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III. AUTOAVALIAÇÃO NA UNIVERSIDADE: CONDIÇÕES HISTÓRICAS,

2. O Estado avaliador no Brasil 138

2.2. História da Educação Superior no Brasil 142

Similar aos outros países do continente latino-americano, a Educação Superior brasileira iniciou sob a influência das ordens religiosas, em especial a Companhia de Jesus. Os cursos eram voltados à formação clássica (latim, literatura greco-romana e filosofia) e, em poucos casos, a qualificação profissional, como o de Teologia para o preparo dos membros das ordens. No entanto, como adverte Cunha (2003, p. 153): “o ensino superior brasileiro como o conhecemos hoje não descendeu, em nenhum aspecto, do enorme edifício que os jesuítas erigiram em nosso país”.

A vinda da família real para a o Brasil, em 1808, significou a refundação da Educação Superior, sob a égide do Estado e inspiração do modelo napoleônico. Contudo, apesar de transplantar um padrão acadêmico extremamente ligado à burocracia estatal moderna, o modelo efetivado no Brasil não conseguiu reproduzir todas as características acadêmicas e formativas do original francês, não se articulando as necessidades da novíssima sociedade brasileira. Essa situação reproduziu no Brasil o efeito da dependência econômica e cultural da corte portuguesa à França e à Inglaterra. Como explica Alves (2001) a modernidade iniciou tardiamente em Portugal, tanto que o iluminismo foi um fenômeno vindo de fora, por meio do apelo de intelectuais, denominados de estrangeirados, para que o país se modernizasse e buscasse padrões de desenvolvimento similares as nações europeias mais ricas e evoluídas. Como o pensamento dos estrangeirados correspondia a um produto não vinculado ao desenvolvimento material português este assumiu, muitas vezes, nuances artificialístas, o que explica o transplante para o Brasil de um modelo francês e ainda não totalmente ajustado à própria sociedade portuguesa. Nessas condições, apareceram as primeiras faculdades organizadas pela iniciativa governamental: duas escolas de medicina, as faculdades de direito, a faculdade de minas e mineralogia e a de engenharia, aliada a academia militar.

Entretanto, apesar do surgimento dessas instituições havia durante o Império a resistência à criação de uma universidade brasileira. Como explica Anísio Teixeira (1968, p. 26) “durante todo o período monárquico nada menos de 42 projetos de universidade são apresentados, desde o de José Bonifácio até o último, que é o de Rui Barbosa, e sempre o governo e parlamento os recusam”. Sem optar pela organização universitária o império criou cátedras isoladas para a formação dos profissionais em Medicina, Engenharia e Direito. Essas cátedras “eram unidades de ensino de extrema simplicidade se constituindo num professor que com seus próprios meios ensinava seus alunos em locais improvisados” (CUNHA, 2003, p. 154). Ainda no império, a união dessas cátedras gerou as primeiras faculdades, academias e escolas de Educação Superior no Brasil. No entanto, a oferta

manteve-se bastante limitada e seu aspecto público pouco acentuado porque essas instituições respondiam aos interesses de grupos particulares – brasileiros e portugueses – e pouco se articulavam a cultura e as necessidades da nação.

O final da monarquia e o início do período republicano não significaram, como nos informa Anísio Teixeira (1960), o estabelecimento de uma ordem democrática no Brasil, com o caráter público do Estado moderno, pois manteve a tendência privatista do império. Privatista porque continuou a colocar as necessidades das classes oligárquicas acima dos interesses nacionais e, assim fazendo, manteve subtraído o caráter "público" do Estado e das leis, que apenas eram lembradas quando traziam benefícios ou permitiam a perseguição aos que não possuíam “valia social”. De tal modo, na República, “o coronelismo sucedera às clãs aristocráticas e o país continuava de modo geral sujeito a oligarquias estaduais e municipais, com o poder das classes dominantes opondo-se ainda ao império puro e simples da lei”. (TEIXEIRA, 1989, p.9).

Nesse contexto de pouco espírito público é que a República Velha precisou administrar os conflitos em torno da Educação Superior, em especial a admissão de alunos e as exigências para a criação de Instituições de Educação Superior, vindas dos novos grupos urbanos, desejosos de maior prestígio e participação social. As querelas sobre as novas vagas e sua forma de preenchimento se expressaram na legislação republicana como movimentos de expansão e de contração.

