidade e, por consequência, o tipo de autonomia a esses vinculados, pela retirada progressiva dos investimentos e pela adoção maciça de políticas conservadoras e neoliberais.

Como explica Frigotto (1995) o welfare state foi sendo implodido pela transnacionalização do comércio e pela hegemonia do capital financeiro. Em seu lugar ergue-se um discurso neoconservador e neoliberal que anunciou o mercado como o melhor regulador das relações sociais, naturalizando as diferenças, a exploração e o desemprego. Segundo este ideário a crise de acumulação capitalista, vivida na década de 70, foi causada pela incompetência do setor público, sendo o mercado – com sua eficiência, qualidade e equidade – a única alternativa para o futuro.

Com efeito, a política neoliberal ampliou o economicismo no campo da educação. Atrelou o ensino à regulação unidimensional do mercado, realizada principalmente por mecanismos estatais. Nessa lógica, a educação deixou de ser concebida como direito. Passou a ser pensada como mercadoria cuja qualidade precisava ser regulada, com o auxílio do Estado, pelos mesmos mecanismos utilizados pela economia. Para Frigotto (1995) este processo resultou em uma filosofia utilitarista e uma concepção fragmentária do conhecimento e em um sistema de avaliação pautado nessa mesma lógica. Avaliação incapaz de propor elementos de equalização social, pois apenas atesta a brutal desigualdade no desempenho de acordo com as condições sociais e institucionais.

A política neoliberal, iniciada na década de 80 e intensificada nos anos 90, se materializou em dois sentidos contrários: de um lado o liberalismo econômico, o laissez-faire

e o Estado-mínimo, e, de outro, o governo forte, pelo aumento do controle e da regulação estatal em áreas específicas, como segurança interna, defesa e educação. Como explica Afonso (2005), esta contradição é aparente porque Estado e mercado utilizaram estratégias complementares que possuíam por horizonte o desenvolvimento do capital. Havia uma homologia de interesses. Pelas políticas neoliberais o mercado, por meio do Estado, se ampliou, nacional e internacionalmente, e impôs sua racionalidade contábil, ao mesmo tempo em que legitimou o tipo de Estado que o sustentava, conservador e capitalista, como a única opção histórica possível. Aliás, neste cenário, não há opções históricas, apenas a determinação do dinheiro que incentiva, segundo Frigotto (1995), uma melancólica zombaria da historicidade em geral e instala um pessimismo sobre a possibilidade de qualquer mudança mais sistêmica da sociedade.

A homologia de interesses entre o campo político e o econômico gerou uma coação hibrida sobre as universidades, pelo desenvolvimento de mecanismos de “quase-mercado”. O termo “quase” indica a similaridade e a discordância desses mecanismos com a racionalidade mercantil. Assim, diferente da livre concorrência exigida pelos produtores econômicos, o quase-mercado se caracteriza pela forte presença do Estado, que regula e supervisiona as instituições educativas; porém, igual aos agentes comerciais, o quase- mercado defende e divulga os valores e práticas do comércio, como a competição e o lucro,