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2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E

2.6 M UTAÇÃO DO D IREITO DAS F AMÍLIAS NO S ÉCULO XX

2.6.1 Entidades Familiares expressamente Constitucionalizadas

Como já mencionado, há uma divergência doutrinária e até mesmo jurisprudência quanto às entidades familiares reconhecidas pela Constituição Federal de 1988, principalmente para aqueles que defendem somente a existência das entidades familiares expressas no corpo da Lei Maior, que são o casamento79, união estável80 e a monoparental81.

2.6.1.1 Casamento

O casamento esboçado pelo Constituinte e regulamentado pelo Código Civil de 2002, inaugurando o Livro do Direito de Família ainda continua sendo a grande vedete do sistema legal, pois são dedicados nada mais, nada menos do que 110 artigos a respeito do assunto. Apesar deste excesso de artigos, não define o casamento, mas apresenta sua finalidade (CC 1.511): estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Determina seus efeitos e atribui encargos e ônus ao casal (CC 1.565): homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.82

Claro que agora o casamento, apesar de seu status legal e social, não é mais patriarcal, hierarquizado, patrimonializado, do Código Civil de 1916, mas continua ainda heterossexual, visto que a união de homossexuais ainda não é regulamentada no Código Civil de 2002. Para alguns, somente por emenda constitucional. Quanto à sua dissolução, é permitida desde 1977,

79 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

80 § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

81 § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

pela Lei 6.515, hoje regulamentado no próprio corpo de Código Civil, no seu artigo 1571, §1º.

Quanto à natureza jurídica do casamento, é marcado por seu formalismo e solenidade com dúvidas como um instituto público ou privado. Para a doutrina individualista o casamento é como um contrato de vontades convergentes para obtenção de fins jurídicos. Já a doutrina institucional assevera o conjunto de normas imperativas a que adere os nubentes e por último a doutrina eclética que caracteriza o casamento como ato complexo, um contrato quanto de sua formação e uma instituição no que diz respeito ao seu conteúdo.

Como afirma BERENICE83, tal discussão se revela estéril e inútil, pois os nubentes são livres apenas para se casarem, no mais são obrigados a aderirem a um contrato de adesão pré-estabelecido no Código Civil, isto numa visão paternalista do Estado em promover o bem de todos expresso no art.3º, IV da Constituição Federal.

Tamanha é a importância dada à solenidade religiosa que a própria Constituição Federal (art. 226 §2º) reconhece a possibilidade de ter seus efeitos para fins civis. Para isso basta atender os requisitos previstos nos artigos 1.515 e 1516 do Código Civil.

Com a finalidade específica dos nossos estudos é importante a democratização da gestão familiar dos filhos tanto pelo homem como pela mulher, com igualdade de condições no exercício do Poder Familiar e havendo divergências do casal, deverá ser dirimido pelo Juizado da Infância e Juventude ou do Juízo da Vara de Família, isto se o caso trate de situação de risco ou não que gera a competência de um ou do outro juízo, nos termos do art. 21 combinados com artigos 98 e 148, Parágrafo único, alínea d, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente.

2.6.1.2 União estável

Competindo em quantidade e importância com o casamento no âmbito sócio cultural, temos a união livre que antes não era reconhecida pelo legislador pátrio. Primeiro somente o casamento religioso, após com a secularização na república, o casamento civil. Aliás, na ordem natural das coisas primeiro surgem as uniões livres e somente houve sua resistência no reconhecimento jurídico a partir da instituição do casamento legalizado no século XVI.84

Mesmo com a desconsideração jurídica pelo legislador de 1916, no Código Civil, os tribunais de todo país, para evitar injustiça diante da realidade fática, inicialmente reconheciam que as mulheres prestavam um serviço doméstico e como tal tinham direito a uma indenização por esses serviços. Era uma forma distorcida para dizer que tinham essas mulheres conviventes, após a ruptura da união, uma pensão alimentícia.

Evoluiu ainda a jurisprudência para considerar tais situações como sociedade de fato no campo obrigacional, como verdadeiros sócios e, neste sentido, provada a contribuição do trabalho no caso sempre da mulher, esta teria direito a meação dos bens adquiridos na constância da união estável. A derrama de tais ações era enorme nos Tribunais a ponto de o Supremo Tribunal Federal editar a Súmula 380: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”

Com o reconhecimento explícito pela Constituição Federal de 1988 da união estável como entidade familiar no seu artigo 226,§3º, ficou a dúvida se seria auto-aplicável ou era necessária regulamentação infraconstitucional. Efetivamente os tribunais, na falta de regulamentação, continuaram aplicando a visão obrigacional com a mencionada Súmula 380.85

84 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil VI – Direito de Família. 5ª Edição. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 53.

