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2. ÉTICA BIOMÉDICA

2.1. Relatório de Belmonte

Em 1978, a Comissão Nacional para a Protecção dos Seres Humanos em pesquisas biomédicas e comportamentais dos Estados Unidos, elaborou o Relatório de Belmonte cujo conteúdo reporta a um conjunto de princípios éticos e directrizes para a protecção dos seres humanos na área da investigação científica. O documento final depois de ter sido aprovado foi apresentado em 197976.

Apesar da área da investigação científica ter vindo a produzir benefícios para o Homem também acarretou problemas éticos. Durante a Segunda Guerra Mundial, médicos alemães

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ARCHER, Luís (1996) Bioética (Coord. Luís Archer, Jorge Biscaia, Walter Osswald), Editorial Verbo, Lisboa, São Paulo, p.18.

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DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS. [Em linha]. [Consult. 9

Agosto 2011] Disponível na WWW:<URL:

http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf. e em

http://www.cnecv.pt/admin/files/data/docs/1273055743_DeclaracaoUniversalBioeticav4.pdf.

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ENCYCLOPEDIA OF BIOETHICS (2003): ―The Belmont Report: ethical principles and guidelines for the protection of human subjects of research‖, 3rd edition, vol.1, p.2822.

38 excederam-se nas suas investigações e cometeram crimes contra a humanidade77: “(…) o assassínio em massa, a prática de experiências desumanas, o genocídio (…)78

Para estes médicos alemães a vida humana não tinha qualquer valor79 e chegaram ao ponto de fazer uma selecção natural da sua raça, onde os mais fracos eram eliminados: “os fracos, os doentes crónicos, os débeis mentais, (…).”80

.Queriam criar uma raça pura onde todas as pessoas fossem saudáveis e fortes81. Houve, assim, a emergência da criação de um código que estabelecesse os limites das pesquisas em seres humanos. Foi então criado o Código de Nuremberga “com regras legitimadoras da experimentação humana, (…), estabelecendo a obrigatoriedade do consentimento informado”82

que permitiu que os médicos nazis fossem julgados pelos crimes hediondos que cometeram. Todavia este código nunca foi reconhecido internacionalmente83. Passados 20 anos, em 1964, a Associação Médica Mundial criou a Declaração de Helsínquia, elaborando um documento com regras sobre a experimentação no homem84, para que nunca mais fossem cometidos crimes que atentassem contra a vida humana. Esta declaração tornou-se o protótipo de vários outros códigos para assegurar que as pesquisas que envolveriam seres humanos seriam realizadas de uma forma ética sem prejuízo dos mesmos.

Os códigos são conjuntos de regras, gerais ou específicas, que guiam os investigadores durante as suas pesquisas. Contudo, é de salientar que algumas destas regras nem sempre são aplicáveis a situações complexas e por vezes são difíceis de interpretar.

Sims85 refere que o Relatório de Belmonte é um dos documentos mais importantes no que respeita a questões éticas na investigação científica. Tem como finalidade identificar os princípios éticos básicos que devem estar subjacentes na conduta das investigações que envolvem seres humanos. O seu principal objetivo é proteger os sujeitos e os participantes nos ensaios clínicos e nas pesquisas.

77 WALTER, Osswald (2004), p.184. 78 Idem, p.185. 79

Verificou-se o holocausto de 5 milhões de judeus e ciganos que ―não eram dignos‖ de pertencer à raça humana. Os medicos alemães perpetuaram crimes de esterilização e eutanásia contra a humanidade. vid em WALTER, Osswald (2004), p.185. 80 WALTER, Osswald (2004), p.185. 81 Idem, p.186. 82

PATRÃO NEVES, Maria C., OSSWALD, Walter (2007), Bioética simples, Editorial Verbo, Lisboa, p.48. 83 Idem, p.186. 84 Idem, p.222. 85

SIMS, Jennifer M. (2010), ―A brief review of Belmont Report‖, Dimens Crit Care Nurs.; vol.29, nº 4, pp.173-174.

39 A elaboração deste relatório ocorreu após o tristemente célebre ensaio clínico de Tuskegee – O Estudo da Sífilis de Tuskegee86

.

