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História da avaliação educacional: as apropriações da herança avaliativa 109

III. AUTOAVALIAÇÃO NA UNIVERSIDADE: CONDIÇÕES HISTÓRICAS,

1.   Avaliação, Universidade e sociedade 105

1.2.   História da avaliação educacional: as apropriações da herança avaliativa 109

No último terço do século XIX, com a modernização das cidades, a avaliação passou a ser utilizada pela economia como estratégia racional para a seleção dos funcionários. Nesse processo de industrialização e modernização46 acelerada, a escola pública de massa se consolidou e surgiu como o principal lócus de desenvolvimento das práticas avaliativas, apoiadas nos discursos mercantis de eficiência, produtividade, neutralidade e mensuração. Como explica Casanova (1998, p. 66), em sua etapa inicial a avaliação escolar não surgiu pensada a partir das necessidades da educação, mas influenciada pelas práticas empresariais e “por eso, al igual que los empresarios miden cuantitativamente los resultados

de su producción, en el campo educativo se pretendió medir el progreso del alumno cuantificando lo aprendido”.

No século XX, embora a perspectiva técnica tenha assumido cada vez mais centralidade nos processos avaliativos em larga escala, esta também recebeu inúmeras críticas. Essa situação permitiu o aparecimento de novas propostas avaliativas, fundadas na compreensão da autonomia e dos compromissos das instituições de educação com os valores sociais e não apenas com os interesses econômicos. Tal percurso de constituição de divergências sobre o sentido da avaliação educacional, que marca o século XX, pode ser

46 O termo “modernização” diz respeito, segundo Brito (2001, p.17), ao “processo de transformação que envolveu

profundamente a sociedade nos últimos três séculos”, propiciando uma nova organização social, econômica, política e produtiva, que se materializou, dentre outras formas, na ampliação do espaço urbano; na industrialização acelerada; na consolidação do trabalho assalariado e de novas relações sociais de produção, pautadas na base técnica utilizada para a produção em larga escala.

apreendido e analisado, como propõe Dias Sobrinho (2002; 2003), em quatro fases distintas: psicometria, edumetria, profissionalização e neoliberalista.

No período psicométrico – final do século XIX até, mais ou menos, 1930 – a avaliação se caracterizava pela predominância dos testes padronizados que objetivavam medir o desempenho e a inteligência individual, daí o prefixo psico que desvela ainda a predominância teórica da psicologia comportamental nascente. Segundo Correia (s/d) se destacam neste período os trabalhos de Francis Galton e Alfred Binet que desenvolveram as bases para elaboração dos testes de medição de QI (coeficiente de inteligência). No campo educacional, dois aspectos da perspectiva psicométrica foram amplamente difundidos: os instrumentos escritos de medição da aprendizagem, os testes, e a avaliação normativa, realizada pela comparação da performance individual com o desempenho médio do grupo avaliado, o que permitiu às escolas tanto estabelecer a hierarquia entre alunos mais e menos inteligentes quanto difundir a eficiência e a competição como valor social.

Após 1930, a avaliação ampliou seu campo de abrangência passando a ser utilizada, nos EUA e Europa, para medir a eficiência dos programas educativos e sociais ofertados, sobretudo, pelos serviços públicos. É nesta segunda fase, denominada de edumetria, que a avaliação realmente se encontra com a Educação, porque os objetivos educacionais passam a ser um elemento fundamental dos processos avaliativos, voltados ao currículo e ao desenvolvimento das instituições educativas. A psicologia comportamental ainda se apresenta como a principal fonte de contribuição teórica, respondendo pelo desenvolvimento dos instrumentos de medida – testes e escalas. (Cf. DIAS SOBRINHO, 2002; 2003).

O destaque desde segundo período são os trabalhos de Ralph Tyler que vinculou as práticas avaliativas às revisões curriculares e aos processos de ensino-aprendizagem. Este teórico criticou a avaliação normativa e em seu lugar propôs a avaliação criterial, realizada pela comparação do desempenho dos alunos com critérios previamente estabelecidos, os objetivos de ensino. Segundo Correia (s/d, p. 19), Tyler considerava a educação como um processo de produção de mudanças nos alunos e, por isso, era necessário determinar com o máximo de rigor se o ensino estava produzindo, de fato, as mudanças esperadas, e esta função deveria ser assumida pelos processos avaliativos.

