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3 DIREITOS FUNDAMENTAIS

5.2 A BRIGO

5.2.1 Autoridade Competente para Determinar o Abrigamento de

Como se está tratando de um direito fundamental de liberdade da convivência familiar e comunitária, sua determinação necessita ser tomada

242 Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária – glossário p.120.

com o cuidado devido e por um número reduzido de autoridades, para evitarem-se decisões contraditórias e ter-se um controle de medida tão radical que somente se justifica devido à colisão de direitos fundamentais. A convivência familiar e comunitária somente poderá ser cerceada devido à ameaça concreta e lesão ao triologia dos direitos fins que movem o Estatuto, que é a liberdade, dignidade e respeito da criança e do adolescente. É claro que não deve haver uma decisão açodada do tudo ou nada, desconsiderando um desses direitos, mas, pelo princípio constitucional da proporcionalidade ou ponderação, será garantida a dignidade da pessoa humana emergencial, mesmo com limitação de alguns direitos.

Assim tem-se como competentes para tal medida radical, em primeiro lugar, o Conselho Tutelar, que é órgão municipal eleito pela comunidade para zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Neste sentido, o artigo 136, inciso I, em consonância com art.101, inciso VII, possibilita que o Conselho Tutelar decida em ato administrativo fundamentado, diante da situação de risco de uma criança ou adolescente que requisite o abrigo em tais condições.244

Por sua vez, o Ministério Público, com legitimidade para promover ações de interesse individual, coletivas e difusas, especificamente a perda e suspensão do poder familiar quando criança e adolescente estejam em situação de risco, tem legitimidade de requisitar serviços de abrigo, conforme art.201, inciso XII, §2º do Estatuto.245

244 Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei. Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: VII - abrigo em entidade;

245 Art. 155. O procedimento para a perda ou a suspensão do pátrio poder terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.

Art. 201. Compete ao Ministério Público: XII - requisitar força policial, bem como a colaboração dos serviços médicos, hospitalares, educacionais e de assistência social, públicos ou privados, para o desempenho de suas atribuições.

2º As atribuições constantes deste artigo não excluem outras, desde que compatíveis com a finalidade do Ministério Público.

§ 3º O representante do Ministério Público, no exercício de suas funções, terá livre acesso a todo local onde se encontre criança ou adolescente.

Como se está tratando de um direito indisponível fundamental de liberdade de convivência familiar e comunitária, ligado ao poder familiar, que somente pode ser suspenso e perdido por sentença judicial, o Juiz é competente para determinar, que a criança e o adolescente sejam encaminhados para abrigo. É que se extrai da interpretação do arts. 93 e 148, Parágrafo único do Estatuto.

Excepcionalmente, é possível que um abrigo receba uma criança encaminhada por terceiros (policiais, médicos, bombeiros etc.) encontradas abandonadas ou perdidas nas ruas, mas neste caso, o dirigente que acolheu a criança terá que comunicar o Juiz ou Conselho Tutelar do fato até o 2º dia útil imediato, conforme determinação do art.93 do Estatuto.246

Quanto ao desligamento da criança ou adolescente abrigado, somente poderá ser feito pelo Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude, que é o único que pode conceder guarda, tutela e adoção, ou ainda, decidir da volta da criança para a família natural, caso entenda que não seja caso de suspensão ou perda do poder familiar. Tem-se que entender que se está falando de direito indisponível enfrentado pelo Estado/Juiz na sua jurisdição – dar o direito a quem necessita, sem mais aquela visão de sistema assistencialista. Sua competência está garantida no art. 147 e 148 do Estatuto, em favor do cidadão mirim de ter os seus direitos respeitados.

