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Capítulo 3 – Abordagem Empírica

3.3. Reflexividade Social – Autonomia, poder e legitimidade profissionais no

3.3.1. Autonomia Profissional – elementos normativos profissionais versus

Os profissionais questionados no âmbito da presente investigação identificam alguns elementos centrais da sua prática profissional – o envolvimento da família no processo terapêutico, o trabalho em equipa com outros profissionais e, próximo dos atos descritos por Abbott (1988) como compondo a prática profissional – o diagnóstico, a inferência e o tratamento.

Os elementos definidores da prática profissional surgem assim enunciados:

“Avaliação e intervenção em terapia da fala. Avaliar e intervir, que inclui a escolha dos melhores métodos ou abordagens a aplicar, a construção do plano de intervenção com materiais, estratégias essenciais para atingir os objetivos”(e1).

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Quando um mesmo profissional desenvolve a sua prática em diferentes organizações, esses elementos são comparados nos diferentes quadros organizacionais.

“Eu trabalho no concelho de Gondomar dependente de diferentes organizações. E dependente dessas organizações a minha atuação acaba por ser bastante diferente. A nível privado faço um papel muito de intervenção individualizada de um para um e em parceria com as famílias. O contacto com os profissionais de educação é pontual, uma vez por ano ou coisa parecida. Depois, o outro contexto em que trabalho tem a ver com um contexto de saúde e por isso aí, a parceria entre esse contexto e a educação é muito restrita, quase que não acontece. E é um trabalho modelo tradicional, muito mais médico, não tem tanto a ver com estas formas de pensar em termos de educação. Depois o outro contexto (…)um trabalho mesmo centrado na comunidade, centrado nas escolas onde as crianças estão”

Assim, quando evocadas as condicionantes organizacionais, elas relacionam-se com esses elementos definidores da prática – nos tempos da intervenção terapêutica, na comunicação com outros profissionais, e na comunicação com a família. As dificuldades de comunicação e partilha de informação parecem constituir um entrave à cooperação entre profissionais nas novas formas de organização em rede.

“Eu acho que devia haver alguém de cima, que dissesse: existe Equipa Local em Gondomar, as técnicas vão ao jardim, ou vão à creche, ou vão ao domicílio, fazem parte do ministério da saúde, como da educação, como da segurança social. (,..) Alguém lá em cima deveria dizer: isto é ali, funciona assim, vêm aos contextos, não é preciso estar a dizer como é que se funciona ou o que é que vão lá fazer, mas pronto! (…)” (e9)

Do ponto de vista da regulação pela organização, a limitação nos recursos humanos, as prescrições médicas e a periodicidade das sessões estabelecidas pelas chefias são identificadas pelas Terapeutas da Fala como elementos normativos externos que limitam a sua autonomia profissional.

“Por isso, apesar de não existirem linhas orientadores e, na filosofia termos que adequar à individualidade de cada criança, na prática acaba por não ser assim. Como não temos recursos humanos suficientes acabamos por nunca poder estar muito tempo ou de uma forma muito sistemática com cada criança.(…)Se for hospital, a autonomia é muito pouca. Aí, pronto, está predeterminado que as sessões são, à partida, de 30 minutos. (…) a regra do hospital são sessões de 30 minutos porque maioritariamente é tudo P1. Existem prescrições médicas. Por isso, são os médicos que prescrevem aquilo que deve ser feito, embora no caso da Terapia da Fala …a prescrição normalmente é lata e nós temos alguma liberdade de atuação. No entanto, ao fim de x tempo temos que reportar os resultados ao médico e é o médico que vai determinar se vai haver renovação do P1, da prescrição ou não”(e4)

Não obstante, noutras situações, as regras são vistas como favorecedoras de um bom desempenho profissional e promotoras de equidade. Este elemento parece ir ao encontro do postulado por Giddens (1989) quanto ao caráter constrangedor e facilitador das propriedades estruturais.

“Temos definidas horas de trabalho direto e horas de trabalho indireto. Foi a direção que decidiu mas nós falamos com eles e concordamos e temos as horas definidas por esse agrupamento de referência...(…) temos que fazer os PEIs, os objetivos, os relatórios.(…)Temos planos de sessões, como fazem em todo o lado, o que fizemos naquele dia com aquele menino para ficar registado.

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Eu acho que é preciso alguma estruturação. Datas para entregar relatórios, para entregar avaliações. Acho que é importante para haver uma uniformidade entre nós, entre os diversos técnicos.” (e2)

Para além disso, é identificado pelas Terapeutas da Fala, em alguns contextos de prática profissional, alguma margem de autonomia em relação a formas externas de regulação profissional.