Diferente da avaliação normativa, que buscava medir o que os alunos aprenderam, a avaliação criterial buscava aferir o quanto os estudantes eram capazes de cumprir, ao final de um processo de ensino, os objetivos previstos, ou melhor, o quanto conseguiam demonstrar terem aprendido os conteúdos que se esperava que aprendessem. (STUFFLEBEAM; SHINKFIELD, 1995). Nesta modalidade, os efeitos da avaliação se ampliaram e chegaram, inclusive, na dinâmica do dia-a-dia da sala de aula, porque, segundo esta concepção de gerencia educativa, a análise da performance do aluno

permitiria acompanhar o desempenho docente, desvelando o quanto os professores ensinaram os conteúdos que deveriam ensinar. (Cf. AFONSO, 2001).

Como explica Dias Sobrinho (2003, p. 19) a pedagogia por objetivos de Tyler se desenvolveu claramente de acordo com o paradigma da racionalização científica e, por isso, compromissada com a ideologia utilitarista tão peculiar à indústria. Assim, as noções de eficiência, competição e mérito continuaram caracterizando as práticas educativas, aproximando cada vez mais a escola da gerencia empresarial.

Não obstante a diferença entre a psicometria e a edumetria, estas apresentaram imensas similaridades teórico-metodológicas, como a perspectiva positivista e quantitativa. Por esta similaridade é possível inferir que a avaliação, nos dois períodos, se apresentava como uma tecnologia de controle dos resultados alcançados, individualmente ou pela instituição, e uma estratégia de imposição de critérios externos, no caso a visão economicista e positivista da sociedade industrial da época, aos agentes do campo educativo. Dessa forma, embora Tyler, em 1934, tenha cunhado a expressão “avaliação educacional”, as práticas avaliativas em andamento não se pautavam na reflexão pedagógica, se constituindo mais em uma “avaliação da educação”, em um olhar que supervisionava e cobrava demonstrações de eficiência e produtividade. (Cf. DIAS SOBRINHO, 2002; 2003).

Um cenário mais autônomo para o pensamento avaliativo só irá se delinear nos meados do século XX, quando o campo científico-educacional começa a propor práticas avaliativas centradas nas necessidades educativas e nos valores de participação da comunidade escolar. Tais produções irão, efetivamente, fundar o campo temático em avaliação educacional, inaugurando um debate avaliativo baseado na ética e nos compromissos com o desenvolvimento social e humano.

Nesse quadro, emergiu uma nova perspectiva avaliativa, mais próxima da área educacional e sustentada na epistemologia das Ciências Humanas, desvelando os limites dos processos de mensuração e controle, até então considerados como sinônimos de avaliação. Contrapondo a visão quantitativa surgem propostas qualitativas e o foco da avaliação passa a ser o processo ensino-aprendizagem e seus fatores constituintes, como as diferenças culturais, sociais e econômicas dos alunos. (Cf. DIAS SOBRINHO, 2003).

O contexto político mundial auxiliou na aproximação entre as práticas avaliativas e as discussões sociais e pedagógicas, pois as décadas de 60 e 70 marcaram um período de crítica à exclusão das camadas pobres e marginalizadas ao pleno exercício do direito à Educação, sobretudo nos Estados Unidos da América (EUA), onde o movimento dos Direitos Civis desempenhou um importante papel ao denunciar a péssima qualidade da educação pública destinada aos negros, conseguindo que o Estado americano, após 1965, torna-se obrigatória a avaliação de todos os programas sociais e educativos. A

obrigatoriedade motivou a profissionalização da avaliação nos EUA e a aproximação desta de metodologias que permitissem apreender o sentido das reivindicações realizadas pelas camadas populares. (Cf. DIAS SOBRINHO, 2002 e STUFFLEBEAM; SHINKFIELD, 1995).

Assim, de 1960 a 1980, aproximadamente, a avaliação viveu o período denominado de profissionalização, tornando-se mais complexa e multirreferencial, ao surgir como objeto de pesquisa entre profissionais de várias disciplinas científicas e não mais apenas entre os psicólogos. A ampla produção escrita e os novos debates sobre a forma, tipo, objetivos e métodos em avaliação foram divulgados por meio das nascentes revistas especializadas na temática; dos cursos de formação para avaliadores; das organizações profissionais; dos eventos e seminários. Esses intensos debates terminaram por colocar a própria avaliação como objeto de reflexão, surgindo a meta-avaliação, pautada nos questionamentos sobre os critérios avaliativos. (Cf. STUFFLEBEAM; SHINKFIELD, 1995).

