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3 DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.3 D IREITOS F UNDAMENTAIS DAS C RIANÇAS E A DOLESCENTES E A

4.1.1 Características do Poder Familiar

Abalizados doutrinadores que estudam o assunto apresentam várias características do Poder Familiar. Apresentam-se aquelas que se entende merecer destaque:

4.1.1.1 Múnus público

Como já mencionado, o Poder Familiar deveria usar a expressão européia no sentido de “Dever Parental” incumbido aos pais neste interesse sócio-individual157, pois os genitores têm esse dever de cuidar de seus filhos, não só pelo simples fato natural de serem seus descendentes, mas também há interesse da sociedade brasileira que suas crianças e adolescentes tenham dignidade, respeito e liberdade; daí se tornar um múnus público aos genitores e com a possibilidade de o Estado intervir caso não esteja sendo executado na forma prevista no Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente.

Este múnus público é inaugurado na própria Constituição Federal158 pela Doutrina da Proteção Integral, afirmando que é dever de todos, a começar pela família, garantir os direitos fundamentais especiais que essa parcela da população necessita diante do critério da idade e, por conseqüência, estar em formação psicossocial.

A regulamentação deste múnus público está no artigo 1.634 do Código Civil, em consonância com o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que retrata o interesse sócio-individual quando afirma que os

157 PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.91.

158 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

pais, no interesses dos filhos, têm a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Evidentemente que a intromissão estatal somente ocorrerá em fatos gravíssimos que justifiquem tal invasão na vida privada da família, mesmo porque, no art. 1.513 do Código Civil, é claro: “É defeso a qualquer pessoa de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.

Conforme esclarece COMEL159, a justificativa para intervenção do Estado, com a nova roupagem do Poder Familiar

“considerado uma função social, um conjunto de poderes endereçados ao cumprimento do deveres e obrigações que a lei impõe aos progenitores. Na qualidade de instituição básica da ordem social-familiar, é tido como instituto de ordem pública. Pelo que não pode prescindir dos controles do Estado.”

Não podemos deixar de lembrar que a principal intervenção do Estado na busca do empoderamento das famílias brasileiras, no geral, e, com especial atenção, as famílias de baixa renda, está em concretizar políticas públicas de assistência social, saúde e educação que são direitos fundamentais que o Estado tem obrigação de disponibilizar aos cidadãos, como forma preventiva de fortalecimento das relações familiares.

4.1.1.2 Irrenunciável

É um poder dever instrumental de interesse público social de exercício obrigatório, sendo inconcebível “a priori” que os pais simplesmente renunciem este dever incumbido nos arts. 226 e 227 da Constituição Federal, por ser a entidade familiar a base da sociedade.

Não se pode esquecer que é um direito fundamental a liberdade de convivência familiar e comunitária da criança e adolescente que os pais têm obrigação legal de manter nem que seja necessário o apoio da sociedade e do Estado para que não haja o seu rompimento.

Entretanto, a realidade mostra, muitas vezes, que as mulheres, principalmente por terem uma gravidez indesejada, sem emprego, habitação própria, abandono do genitor, sem apoio de familiares, não suportando o peso sobre os ombros da maternidade, acabam optando pela renúncia do poder familiar com a finalidade que seus filhos sejam adotados por terceiros.

Então tem-se uma exceção quando os pais num ato formal perante Juiz e Promotor de Justiça, são ouvidos pessoalmente para esclarecer por que desejam dar o filho em adoção, conforme exigência do art. 45 c/c art. 166, Parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente.160 Nesta audiência buscar-se-á saber se a mãe não está sendo pressionada por familiares ou até mesmos recebendo alguma vantagem econômica para entregar o filho.

É comum virem, nos casos de adoções prontas ou intuito persone, declarações da mãe com firma reconhecida ou lavradas em escritura pública em cartório, o que não supre a presença dos genitores, perante o Juiz e Promotor de Justiça. Isto é vedado, exatamente para o sistema de justiça buscar preservar ao máximo o direito fundamental de liberdade de convivência familiar e comunitária da criança e do adolescente.

Também têm o dever o Juiz e o Promotor, na audiência em questão, de informar aos genitores renunciantes se a questão é socioeconômica para dar o filho em adoção é possível incluir a família em programas sociais para preservar o vínculo filial. Afinal, pobreza não é mais motivo para perda do poder familiar.161 Infelizmente, sabemos que na prática os programas são pífios e são feitas vistas grossas por parte destes profissionais do sistema de justiça, apenas advertindo das conseqüências do ato, sem volta, após adoção consumada.