“O tempo de sessão é estabelecido com os pais, embora existam já umas tipologias pré-definidas e

depois, de acordo com a avaliação que eu faço do caso, de acordo com essas tipologias é que eu vou escolher. Se é 30 m, 50 m ou uma hora. Serão as tipologias que eu posso escolher. Estando nós a falar de um gabinete psicopedagógico. Existe mais liberdade de atuação porque serei eu a determinar qual é o processo terapêutico e quais as medidas terapêuticas a implementar, assim como sou eu que vou determinar se a criança tem que ter continuidade na terapia ou quando é que a criança vai ter alta” (e4)

De facto, quando regulados os momentos de comunicação com outros profissionais, e contemplados nos tempos de trabalho, os profissionais expressam que as mesmas favorecem a sua prática profissional. Ou seja, quando há coincidência entre os elementos normativos profissionais e os organizacionais os profissionais sentem-se mais autónomos e satisfeitos com a sua prática profissional.

“O facto de existirem regras ao nível dos procedimento de avaliação e de elaborar relatórios, de haver uma comunicação relativamente estabelecida com os contextos de vida, nomeadamente o contexto educativo, acho que é uma mais valia grande. Acho que é uma regra que facilita uma boa prática profissional, também pela articulação que implementa” (e6).

No âmbito de uma autonomia negociada, o conhecimento é identificado como um elemento relevante. Nesse sentido, há espaços em que há resistência à regulação por sanções externas, nomeadamente no quadro da estrutura de dominação da organização, pelo facto Médicos Fisiatras não deterem conhecimento sobre as perturbações do desenvolvimento infantil, apesar de deterem o poder de prescrever a frequência e duração dos apoios terapêuticos.

“As regras são: a frequência e o tempo de sessão é decidido pelo Médico Fisiatra, apesar de que pode haver uma comunicação com o médico e ele achar que poderia alterar e não há problema. E depois na parte da prescrição, não tanto com as crianças, porque talvez eles não tenham tanto conhecimento, mas noto, nos adultos, que é mais rígido seguirem a prescrição do médico Fisiatra. Mas há sempre oportunidade de diálogo e, na maioria das vezes, os médicos ouvem” (e8)

Algumas das limitações da autonomia têm proveniência, de acordo com o discurso dos profissionais, nas instâncias fora dos contextos de interação onde se definem os recursos alocativos disponibilizados.

“Mas a questão dos tempos e das frequências não é o ideal. Deveria ser mais…É decidido por alguém superior, não por eles [Médicos Fisiatras]. O tempo não está pré-estabelecido no protocolo com o Estado. No início fazíamos os 45 minutos e como viram que não podia funcionar assim, disseram que tínhamos de reduzir” (e8).

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Em síntese, parece denotar-se, no que se refere aos elementos normativos da prática profissional dos Terapeutas da Fala, alguma dificuldade em resistir às formas de regulação externas, em particular às burocráticas e de mercado, no sentido de estabelecer a periodicidade e frequência da intervenção terapêutica com cada criança/família/contexto. Os métodos são estabelecidos num plano de intervenção elaborado pelo profissional de acordo com princípios profissionais. Os constrangimentos externos da prática profissional, em particular os de mercado e organizativos têm repercussão direta na frequência e duração dos momentos que cada profissional tem disponíveis para estar em contacto com a criança/jovem e respetiva família. Neste sentido, a regulação externa do trabalho dos Terapeutas da Fala são facilmente racionalizados externamente, em instâncias fora dos contextos de interação, e quando não há capacidade de negociação e não se prevê alguma flexibilidade, pode levar, na perceção das Terapeutas da Fala, à perda de eficácia da intervenção terapêutica.

No que se refere à identificação com a cultura organizacional são elencados, pelos profissionais, coincidências no que se refere à inclusão e participação das crianças com deficiência ou incapacidade. E, para além destes, os relativos ao profissionalismo.

“Estamos todos preocupados com as crianças, com o desempenho e em passar uma imagem de trabalho, de qualidade.(e2)

“Que sejamos competentes, que consigamos atingir os objetivos que sejam propostos para aquela criança. Ser assíduo” (e3)

Por outro lado são identificadas descoincidências no que se refere à orientação para o cliente ou para a eficiência no sentido de uma racionalização económica e homogeneizadora.

“Claro que há sempre uma grande preocupação também de agradar, de agradar aos pais. O que, às vezes, pode não coincidir ligeiramente com o que nós queremos. Sim. Em alguns casos sim, porque há muita pressão, neste momento, externa e restringe um bocadinho” (e2)

“Sim. Diferem. Porque o outro lado pensa só na gestão monetária e de recursos e não pensam na parte da intervenção que deveria ser o profissional” (e8).