No Relatório de Belmonte destacam-se três princípios que são relevantes nas pesquisas que envolvem seres humanos. Estes princípios servem de guia a cientistas, médicos e cidadãos interessados em compreender questões éticas inerentes às pesquisas e aos ensaios clínicos. O senão que se aplica a estes princípios, é que nem sempre são passíveis de serem aplicados a problemas éticos específicos. Então, o objetivo destes princípios é providenciar um quadro analítico que irá orientar a resolução de problemas éticos decorrentes da pesquisa envolvendo seres humanos. Passamos a descrever estes princípios segundo o Relatório de Belmonte, que são: respeito pelas pessoas, beneficência e justiça87.

1. Respeito pelas pessoas: todo o ser humano deve ser tratado como uma pessoa autónoma. Os indivíduos que apresentem uma autonomia diminuída devem ser protegidos, tais como os incapacitados a nível físico e/ou intelectual. Existe a obrigação moral para proteger os desprotegidos. Uma pessoa autónoma é aquela que é capaz de decidir quais os seus objetivos e agir de acordo com as suas decisões. Respeitar a autonomia é dar relevância às opiniões e escolhas da pessoa autónoma não obstruindo as suas acções, a não ser que sejam prejudiciais relativamente a outros.

2. Beneficência: este princípio tem como propósitos a) não causar dano e b) maximizar benefícios possíveis e minimizar possíveis danos.

O lema Hipocrático ―não causar dano‖ tem sido um princípio fundamental na ética médica. Não se deve prejudicar uma pessoa, independentemente dos benefícios que possam vir para os outros. O Juramento Hipocrático requer que os médicos beneficiem os seus doentes de acordo com o seu melhor julgamento. Mas por vezes, para que esta preposição se verifique é necessário expor as pessoas ao risco.

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ESTUDO DA SÍFILIS DE TUSKEGEE - ensaio clínico que ocorreu entre 1932 e 1972 em Tuskegee, Alabama, pelo Serviço de Saúde Público dos Estados Unidos. Os investigadores responsáveis pelo ensaio recrutaram 399 agricultores Afro-americanos com sífilis relacionada com a progressão natural da doença não tratada, na esperança de justificar os programas de tratamento para os negros. Estes homens nunca souberam que tinham sífilis nem quais eram os efeitos da doença. Os responsáveis pelo ensaio clínico omitiram o diagnóstico e o prognóstico. De acordo com o Centro de Controlo de Doenças disseram a estes homens que tinham ―sangue ruim‖, termo usado pela população local para descrever doenças como a sífilis, anemia e fadiga. Por participarem neste estudo ofereceram a estes homens exames médicos, refeições e seguro fúnebre gratuito.

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40 Portanto, qualquer investigador deve ter em conta os propósitos da pesquisa científica tentando fazer o maior bem possível e minimizar riscos para o ser humano.

3. Justiça: é o princípio básico da igualdade para todos os cidadãos, é a equidade na distribuição. Todos os cidadãos têm os mesmos direitos perante a lei. Uma injustiça ocorre quando são negados possíveis benefícios a uma pessoa sem causa aparente ou quando prejuízos são impostos indevidamente. O princípio da justiça requer que iguais sejam tratados da mesma maneira.

Aquando de uma investigação científica, o processo de selecção de candidatos deve ser rigorosamente vigiado uma vez que podem ser escolhidos grupos de pessoas não por estarem relacionados com a própria investigação mas sim por pertencerem a classes sociais baixas, por serem de determinada raça ou etnia, ou por pertencerem a instituições e que, por estes fatores, sejam mais fáceis de serem seleccionados e de serem manipulados.

Sempre que a investigação suportada por fundos públicos origine o desenvolvimento de práticas e instrumentos terapêuticos, a justiça exige que estas inovadoras práticas não sirvam só aqueles que as podem pagar, e que esta investigação não utilize grupos de pessoas que não vão estar ou dificilmente estarão entre os beneficiários de subsequentes aplicações da investigação

A aplicação destes princípios no decurso da investigação científica conduz-nos à consideração dos seguintes requisitos: consentimento informado, avaliação dos riscos/benefícios e a selecção dos sujeitos de pesquisa.

O consentimento informado deve ser livre e esclarecido. Todos os indivíduos que participem na investigação devem estar totalmente esclarecidos acerca do projecto e devem participar voluntariamente. Nenhum indivíduo deve ser beneficiado monetariamente por participar na investigação.

A avaliação dos riscos/benefícios a que os participantes irão ser submetidos deve ser ponderada com a intenção de não haver danos para os mesmos ou que se verifiquem um risco minímo. Benefícios e riscos devem ser contrabalançados e devem constar no processo de consentimento informado.

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