160 Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. Art. 166. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do pátrio poder, ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios requerentes.

Parágrafo único. Na hipótese de concordância dos pais, eles serão ouvidos pela autoridade judiciária e pelo representante do Ministério Público, tomando-se por termo as declarações.

161 Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder.

4.1.1.3 Inalienável ou intramissível

Por se tratar de instituto de caráter personalíssimo, de interesse social atribuído aos que ostentam a qualidade de pai ou mãe, não se permite sua outorga ou transferência a terceiros, seja de forma gratuita ou onerosa. Esclarece COMEL162 que “trata-se de uma qualidade ínsita de pai e mãe, da qual não se pode apartar por tratar-se de um interesse transubjetivo.”

Interessante também nesta característica em comento a desconexão de direito material da renúncia do poder familiar dos pais e a adoção pelos pretendentes, já que o direito em questão é da criança no direito fundamental de liberdade de convivência familiar e comunitária, indicada por SANTOS NETO163 nos seguintes termos:

“Observe-se que a renúncia para efeito de adoção não importa em transferência direta da autoridade paternal aos adotantes. Estes só a adquirirão depois de preenchidos os requisitos previstos no ordenamento jurídico e após devidamente formalizada a adoção perante o Estado. Portanto, os adotantes legitimam-se para o exercício do pátrio poder por força e obra da própria lei, e não como decorrência imediata e necessária do ato de renúncia dos pais carnais. Podem os genitores de sangue renunciar para fim de adoção, ficando o ato sujeito a condição, mas não podem livremente transferir a titularidade de que estão investidos diretamente a pessoa ou pessoas de sua escolha.”

Como dado histórico da evolução do Direito da Criança e do Adolescente, cabe o registro no Código de Menores de 1979 em que era admitida expressamente a delegação do então pátrio poder no seu art. 21 – “Admitir-se-á delegação do pátrio poder, desejada pelos pais ou responsáveis, para prevenir a ocorrência de situação irregular do menor”.

162 COMEL, Denise Damo. Ob. cit. p.76.

163 SANTOS NETO, José Antônio de Paula. Do Pátrio Poder. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 70.

4.1.1.4 Imprescritível

Por ser o poder familiar um instituto de ordem pública de interesse sócio-individual, o simples fato de os pais não o exercerem não trará como conseqüência sua prescrição ou decadência. Poderá sim perdê-lo na forma da lei (art.1.638, inciso II (abandono) do Código Civil e por ser direito indisponível não gera com a sua revelia processual e a conseqüência automática da desídia comum aos outros processos, conforme previsão do art.320, inciso II do Código de Processo Civil.

É possível sim, ainda como conseqüência da desídia dos pais, Multa Administrativa prevista no art. 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente e crimes por abandono material, entrega de filho menor a pessoa inidônea e abandono intelectual previstos nos artigos 244, 245 e 246, respectivamente, do Código Penal.

É imprescritível o exercício do Poder Familiar em relação aos filhos, caso os pais venham buscar reclamá-los de quem ilegalmente os detenha (art.1.634, VI do Código Civil), o que poderá ser feito a qualquer tempo, mesmo que seja um longo período de duração a permanência com terceiros que não poderão alegar prescrição ou decadência.

4.1.1.5 Incompatível com a tutela

O instituto da tutela, previsto no art. 1.728 e seguintes do Código Civil, tem como finalidade suprir exercício do poder familiar diante da morte dos pais, sendo julgados ausentes ou em caso de decaírem do poder familiar. Logo, pelos motivos acima expostos somente poderá haver nomeação de tutor com a cessação do exercício do poder familiar.

É comum avós que desejam colocar seus netos como dependentes da Previdência Social e buscarem a tutela mesmo com pais vivos, o que é

impossível, podendo ser aceita a guarda fática e não meramente formal com esse objetivo previdenciário.

Entretanto, há uma exceção, e isto ocorre quando uma adolescente, e por esse motivo submetido ao poder familiar de seus pais, acaba tendo um filho e mantém-se solteira (não emancipada). Logo os avós, neste caso, poderão ter a tutela do neto(a) concomitantemente com a filha (genitora), afinal a filha com o fato de ser mãe não se emancipa e faticamente não está madura suficientemente e independentemente financeira para cuidar sozinha de seu rebento. É o que se extrai do art. 1.633 do Código Civil164 e muito comum diante do grande número de crianças e adolescentes grávidas em nosso país.