A Reforma de 1891 facilitou as condições de acesso às instituições públicas e permitiu que faculdades estaduais e particulares pudessem, sob a fiscalização do governo, outorgar diplomas, criando a primeira expansão da Educação Superior brasileira. Contudo, conforme se multiplicavam as faculdades também cresciam os movimentos de contestação a esse processo. Os críticos temiam que a expansão baixasse a qualidade do ensino e sua validade como estratégia de acesso e manutenção de privilégios sociais e, por isso, exigiam novas reformas. Em resposta às críticas surgiu o Decreto 8.659 de 1911 que regulamentou a Reforma Rivadávia Corrêa. Nesta, as instituições públicas de Educação Superior passaram a ser consideradas corporações autônomas, sendo a autonomia ampliada conforme a IES conseguissem arcar com suas despesas por meio da cobrança de taxas, o que incluía a taxa do exame de admissão. Aliás, o exame voltou a existir porque foi cancelado o privilégio dos concluintes dos ginásios de se escreverem em cursos superiores sem a realização de provas. Como a fiscalização pública estava atrelada ao financiamento, as instituições particulares deixaram de ser controladas, incentivando a expansão dessas faculdades. As criticas continuaram porque as medidas não trouxeram mudanças significativas ao processo e incentivaram ainda mais a expansão das faculdades. A pressão dos grupos insatisfeitos desencadeou a Reforma Carlos Maximiliano em 1915, que regulou o acesso à Educação Superior pela exigência de certificado de conclusão das matérias do

curso ginasial e pela aprovação nas provas de admissão, rebatizadas de exames vestibulares. Ainda no sentido de regular a matrícula na Educação Superior, o Decreto 16. 782-A de 1925, de Rocha Vaz, introduziu o critério numerus clausus que fixava o número de vagas disponíveis por ano. Por este critério teriam direito a matrícula apenas os estudantes que apresentassem uma colocação compatível ao número de vagas, os demais não seriam classificados, precisando se submeter novamente aos exames no ano seguinte. Assim, desde o inicio do século XX o acesso à Educação Superior e a quantidade de vagas já se mostravam como questões recorrentes no cenário brasileiro e na agenda de debate entre Estado e sociedade. (CUNHA, 2003).

Como a República trouxe poucas mudanças à Educação Superior, a forma de expansão deste nível de ensino continuou a ser a mesma utilizada no império, ou seja, a multiplicação de faculdades isoladas. Apenas com a substituição da base econômica brasileira, de agrária à industrial, é que a universidade passou a ser uma ideia mais aceita dentro do país, uma vez que a industrialização criou funções nas quais a educação científica e técnica eram indispensáveis. (ROMANELLI, 1996).

Entretanto, fundar a universidade brasileira foi um processo conturbado e intermitente. As primeiras experiências foram temporárias e demonstraram que a consolidação da universidade não era uma tarefa fácil. A primeira instituição autodenominada de universidade apareceu em Manaus em 1909, promovida por grupos privados e alavancada pela prosperidade da exportação da borracha, mas o declínio da economia gomífera significou também o término dessa instituição. Outras experiências da iniciativa privada floresceram e pereceram entre 1911 e 1920, evidenciando a dificuldade de consolidação, no Brasil, de instituições universitárias sem o aporte financeiro do Estado.

Somente no final da República velha é que surgem as primeiras tentativas de criação de universidades públicas, pela união de faculdades isoladas já existentes, o que demonstra que não houve efetivamente uma ruptura com as ações anteriormente desenvolvidas, pois a nova instituição nasceu pela justaposição de antigas, o que significou incorporar e unir culturas institucionais, habitus e illusios, não necessariamente ajustadas sobre uma mesma denominação.

Nesta linha, em 1920, ocorreu a união de três escolas superiores no Rio de Janeiro, para fundar a universidade no então Distrito Federal. A união das faculdades demorou 17 anos para se consolidar e, por isso, apenas em 1937 é que efetivamente surge a Universidade do Distrito Federal. Como nos ensina Cunha (2003) a forma de criação e a falta de condições práticas de autonomia tornaram essa universidade pioneira uma instituição muito frágil e internamente desarticulada durante seus primeiros anos de existência. Apesar disso, o procedimento utilizado para sua constituição foi paradigmático

para as que vieram depois, ou seja, a maioria das universidades posteriores nasceu da união de faculdades profissionais preexistentes.

