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2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E

2.6 M UTAÇÃO DO D IREITO DAS F AMÍLIAS NO S ÉCULO XX

2.6.2 Entidades Familiares Implicitamente Constitucionalizadas

2.6.2.3 Família anaparental

Interessante ainda outra realidade muito comum encontrada no cotidiano social que são lares formados por parentes (irmãos) ou entre pessoas sem parentesco algum, mas numa estrutura com identidade de propósito, que cabe sua aceitação dessa convivência como uma entidade familiar que teve sua detecção e nominação anaparental.

Esta expressão foi esculpida pelo jurista Sérgio Resende de Barros99 assim justificando: “Essa mentalidade aberta admitiu a união estável (CF art. 226, § 3o) e a família monoparental (CF art. 226, § 4o). Mas o fato de não ter enumerado não significa que tenha vedado outras entidades, como a família homoafetiva, que se lastreia no afeto familiar, mesmo sem conjugar homem com mulher, e a família anaparental, que se baseia no afeto familiar, mesmo sem contar com pai, nem mãe. De origem grega, o prefixo “ana” traduz idéia de privação. Por exemplo, “anarquia” significa “sem governo”. Esse prefixo me permitiu criar o termo “anaparental” para designar a família sem pais.”

Oportuno o exemplo dado por BERENICE100:

“da convivência sob o mesmo teto, durante longos anos, por exemplo, de duas irmãs que conjugam esforços para a formação do acervo patrimonial constitui uma entidade familiar. Na hipótese de falecimento de uma delas, descabe dividir os bens igualitariamente entre todos os irmãos, como herdeiros colaterais, em nome da ordem de vocação hereditária. Também reconhecer mera sociedade de fato e invocar a Súmula 380,101 para conceder somente a metade

dos bens à sobrevivente, gera flagrante injustiça para com quem auxiliou a amealhar dito patrimônio. A solução que se aproxima de um resultado justo é conceder à irmã, com quem a falecida convivia, a integralidade do patrimônio, pois ela, em razão da parceria de vidas, antecede aos demais na ordem de vocação hereditária. Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, as disposições que tratam do casamento e da união estável. Cabe lembrar que essas estruturas de convívio em nada se diferenciam da entidade familiar de um dos pais com seus filhos e que também merece proteção constitucional.”

99 DE BARROS, Sérgio Resende. Direitos Humanos – Paradoxo da Civilização. 1ª edição. Belo Horizonte: Del Rey. 2002, p.161.

100 DIAS, Maria Bereneci. Ob. cit. pág.

101 Súmula 380 do STF: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

Na prática forense já se deparou com a situação de filhos ficarem órfãos e ser emancipado o filho com 17 anos de idade e este ter a guarda de seus irmãos, sem necessidade da família de irmãos terem de mudar de cidade para casa dos tios. Seriam dois lutos: perda dos pais e perda da convivência comunitária e cultural enraizada na vida dos meninos.

O projeto de lei nº 2.285/07, que tramita na Câmara Federal, já prevê tal entidade familiar denominada como pluriparental no Capítulo V – Da família Parental – nos seguintes termos:

art. 69. As famílias parentais se constituem entre pessoas com parentesco entre si e decorrem da comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar.

§2º Família pluriparental é constituída pela convivência entre irmãos bem como as comunhões afetivas estáveis existentes entre parentes colaterais.

Buscando a convivência familiar ampliada entre irmãos no caso de orfandade ou eventual falta dos pais, é importante para o tema central do direito fundamental da convivência comunitária o reconhecimento da entidade familiar anaparental ou pluriparental como está previsto no projeto de lei 2.285/07, que busca adequar esta realidade em legislação própria.

Neste ambiente, o direito projetado, expressando avanço em relação à tutela de novas formas de composição familiar, apreende, contudo, a família pluriparental em conceito limitado pelos vínculos familiares, pautados pela convivência entre irmãos e parentes colaterais.

As famílias pluriparentais afetivas não são contempladas pelo Projeto, restrito a um reconhecimento, apenas parcial, de modelo familiar plural, por natureza.

A amplitude e reconhecimento das famílias pluriparentais vem destacada na elucidação de FERREIRA e RÖRHMANN:

“As famílias pluriparentais, também conhecidas como famílias mosaicos, famílias patchwork (Alemanha), famílias ensambladas (Argentina), step-families (Estados Unidos), familles recomposées (França), representam o mais novo e desafiante modelo familiar já

conhecido pelo Direito de Família. As famílias pluriparentais resultam da pluralidade das relações parentais, especialmente fomentadas pelo divórcio, pela separação, pelo recasamento, seguidos das famílias não-matrimoniais e pelas desuniões. A estrutura das recomposições familiares vem caracterizada por matrimônios ou uniões sucessivas e a presença de filhos de outras relações. Em decorrência desta ordem familiar, questões permanentes do Direito de Família, agora redimensionadas pelas especificidades das famílias mosaicos, transportam para o centro das reflexões dilemas como: alteração do nome de família, a divisão do pátrio poder e guarda dos menores, o direito de visita e o dever alimentar. A especialidade do formato familiar avulta na medida em que as famílias pluriparentais se desfazem e refazem sempre em busca da trilogia pai, mãe, filhos, consoante o perfil da família tradicional”102.

A amplitude do desenho familiar pluriparental é inegável, analisado na lição da professora Jussara Borges Ferreira. No mesmo estudo referencía o reconhecimento amplo do modelo familiar pelo direito de família alemão.

“O direito germânico infraconstitucional destaca-se como um dos primeiros a promover a patchwork familie à condição de ente jurídico, com a Lei de Reforma dos Direitos da Criança, de 1998, e a Lei da Proteção do Melhor Interesse do Menor. Dentre as mais expressivas conquistas são enumeradas as seguintes: possibilidade de alteração do nome de família, a divisão do pátrio poder e guarda dos menores, o direito de visita e o dever alimentar”.103

De fato, o Projeto, neste particular, evidencia a estreita dimensão atribuída à família pluriparental, reconhecida pelo direito alemão, dentre outros, para muito além da percepção restrita do texto normativo como projetado.

102 FERREIRA, Jussara S. A. B. N. e RÖRHMANN, Konstanze. As Famílias Pluriparentais ou Mosaicos. In: Família e dignidade humama: Anais do V Congresso de Direito de Família. São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 508.