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Autonomia dos doentes com Paramiloidose

2. ÉTICA BIOMÉDICA

2.4 Autonomia dos doentes com Paramiloidose

Neste trabalho decidimos abordar a autonomia dos doentes com paramiloidose, não somente para expressar a liberdade de escolhas mas, principalmente, para saber que dificuldades estas pessoas apresentam no seu dia a dia com a família, no trabalho, nas suas actividades de vida diárias. Como é sabido a paramiloidose é uma doença altamente incapacitante, com uma evolução rápida, em que a pessoa doente nada pode fazer para a travar. Para estas pessoas ser autónomo significa fazer o que a maioria das pessoas faz: lavar-se, vestir-se, escrever e principalmente andar.

As pessoas que são portadoras assintomáticas podem nunca apresentar sintomas da PAF e serem autónomas todas a vida. Mas para aquelas em que a doença se manifesta a autonomia deixa simplesmente de existir. Entra-se num estado mental de tristeza e de incapacidade mas também de revolta, que só quem convive com elas se apercebe.

Quando estas pessoas se encontram num estadio avançado da doença já nada as pode salvar. Os sintomas e os sinais são muito exacerbados e apresentam já muitos problemas: marcha débil, visão muito deteriorada, atrofias dos membros marcadas, entre outros. Nestes casos, o transplante hepático como tratamento já não resulta porque a maioria dos órgãos foram afectados.

Etxeberria 102 apresentou o conceito de autonomia como sendo a capacidade do ser humano autoconstruir-se, ser autodeterminado nas suas escolhas com a máxima liberdade. Para

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PATRÃO NEVES, Maria C., OSSWALD, Walter (2007), pp.185-186.

101

REID, Kevin I.,(2009) ―Respect for Patients’ Autonomy‖, J Am Dent Assoc, vol.140, nº 4, pp.470-474.

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45 estas pessoas doentes este conceito deixa de poder ser aplicado. Se pudessem escolher não quereriam ser doentes. Podem ter vontade autónoma mas não têm liberdade para o fazer porque esta desvanece-se à medida que a doença progride. A estas pessoas que estão numa fase avançada da doença resta prestar cuidados continuados a vários níveis: medicação para os sintomas secundários, fisioterapia, material ortopédico, apoio psicológico, entre outros.

As pessoas que iniciam sintomas da doença podem ser tratadas atempadamente com o TH. Algumas rejeitam a inscrição na lista de TH outras aceitam-no de livre vontade. No entanto, existe o problema da carência de órgãos, que iremos abordar mais à frente neste trabalho. Não há órgãos suficientes para tantos paramiloidóticos e, não é só a PAF como doença que precisa de um transplante de fígado. Resta então a estes doentes a espera, que pode ou não ser rápida. Mas enquanto esperam a doença evolui inevitavelmente.

Para aqueles que são portadores assintomáticos o conceito de liberdade de escolha é mais abrangente. A automomia é máxima no seu significado, fazem escolhas livres e esclarecidas. Um dos problemas que podem ter de enfrentar relacionado com a doença é

a liberdade de terem filhos. Apesar de não manifestarem a doença, ao terem filhos podem passar- lhes a sua herança genética. A forma de erradicar a doença passa por não terem mais filhos. Nesta fase várias questões éticas poderiam ser colocadas, sendo uma delas, a responsabilidade e o direito à reprodução. E a este propósito Madder 103 refere que a responsabilidade é fundamental para a autonomia da pessoa. Ao assumirmos responsabilidades que afectam as nossas vidas mantemos a nossa singularidade e promovemos a realização pessoal. O acto de tomar uma decisão promove o bem-estar.

As pessoas são responsáveis pelas suas acções, são autónomas nas decisões se devem ou não terem filhos. Nunes104afirma que a “Autonomia pressupõe o princípio lapidar de liberdade de escolha.”, isto é, as pessoas autónomas aperfeiçoam o seu poder de escolha, porque têm liberdade para o fazer.

Kant105 refere que “ o conceito de liberdade é a chave da explicação da autonomia da vontade”.Todos os seres humanos autónomos são livres de escolher, de tomar decisões. Ser autónomo é ser livre para poder escolher. Para este filósofo “ A autonomia da vontade é a propriedade que esta possui de se constituir como sua própria lei (…), (…) que a vontade de qualquer ser racional lhe esteja necessariamente ligada como a uma condição. Para Kant “o

103

MADDER Hilary (1997), ―Existential autonomy: why patients should make their own choices.‖ J Med Ethics, vol.23, nº 4, pp. 221–225.

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NUNES, Rui (2005), Regulação da Saúde, Vida Económica, p.149.

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46 princípio da autonomia é o único princípio da moral”, isto é, cada pessoa exerce a sua autonomia como ser individual, como membro de uma sociedade, onde esta sociedade apresenta regras estabelecidas e onde cada indivíduo tem de ser racional aquando das suas decisões. O ser humano, enquanto sujeito intencional, só pode agir moralmente segundo as leis a que ele mesmo se impôs106.

A autonomia implica que: se uma pessoa é autónoma tem a capacidade de ser responsável pelos seus actos em detrimento dos seus objetivos107.

Relativamente a esta matéria Nunes108 diz-nos que “O conceito de autonomia refere-se (…) à perspectiva de que cada ser humano deve ser verdadeiramente livre (…)” e que na nossa sociedade, “(…) democrática e plural (…) “ os cidadãos efectuam “escolhas livres, no quadro de uma verdadeira cultura de responsabilidade.” Mas será que os doentes com paramiloidose tomam decisões responsáveis? Serão livres nas suas escolhas perante a sociedade? Quando decidem ter filhos, sabem que a doença poderá ser transmitida? Que implicações terão as suas decisões na nossa sociedade? O novo ser humano que irá nascer não pediu para ser doente. Neste âmbito também surgem questões éticas de elevado valor moral. Sobre este propósito, os doentes com PAF são dirigidos a consultas de aconselhamento genético, com o devido apoio psicológico e social.

106

ETXEBERRIA, Xavier (2003), p.91.

107

URSIN, Lars Ø. (2009) ―Personal autonomy and informed consent‖, Med Health Care and Philos, vol.12, pp.17-24.

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