Segundo Anísio Teixeira (1968, p. 50) o ensino ministrado nas IES, no final da República Velha, era enciclopédico, baseado em um extenso currículo, sem qualquer especialização, o que trazia subtendido que o aluno iria mesmo se “formar pela prática e depois de deixar a escola”. Os professores se limitavam a dar aulas e eram de tempo parcial, já os alunos, a maioria de famílias ricas, eram “de tempo integral”, dividindo seus horários entre as aulas, a biblioteca, os jogos e as festas, “com acentuado sentido de lazer e traços de boêmia”.

Esta educação descontextualizada das necessidades do Brasil e ministrada em estabelecimentos raros e precários foi duramente criticada após 1930. Os pedidos de reforma foram feitos tanto por atores internos quanto externos à academia, uma vez que a pressão pela Educação Superior, considerado fonte de status social, se intensificou.

Internamente, a comunidade acadêmica, em especial os alunos, tardiamente inspirada no movimento de Córdoba, exigia uma reformulação que garantisse a inserção da universidade em solo brasileiro, transformando essa instituição em um espaço não apenas de transmissão, mas também de elaboração de uma cultura nacional, isto aos moldes do modelo alemão de universidade. Além disso, para os críticos da época a academia deveria ser um espaço de ampliação dos ideais e práticas democráticas, se colocando contra a tradição autoritária e oligárquica do fazer político no Brasil. Queriam esses críticos ainda que a universidade deixasse de se concentrar apenas no ensino, fazendo da pesquisa sua principal atividade. (TEIXEIRA, 1968; ROMANELLI, 1996).

Mas o isolamento das faculdades fez com esses “ares de mudanças” não fossem homogêneos, gerando diferenciações entre elas. Por exemplo, enquanto a medicina passou a buscar o tratamento de doenças de grande ocorrência nacional, as engenharias se centravam ainda mais no estudo da tecnologia vinda do exterior, mantendo o transplante de modelos acadêmicos. (TEIXEIRA, 1989).

Em relação aos atores externos, os stakeholders, a crítica destes recaia sobre o reduzido número de vagas das IES. A reivindicação de mais vagas vinha principalmente da pequena, mas expressiva, classe média urbana que começava a se delinear no Brasil. Isto ocorria porque este tipo de educação fornecia prestígio social e permitia, por exemplo, aspirar a cargos públicos.

Essa pressão, de atores internos e externos as IES, levou o Governo Provisório de 1930, a assumir a tarefa de renovar a Educação Superior. Tentando atender a objetivos conflitantes, de qualidade de ensino e quantidade de vagas, elaborou-se o Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, promulgado por Francisco Campos, que havia assumido o recém criado Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930. (ROMANELLI, 1996).

Neste decreto, se previa a organização deste nível de ensino a partir do regime universitário. Administrativamente a universidade deveria apresentar: Reitoria, Conselho Universitário, Assembleia Universitária e a Direção de cada escola. Os cursos passaram a ter quatro modalidades: graduação, equiparados, aperfeiçoamento e especialização. O decreto criou ainda a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Essa nova faculdade tinha por função interligar as demais escolas profissionais, pois passaria a incumbir-se do ensino básico ou propedêutico de todos os alunos, ficando as escolas profissionais apenas com a formação específica. (ROMANELLI, 1996)

Mas a desarticulação interna da universidade brasileira, aliada a outras condicionantes políticas externas ao campo científico-educacional, acabou isolando também a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a diminuindo ao papel de uma escola normal superior, na qual se formava o professor secundário. Neste modelo, essas faculdades se multiplicaram pela nação. (ROMANELLI, 1996; FÁVERO, 2000).

Assim, por vários fatores, a reforma não conseguiu realizar os objetivos formativos que proclamava, entre essas condicionantes se encontra a própria resistência das faculdades, que apesar de agregadas sob o título de universidades permaneciam em uma posição de defesa dentro dos limites da própria escola de origem. Outro fator importante foi o incentivo estatal ao desenvolvimento do setor particular, resultando em um modelo de expansão que manteve a tendência privatista das reformas anteriores. Segundo Anísio Teixeira (1968, p.15) esse período evidencia a ausência de um Estado realmente preocupado com a qualidade da educação, pois: “tudo mais passou a ser criado como uma sangria desatada, que, de repente, nos tornasse capazes de contar com quadros de magistério secundário e superior de tal modo numerosos que deixariam boquiaberto qualquer cidadão brasileiro da década de 20”.