As criticas a avaliação criterial versavam sobre a arbitrariedade e o autoritarismo de se universalizar os objetivos de ensino, esquecendo que a sociedade comporta múltiplos contextos culturais, sociais e educativos. Além disso, ao se estabelecer externamente os critérios de avaliação, se nega a comunidade educativa, professores e alunos, seu direito a criatividade e a autogestão. (DIAS SOBRINHO, 2002; 2003).

As análises sobre os limites e falácias da avaliação gerencial desvelaram novos ângulos para a temática avaliativa, aprofundados por diferentes teóricos do período, como Scriven, Stufflebeam, Stake e MacDonald, que evidenciaram o sentido ético e político das práticas avaliativas.

Scriven tratou a decisão como um elemento fundamental aos processos avaliativos compromissados com a melhoria das práticas pedagógicas e administrativas, criando a famosa distinção entre avaliação somativa, realizada ao final de um percurso para aferir seu resultado, como a proposta por Tyler, e a formativa, que se realiza ao longo do processo e utiliza as informações avaliativas para a tomada de decisão. Sendo limitada ao aspecto somativo, como ocorre na perspectiva criterial, a avaliação é estática e finalista, se interessando pelos resultados e produtos de um processo que controla de fora e, por isso, que supervisiona. Quando formativa, a avaliação assume um caráter dinâmico e solidário ao processo de ensino-aprendizagem como um todo, atribuindo valor não apenas aos resultados, mas a todas as etapas da dinâmica educativa. Enquanto mecanismo de introdução constante de mudanças, a avaliação surge como parte indissociável do processo educativo e como prática valorativa sobre o real, pois é por meio de um julgamento de valor que os avaliadores decidem quando e como introduzir mudanças no processo de ensino. Por isso, para Dias Sobrinho (2003, p. 24): “o valor dota a avaliação de uma função ativa. Ela não se restringe a somente descrever os resultados obtidos, mas também passa a

avaliar as entradas, os contextos ou circunstâncias diversas, os processos, as condições de produção e os elementos finais”.

Stufflebeam ampliou a vinculação entre avaliar e decidir, propondo uma metodologia para o levantamento de informações úteis à comunidade escolar, conhecida pela sigla CIPP (context, input, process, product). Pela CIPP a avaliação se desdobrou em 4 fases, sendo cada uma responsável por uma tarefa específica: a de contexto estabelece as necessidades, a de insumos os métodos e recursos disponíveis, a de processo detecta os problemas e a de produto afere os resultados obtidos. Nesta metodologia, avaliar é muito mais do que realizar testes ou determinar se os objetivos foram alcançados. Avaliar é um processo de identificar, recolher e apresentar informações relevantes sobre o valor e o mérito das metas, dos planos, dos percursos e dos impactos do objeto avaliado, permitindo aos avaliadores três ações fundamentais: compreender os fenômenos envolvidos, decidir sobre as mudanças necessárias e prestar contas à comunidade.

Stake e MacDonald também trataram do vínculo avaliar e decidir, evidenciando que o poder de decisão não pode estar limitado aos gabinetes dos administradores educacionais, pois a avaliação, em uma perspectiva realmente educativa, necessita do envolvimento de toda comunidade escolar, sendo pautada na participação democrática e na negociação constante entre os grupos afetados pelo processo avaliativo. A negociação é fundamental porque os grupos possuem expectativas e interesses distintos ou até divergentes.

Não obstante os inegáveis avanços no debate sobre as questões avaliativas, a fase da profissionalização, que vai até a década de 80, do século XX, não abandonou totalmente a herança tecnoburocratica e nem sua orientação positivista, pois continuou apoiada nas noções de objetividade e produção. Como explica Dias Sobrinho (2003, p.25), “embora incorpore as dimensões do julgamento de valor e se realize formativamente, essa avaliação, ligada ao conceito de escola eficaz e de pedagogia por objetivos, continua a tradição positivista da avaliação educacional”.

A permanência do positivismo, como base das propostas avaliativas das décadas de 60 e 70 se explica, entre outros fatores, pelas relações dos avaliadores com as políticas estatais, ainda orientadas, na Europa e EUA, sob a bandeira do Estado de Bem-estar social, que demandavam uma avaliação muito mais contábil do que pedagógica, pois era necessário analisar o mérito dos investimentos aplicados nas áreas sociais. Como os financiamentos estatais eram volumosos, cabia a avaliação iluminar as decisões de onde e como investir nos programas educativos, evitando desperdícios e ampliando as possibilidades de retorno das aplicações realizadas. (Cf. FARIA, 2005).