5.2.2 Formalização e Fiscalização das Entidades de Abrigo

Na perspectiva da denominada democracia ampliada exercida diretamente pelo povo, como determina o art.1º, Parágrafo único em consonância ainda com os arts. 204, I e 227, parágrafo 7º, todos da Constituição Federal, que permite que a população participe diretamente nas decisões das políticas públicas, foram criados os Conselhos de Direitos da

246 Art. 93. As entidades que mantenham programas de abrigo poderão, em caráter excepcional e de urgência, abrigar crianças e adolescentes sem prévia determinação da autoridade competente, fazendo comunicação do fato até o 2º dia útil imediato.

Criança e do Adolescente, em todos os níveis: municipal, estadual e federal, na forma descrita no art. 88, inciso II da Estatuto da Criança e do Adolescente.247

O Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, como órgão deliberativo e de controle, tem o dever de baixar resoluções indicando, de acordo com as necessidades e realidade de cada município, as condições mínimas para funcionamento de uma entidade de abrigo; além disso, para poder uma entidade desta natureza funcionar, caso seja uma organização não governamental, terá que fazer o seu registro naquele órgão e o registro de seus programas, conforme reza o art.91 do Estatuto.

Por sua vez, os abrigos governamentais não precisam ser registrados nos Conselhos, mas devem proceder à inscrição de seus programas, cumprindo, assim, a determinação do art.90, Parágrafo único do Estatuto. Desta maneira, o Conselho de Direitos terá o mapa de todos os programas existentes, no âmbito municipal, e a rede de atendimento fiscalizada e disponibilizada para quem de direito que necessite de abrigo, para encaminhar crianças e adolescentes em situação de risco, no caso o Conselho Tutelar, Ministério Público e Judiciário local, reafirmado no art.91 do Estatuto.

O Parágrafo único, do art.91 do Estatuto248 não é exaustivo nas condições mínimas para que possa ser autorizado o funcionamento de um

247 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. (Grifo nosso).

Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar- se- á em consideração o disposto no art. 204.

ECA - Art. 88. São diretrizes da política de atendimento: II - criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais;

abrigo não governamental, dependendo da realidade de cada município fazer outras exigências pertinentes. Por sua vez, se os abrigos governamentais não necessitam de registro, na inscrição de seus programas poderão ser exigidas adequações para seu bom funcionamento.

Interessante que a renovação do registro da entidade e dos programas ocorra no máximo a cada dois anos. Assim, o Conselho de Direitos poderá automaticamente fiscalizar se o serviço prestado está adequado às regras do Estatuto e Resoluções do Conselho. Nada impedindo que a qualquer momento casse o registro ou inscrição do programa, caso haja fato que desabone a chancela do Conselho, como órgão de controle administrativo.

Tamanha é a importância das entidades de abrigo, pelo serviço prestado e diante da excepcionalidade de servir de forma transitória secundária ao direito à liberdade de convivência familiar e comunitária obstado, que o Estatuto, no seu art.95, reforça a sua fiscalização diretamente pelo Poder Judiciário, Ministério Público e Conselhos Tutelares.249

Segundo o art. 191 do Estatuto o procedimento de apuração de irregularidades em entidade governamental ou não-governamental terá início mediante portaria da autoridade judiciária ou representação do Ministério Público ou do Conselho tutelar, com o resumo dos fatos detalhados.

Neste caso, tem-se uma daquelas raras situações que o princípio da inércia do Poder Judiciário é desconsiderado, diante da sua iniciativa de abertura da apuração, mediante portaria, que não tem caráter administrativo, como outrora existia, no âmbito penal, nas ações contravencionais ou crimes culposos, antes da Constituição de 1988, diante de seu caráter de ordem

248 Art. 91. As entidades não-governamentais somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o qual comunicará o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da respectiva localidade.Parágrafo único. Será negado o registro à entidade que: a) não ofereça instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança; b) não apresente plano de trabalho compatível com os princípios desta Lei; c) esteja irregularmente constituída; d) tenha em seus quadros pessoas inidôneas.