Importante destacar que a partir de 1931 a atuação do Governo Federal seguiu um caminho cada vez mais legalista e centralizador em relação às nascentes universidades, uma vez que buscava legislar essas instituições a tal ponto que a autonomia era mais simbólica do que real, como relembra Anísio Teixeira (1968, p. 25): “celebramos uma carta de autonomia tanto mais divertida quanto por ela o professor continuava funcionário do Estado, por ele nomeado e por ele mantido, e o seu orçamento ao mais extremo detalhe fixado pelo executivo e legislativo do Estado”.

Com o fim da era Vargas e o “retorno da democracia”, as exigências de reforma voltaram a ocorrer, sendo alardeadas tanto pelos membros internos à universidade, desejosos ainda de profundas mudanças estruturais, quanto pelos setores sociais externos, que continuavam demandando a ampliação de vagas.

Especificamente sobre as pressões por vagas, estas aumentaram a partir de 1950 em virtude de questões educativas, políticas e econômicas. Do ponto de vista político, o

populismo, utilizado como instrumento de dominação das massas pelos governos de 50 e 60, intensificou a pressão popular sobre a esfera estatal. Na economia, a mudança no padrão de acumulação nacional, baseado na industrialização pesada guiada pelo Estado e pelo capital estrangeiro, consolidou o parque industrial brasileiro e criou novas exigências formativas. Na educação, as demandas aumentaram em virtude da expansão da escola secundária e da equiparação da educação profissional de nível médio com os cursos propedêuticos, o que garantiu aos alunos dos cursos profissionais a possibilidade de participarem dos exames vestibulares (direito anteriormente negado pela estrutura dual que regia o ensino médio e permitia que apenas os alunos do propedêutico pudessem se candidatar às vagas da Educação Superior).

A pressão por vagas foi respondida com uma nova expansão do sistema. Contudo essa expansão se diferenciou das anteriores pela forma que assumiu: baseada na criação de faculdades e universidades públicas. A fundação dessas novas instituições apresentou três estratégias. Primeiro, a abertura de faculdades públicas nos estados que não possuíam nenhuma faculdade ou que apenas contassem com IES privadas. Segundo, a gratuidade do ensino pela ausência de cobrança de taxas nas instituições públicas, mesmo que a legislação ainda as permitisse. E, por fim, a federalização de faculdades estaduais e privadas para a composição de universidades federais o que resultou, como explica Cunha (2003), na criação da maior parte das Ifes hoje existentes no país.

A criação de universidades públicas foi duramente criticada pelos setores privados e pelos grupos de oposição política que defendiam a expansão de vagas dentro das instituições já existentes e não pelo aumento no número de instituições, porque essas federalizações trariam, segundo esses grupos, maiores custos ao Estado e a sociedade. (CUNHA, 2003). De outro modo, para Anísio Teixeira o problema não era a criação das universidades, mas o processo de federalização que levou investimentos públicos para faculdades privadas, ao invés da criação de instituições públicas totalmente novas.

Além da expansão quantitativa das universidades, as décadas de 50 e 60 trouxeram à tona as criticas sobre a qualidade da educação. Essas críticas iniciaram uma reflexão coletiva dentro da comunidade acadêmica sobre o tipo de reforma necessária ao sistema de Educação Superior, enfatizando principalmente o compromisso social da universidade. A influência do movimento de Córdoba se fez novamente sentir nas propostas realizadas nos Seminários Nacionais de Reforma Universitária, realizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1961, 1962 e 1963.

Nesse contexto, formas organizativas inovadoras e audaciosas foram incentivadas pelos agentes do ainda nascente campo científico-educacional brasileiro, como foi o caso da Universidade de Brasília (UnB), fundada na nova capital do país. Diferente das anteriores, a UnB não foi o resultado da justaposição de faculdades isoladas, mas de um projeto

orientado a fundar uma universidade capaz de integrar e articular as diferentes áreas do conhecimento. Defendiam Teixeira e Ribeiro (1960, p. 311) que “apenas uma universidade nova, totalmente planejada para novos fins, com bases mais flexíveis, pode liderar o caminho para novas perspectivas do ensino superior no Brasil”. Além disso, a Unb foi criada sob o regime fundacional na esperança que pudesse se livrar das amarras do poder do Estado, sem contudo, perder a característica de entidade pública e assim ser capaz de interagir e dinamizar a nova capital. (CUNHA, 2003).