A aproximação da avaliação educacional com o financiamento público auxilia a compreender porque, embora a avaliação estivesse ampliando seu campo temático, a perspectiva gerencial e contábil continuasse orientando as práticas de avaliação, tanto nos

países hegemônicos quanto nos subdesenvolvidos, que não viviam o welfare state mas eram assessorados por organismos internacionais vinculados aos países de capitalismo avançado, em especial os EUA47. No caso da America Latina, por exemplo, a avaliação burocrática compõe, junto com o planejamento social e o pensamento desenvolvimentista, o receituário que foi transplantado na década de 70 para este continente. (SANDER, 1995).

Apesar disto, o período da profissionalização já deixa perceber o delineamento e o conflito entre duas perspectivas diferenciadas de avaliação, uma mais produtiva e outra mais pedagógica. Inicialmente, essas diferenças se estabeleceram no campo epistemológico, dividindo os pesquisadores em positivistas e naturalistas, ou em partidários das ciências duras e brandas. (DIAS SOBRINHO, 2003).

O quarto período, o neoliberalista, que compreende as décadas de 80 e 90 do século XX e a primeira década do século XXI, tornou claro que as divergências entre os pesquisadores em avaliação extrapolavam as questões científicas, caminhando para visões de mundo e de educação conflitantes. Os conflitos passaram a ter como pano de fundo não apenas as questões puramente axiológicas, mas também as querelas políticas e sociais, em especial as divergências sobre o sentido da relação Estado, mercado e sociedade.

As questões políticas se destacaram no período neoliberal em decorrência da crise financeira e de legitimidade que abalou, na década de 80 do século XX, os diversos modelos de Estado – liberais; socialistas e subdesenvolvidos. Um dos resultados dessa crise foi, entre outros, a profunda diminuição dos investimentos nas áreas sociais, como a Educação, consideradas pela visão neoliberalista como gastos exagerados e de baixo retorno ao crescimento econômico, em virtude da gestão dispendiosa e incompetente das instituições estatais, sobretudo, no caso da Educação, das universidades públicas, acusadas de ignorar as reais necessidades das economias nacionais e do mercado mundial.

A mudança de postura em relação às políticas públicas, que deixaram de ser pensadas como investimentos e passaram a ser vistas como gastos, expressa, em grande parte, a substituição do modelo de Estado Provedor ou do Bem-Estar Social pelo Neoliberalista. Nessa mudança de modelo, a avaliação educacional deixou de ser instrumento de análise dos investimentos públicos em Educação para se transformar em estratégia de medida e controle do mercado educacional, se compatibilizando ao novo papel do Estado, que deixou de ser o principal agente de oferta em Educação, tornando-se o supervisor da qualidade dos serviços educacionais disponibilizados pelos diferentes agentes

47 No caso do Brasil a avaliação gerencial pode ser percebida quando se observa o conteúdo dos acordos MEC-

Usaid, da década de 60, pois neste a avaliação surge atrelada as idéias de racionalidade e eficiência. Segundo Kuenzer (1982) a educação brasileira dos anos 60 foi marcada pela importação de modelos de ensino, em especial os baseados na teoria dos sistemas. Um dos conceitos fundamentais derivados dessa abordagem é o de objetivos expressos em termos operacionais, pois estes apresentariam possibilidades de avaliação e realimentação com vistas à eficiência.

– públicos e privados. A mudança de função do Estado, de provedor à supervisor, marca a radicalização do discurso da eficiência sobre as instituições educativas, aproximando profundamente a racionalidade tecnoburocrática das políticas avaliativas, que passaram a tomar como base as habilidades e competências necessárias ao desenvolvimento da nova etapa capitalista – flexível, internacionalizada e excludente. (Cf. AFONSO, 2001; 2005).

A década de 90, do século XX, e os primeiros anos do novo século se caracterizaram pelo acirramento das pressões avaliativas sobre as instituições de educação, com destaque para as universidades, pois as políticas avaliativas se constituíram em mecanismo de regulação e supervisão externa (do Estado) aos “produtos” do campo educativo, seus cursos, conteúdos, etc. O processo de inclusão da racionalidade econômica no campo educacional via políticas de regulação, gerou e continua gerando processos conflituosos e tensos de negociação entre os educadores e os agentes estatais e mercantis, como veremos mais detalhadamente nos próximos tópicos.