249 Art. 95. As entidades governamentais e não-governamentais referidas no art. 90 serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares.

pública, conforme explicações trazidas em nota de rodapé por KÁTIA MACIEL250, extraída dos ensinamentos de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, que exemplificam:

“Todas as matérias relativas às relações de consumo são de ordem pública e interesse social, devendo sobre elas pronunciar-se o juiz de ofício, independentemente de requerimento da parte ou do interessado (CDC 1º). Pode o juiz decretar de ofício a falência no curso do pedido de concordata, ou de processo de recuperação judicial” (LF 73, LF1945 162 caput a III e 175 caput e §8º). In: Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravaganete. 9ª ed. São Pualo: Revista dos Tribunais, 2006, pp.141-142.

Evidente que, mesmo sendo iniciado por portaria judicial ou provocação do Ministério Público ou Conselho Tutelar, é respeitado o devido processo legal regulamentado no art. 192 a 193 do Estatuto.

Quando as medidas impostas após apuração temos uma dicotomia na aplicação em relação das entidades governamentais para as não governamentais, atingido mais diretamente a pessoa física dos dirigentes das governamentais que são funcionários públicos e devem primar pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência previstos no art. 37 da Constituição.

O rol de medidas cabíveis às entidades governamentais e não governamentais está disposto no art. 97 do Estatuto da Criança e do Adolescente, assim posto:

“Art. 97. São medidas aplicáveis às entidades de atendimento que descumprirem obrigação constante do art. 94, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes ou prepostos: I - às entidades governamentais:

a) advertência;

b) afastamento provisório de seus dirigentes; c) afastamento definitivo de seus dirigentes;

d) fechamento de unidade ou interdição de programa. II - às entidades não-governamentais:

a) advertência;

b) suspensão total ou parcial do repasse de verbas públicas; c) interdição de unidades ou suspensão de programa; d) cassação do registro”.

Essa questão de entidades de abrigo, como outras organizações não governamentais, tem um papel importante no compartilhamento de medidas de defesa da criança, idoso, meio ambiente etc., mas é necessária sua fiscalização acentuada diante de desvio de finalidades ou meio de sobrevivência escusa de algumas pessoas, que montam tais organizações com interesses pessoais. Neste sentido, quanto aos abrigos, é possível, além da responsabilidade civil e penal de seus dirigentes, também requerido judicialmente, a suspensão ou dissolução da entidade, como determina o Parágrafo único do art. 97 do Estatuto.

Entende-se que a principal missão das entidades de abrigo além de acolher as crianças e adolescentes em regime excepcional e transitório e, de fato, buscar cooperar com os demais atores do sistema de garantias e direitos, que seja restabelecida a liberdade de convivência familiar e comunitária primária, visto que o abrigo tem uma função secundária de minimizar a falta do direito fundamental em discussão.

Neste sentido, é interessante que todos os atores responsáveis pelo registro e inscrição de programas de abrigo, bem como os que fiscalizam, estejam em consonância com o reordenamento previsto no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária, que determina as seguintes ações251:

“1) mudança na sistemática de financiamento das entidades de abrigo, eliminando-se formas que incentivem a manutenção desnecessária das crianças e adolescentes nas instituições – como o financiamento por criança e adolescente atendido – e incluindo-se recursos para o trabalho com a reintegração à família de origem; 2) qualificação dos profissionais que trabalham nos programas de Acolhimento Institucional;

3) estabelecimento de indicadores qualitativos e quantitativos de avaliação de programas;

4) desenvolvimento ou incorporação de metodologias para o trabalho com famílias;

5) ênfase na prevenção do abandono e na potencialização das competências da família, baseados no reconhecimento da autonomia e do recursos da mesma para cuidar e educar seus filhos;

251 Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária. p. 67.

6) adequação do espaço físico e do número de crianças e adolescentes atendidos em cada unidade, de forma a garantir o atendimento individualizado e em pequenos grupos;

7) adequação do espaço físico às normas de acessibilidade; e 8) articulação das entidades de programas de abrigo com a rede de serviços, considerando todo o SGD”.

6 PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA TERCIÁRIA DA LIBERDADE DE