Todavia, com o golpe de 1964, esse debate foi ignorado fornecendo o governo federal, novamente por conta própria, os objetivos à atuação das universidades. A reforma proposta pelos militares se pautava nas estratégias elaboradas pelo Mec, a partir de consultoria norte-americana, ratificada em 1965 e 1967 pelos acordos Mec/Usaid e em 1966 pelo Plano Atcon. (ROMANELLI, 1996).

A nova reforma da Educação Superior refletiu o entusiasmo político com o modelo de desenvolvimento capitalista vivido no período, que estava “sob o comando do Estado, caracterizado pela liderança das indústrias metal-mecânicas” (CARVALHO, 1995, p. 25). O crescimento econômico propiciado pela parceria Estado e indústria sustentou a ideologia do “milagre brasileiro” durante a ditadura militar e o transplante de modelos formativos dos países de capitalismo avançado, como os Estados Unidos da América.

Neste contexto, em 1968, a Lei 5.540 regularizou a Reforma da Educação Superior, tendo por base a educação norte-americana, pela adoção de princípios gerenciais, como a racionalização, eficiência, eficácia e produtividade, equiparando o ensino à produção de uma mercadoria, onde se incluí custos e benefícios. Como analisa Fonseca (2010) o vinculo educação-economia, visível desde o governo de Kubitschek, se sustentou na teoria do capital humano e no enfoque da mão de obra (man-power-approach), segundo os quais a educação deve produzir competências técnicas para o emprego e assim auxiliar no desenvolvimento econômico do país.

O período militar se expressou como uma modernização autoritária que possuiu efeitos contraditórios na prática das IES, em especial nas universidades públicas. Para Cunha (2003) essa contradição se refere ao caráter autoritário da reforma e a consequente diminuição da autonomia universitária, e os efeitos qualitativos no cotidiano acadêmico que permitiram que, ao final do período militar, a pós-graduação se consolidasse no Brasil, ampliando a autonomia universitária e transformando as IES brasileiras, sobretudo as Ifes, em instituições caracterizadas pela tríade pesquisa, ensino e extensão.

Contudo, ao olharmos pela teoria dos campos o desenvolvimento do período, se pode perceber que as mudanças positivas não foram produzidas pelos militares, mas pela capacidade do jovem campo científico-educacional brasileiro de crescer dentro de um contexto coercitivo. As mudanças administrativas e acadêmicas impostas pelas reformas

permitiram movimentos de absorção, refração e recriação coletivas fundamentais a consolidação de um cotidiano realmente universitário no Brasil.

A prática da pós-graduação, por meio das redes nacionais e internacionais de colaboração, permitiu que os pesquisadores brasileiros ampliassem seu capital cientifico e pudessem consolidar estratégias de autonomia. “Para isso, foi indispensável o intercâmbio com instituições universitárias da Europa e dos EUA, mediante a estada nelas de brasileiros em programas de doutoramento e estágio, assim como a vinda de professores visitantes”. (CUNHA, 2003, p. 184). Assim, é preciso considerar que o relacionamento interinstitucional não foi negativo, pois auxiliou na ampliação da capacidade expressiva das IES. Na verdade, essa situação revela que uma cooperação horizontal, na qual exista uma agenda nacional e internacional compartilhada, principalmente criando redes de solidariedade entre as universidades, é fundamental para que estas possam construir coletivamente novos habitus acadêmicos, mais adequados aos desafios das sociedades contemporâneas. (Cf. ARAGON, 2001; SANDER, 1995).

Além disso, a modernização autoritária permitiu ainda a crítica coletiva dos agentes sobre a relação entre poder e educação, em especial na área de humanas, incentivando o estudo e a constituição de linhas de pesquisa críticas, assentadas inicialmente em autores crítico-reprodutivistas e, posteriormente, nos históricos-críticos, permitindo a superação de uma postura ingênua que acreditava que a educação poderia realizar sozinha a transformação da realidade.

No que se refere à pressão das classes médias por mais vagas na Educação Superior, esta foi respondida pelos militares com o incentivo a expansão do sistema, a maior em termos absolutos até aquele momento, o que transformou a década de 70 em ponto de