Importa destacar que, a partir do período neoliberal, é possível observar o delineamento de duas grandes matrizes de avaliação, pautadas em perspectivas políticas e sociais antagônicas, pois uma representa o acúmulo da perspectiva tecnoburocrática em educação e a outra do pensamento educativo voltado às práticas avaliativas. No primeiro caso, a herança gerencial se volta para os processos formativos, tendo por objetivo ajustar o ensino aos princípios de racionalização econômica; no segundo, são os agentes do campo científico-educacional, em particular os Cientistas da Educação, que se voltam aos processos avaliativos, buscando ajustá-los às especificidades e aos compromissos da educação contemporânea.

A concordância sobre a existência dessas duas grandes orientações pode ser facilmente constatada por uma rápida pesquisa em autores nacionais, como Belloni (1989) e Grego (1998), ou em teses sobre o tema, como em Queiroz (2008). No mesmo sentido, Dias Sobrinho (2003) demonstra a possibilidade desta simplificação ao listar as diferentes classificações propostas por renomados pesquisadores em avaliação, como Guba e Lincoln, que dividem as práticas avaliativas em racionalistas e naturalistas e MacDonald que sugere a classificação em técnico-burocráticas e participativas. (Cf. DIAS SOBRINHO, 2003).

Afonso (2001) informa a existência desses dois sentidos ao analisar a diferenciação sugerida por R. Bates entre managerial evaluation e educational evaluation, mas pondera sobre a dificuldade de interpretar a literatura avaliativa a partir de uma classificação dualista, uma vez que a teoria da avaliação encontra-se ainda muito incipiente, se concentrando mais na discussão metodológica e pouco na análise das modalidades avaliativas. Apesar de concordamos que toda simplificação é perigosa, o que é importante destacar é a recorrência do recurso analítico a duas grandes vertentes entre os teóricos da avaliação.

A partir da teoria dos campos, podemos inferir que as duas grandes perspectivas em avaliação representam o resultado dos embates entre a herança avaliativa moderna, que chega às escolas e universidades, e as estratégias de ajustes realizadas pelos agentes do campo científico-educacional, em especial nos últimos 30 anos.

De um lado, temos a visão gerencial ou tecnocrática que se caracteriza por acatar a herança avaliativa instrumental e mercantil exigida pelo Estado e pela economia capitalista, representando a subordinação real das instituições educativas aos ditames externos. Segundo Dias Sobrinho (2002; 2003; 2004), Afonso (2005), Rodrigues (1993) e Cunha (2005) este modelo não respeita a autonomia das instituições de educação e tenta conformá-las a racionalidade tecnoburocrática, pautada nas noções de eficiência, competição, hierarquia, punição e premiação por produtividade.

De outro lado, temos o modelo educacional ou formativo que é mais adequado a

doxa do campo científico-educacional porque representa o amadurecimento das discussões

coletivas dos educadores sobre como vincular avaliação e aprendizagem. Este modelo, baseado nas estratégias de autoconhecimento, enfatiza as noções de autonomia, democracia e participação social. Nessa perspectiva, a avaliação institucional cumpre papel formativo e informativo junto a sua comunidade, sendo processo de criação de uma cultura autorreflexiva e espaço de estabelecimento de valores institucionais e de aprendizagem política. (BELLONI, 1998; SOBRINHO, 1998).

Todavia, se os dois modelos podem ser teoricamente separados, estes surgem entrelaçados, conforme Dias Sobrinho (2005), no cenário contemporâneo, mais especificamente, no interior das políticas avaliativas e no cotidiano universitário. Este entrelaçamento permite que os agentes, em suas ações práticas, utilizem habitus, illusios e estratégias não necessariamente ajustadas ou coerentes entre si, pois estas retomam, nas tramas do dia a dia, a história dos conflitos em torno da avaliação educacional.

Como aprendemos no capítulo anterior, a história é um elemento operante nas práticas porque “os agentes sociais são dotados de habitus, inscritos nos corpos pela experiência passada” (BOURDIEU, 2007, p. 169). Sendo a ação prática individual historicamente situada e produzida esta retoma, pelos habitus, a sua forma de produção social. O seu passado. Ora, se esta história for marcada por conflitos de sentidos, estas contradições, ainda não superadas pelo campo, serão retomadas no presente, nos fazeres e afazeres que marcam a vivência cotidiana dos agentes.

Essas contradições não são necessariamente discutidas porque, como dito no segundo capítulo, o senso prático não é uma forma de pensar separada da história, um

atopos (sem lugar, tempo ou raiz), mas uma maneira de viver, de aderir, pelo corpo, ao

mundo e as coisas. Adesão necessária para que o mundo crie sentido e o agente possa continuar o trabalho, sempre a fazer, de criar o mundo. Adesão possível pela vivência