A situação somente desanuviou com a edição da Lei 8.971/94, que garantia alimentos e o direito sucessório do companheiro. Entretanto, esta lei tinha ainda uma carga preconceituosa ao não reconhecer as uniões de pessoas separadas de fato de seus casamentos.

Ato contínuo, no ano de 1996, foi editada a Lei 9.278, com maior proteção à união estável, pois não exigiu prazo de convivência e reconheceu também a união das pessoas separadas de fato. Fixa, também, a competência das Varas de Família para apreciar as causas desta natureza e admitiu o direito real de habitação. E o mais importante no campo financeiro da relação à presunção juris et de jure de que os bens adquiridos a título oneroso no período de convivência são fruto do esforço comum, não havendo mais necessidade de comprovação da efetiva colaboração do companheiro para ter direito à meação.86

Entretanto, as referidas leis acabaram sendo revogadas, com a introdução na legislação pátria do Código Civil, Lei nº 11.406, vigente desde 11 de janeiro de 2003. Constante a regulamentação no Livro IV – Do Direito de Família – Título III – Da União Estável (arts. 1.723 a 1.727).

Interessante frisar que as citadas leis somente regulamentavam o antes denominado concubinato puro, ou seja, daquelas pessoas que não possuem impedimento para o casamento, e diante da sua articulação pejorativa passou-se a chamar de união estável. Já o concubinato impuro, ou seja, por pessoas que possuem relações extraconjugais agora é assim denominado “concubinato”, no artigo 1.727 do Código Civil e não pode deixar de ter suas conseqüências jurídicas já reconhecidas em julgados dos nossos tribunais.

Ao comentar o art. 1.723 do Código Civil, os professores NERY & NERY afirmam a:

“Convivência de homem e mulher para constituir família. A finalidade não é qualquer uma. É a que se qualifica pela disposição (pelo ânimo) de constituir família, de maneira duradoura. Ou seja, de se prestar a mútua assistência, moral e material um do outro, dos filhos e daqueles que estão sob a dependência do par, à

constituição e preservação do patrimônio, comum e de cada qual, para favorecimento do bem viver da comunidade familiar e para garantia das vicissitudes da vida dos companheiros, seus filhos e dependentes.”87

Esta espécie de entidade familiar é importante para este estudo, pois não traz prejuízo algum para os filhos oriundos deste tipo de relacionamento, como era no Código Civil de 1916. Filhos são filhos independentes de ser fruto de um casamento, de uma união estável, do concubinato ou chamada família paralela.

2.6.1.3 Família monoparental

Como já observado no presente trabalho, é crescente o número de famílias monoparentais, hoje em torno de 26%88, formadas apenas pela mãe e seus filhos, pelo pai e os filhos. A mãe, como cabeça da família monoparental, é a forma mais comum, isto devido ao abandono dos pais da família ou pela paternidade irresponsável não assumindo os rebentos concebidos.

É necessário lembrar que vivemos num regime democrático também nas relações familiares e, com isso, há uma facilidade tanto na união formal ou informal e o seu desenlace é facilitado pela separação judicial, divórcio ou de dissolução de fato, sem maiores rigores, estigmas e preconceitos. Com isso, muitas famílias passam para a monoparentalidade, sem os traumas que eram carregados no passado.89

A própria mulher hoje, com sua emancipação educacional e, por conseqüência, econômica, também não vê dificuldades em buscar a vida apenas com sua prole, sem a companhia do pai de seus filhos, isto quando

87 NERY Júnior, Nelson & NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 4 Edição. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2006, p. 942.

88 Cf. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Anuário estatístico do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, v. 61, 2003, passim.

89 DE OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos Constitucionais Do Direito de Família. 1º Edição. São Paulo: Revistas dos Tribunais. 2002, p. 215.

não faz a chamada produção independente, engravidando sem comunicar o pai ou fazem inseminação artificial.90

Entretanto, a grande maioria das mulheres que chefiam sua família é pobre, com baixa escolaridade, a maioria trabalhando como empregadas domésticas ou subempregos. O simples fato de a Constituição Federal, no § 4º do art. 226, ter reconhecida esta realidade em nada adianta se não contar com as práticas de políticas públicas para que os filhos dessas mulheres tenham creche e ensino infantil em tempo integral, inclusive nas férias escolares, pois caso contrário, como é usual, ficam sob os cuidados dos irmãos mais velhos ou à própria sorte, trancadas nos barracos, esperando as mães voltarem do trabalho, no final do dia.

É o caso de família substituta que o Estatuto da Criança e do Adolescente no seu artigo 42 permite na modalidade de adoção monoparental, ou seja, por pessoa solteira, viúva, separada ou divorciada que adotam sem necessidade que tenham parceiros. Caso fosse proibido seria um contra senso e um ato discriminatório abominável e inconstitucional.