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2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E

2.4 D OUTRINA DA S ITUAÇÃO I RREGULAR DO M ENOR

2.4.1 Primeiro Código de Menores do Brasil – Decreto 17.943-A de

Neste diapasão, para suprir a preocupação simplória do Código Civil, que surge o período da ação social do Juizado de Menores a quem caberá declarar a condição jurídica da criança “abandonada”, ou não, se “delinqüente” e qual o “amparo” que deveria receber.

Interessante destacar que esta jurisdicionalização da ação social não foi obra genuína dos nossos doutrinadores pátrios, mas sim uma avalanche oriunda do já citado primeiro Tribunal de Menores, em 1899, no Estado de

37 BOSCARO, Márcio Antonio Boscaro. Direito de Filiação. São Paulo: Revista Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 62 e 63, apud BEVILÁQUA, Clóvis, Direito de Família, p. 369.

38 DA SILVA PEREIRA, Tânia. Infância e Adolescência: Uma Visão Histórica de sua Proteção Social e Jurídica no Brasil. Apostila Digital da ABMP – Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância a Juventude, p. 62.

39 Idem., ob. cit., pág. 62. Apostila Digital da ABMP, apud BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil Comentado. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1995, p. 883.

Illinois, ocorrido nos Estados Unidos da América, que propalou na Europa entre 1905 a 1921.

Tal influência no Brasil foi materializada pelo projeto de lei apresentado pelo então Senador do Rio de Janeiro, Alcido Guanabara, em 1917, quanto da assistência à infância, trazendo como destaque: separação por faixa etária, separação das políticas para infratores e não infratores, imputabilidade de 9 para 12 anos.40

Todo esse movimento mundial desaguou no Brasil com o primeiro Juizado de Menores da América Latina ocorrido em 1923, tendo como seu Juiz inaugural o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, que era um respeitado catedrático do tradicional Colégio Pedro II e da Faculdade de Direito, também Deputado Federal e Diretor do Instituto Benjamin Constant. Era ele considerado o “Apóstolo da Infância Abandonada”.

Mello Mattos foi quem elaborou o projeto de Código de Menores que foi promulgado em 1927 pelo Decreto 17.943-A em 12 de outubro daquele ano, e por isso tal legislação é conhecida pelo seu nome: “Código Mello Mattos”.

Alguns doutrinadores colocam o Código de Menores como intermediário entre a Doutrina do Direito Penal e a Doutrina da Proteção Integral, mas por tudo que já foi dito até aqui, fica claro que o Código Civil, de 1916, somente tratava das crianças inseridas em – digamos assim – família normal, ficando um hiato para as crianças, ou melhor, para os abandonados e infratores. Neste raciocínio que o Código de Menores já trazia no seu bojo a definição jurídica de menores em situação irregular e o juiz de menores com uma função patológica para enquadrar esses meninos nesta patologia social reconhecida juridicamente, como se verá.

O Código de Menores de 1927 embutiu num contexto só “menor abandonado” e o “menor delinqüente”41. No artigo 26 agrupou em oito situações os “menores abandonados”.42

Não bastasse a questão de abandono, trouxe também a definição de “menor vadio”43 que, posteriormente, também foi considerado contravenção penal. Como última situação, o Código de Menores define o “menor libertino”44.

41 Art. 1º O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste Codigo.

42 Art. 26. Consideram-se abandonados os menores de 18 annos:

I. que não tenham habitação certa, nem meios de subsistencia, por serem seus paes fallecidos, desapparecidos ou desconhecidos ou por não terem tutor ou pessoa sob cuja, guarda vivam;

II. que se encontrem eventualmente sem habitação certa, nem meios de subsistencia, devido a indigencia, enfermidade, ausencia ou prisão dos paes. tutor ou pessoa encarregada de sua guarda; III, que tenham pae, mãe ou tutor ou encarregado de sua guarda reconhecidamente impossibilitado ou incapaz de cumprir os seus deveres para, com o filho ou pupillo ou protegido;

IV, que vivam em companhia de pae, mãe, tutor ou pessoa que se entregue á pratica de actos contrarios á moral e aos bons costumes;

V, que se encontrem em estado habitual do vadiagem, mendicidade ou libertinagem;

VI, que frequentem logares de jogo ou de moralidade duvidosa, ou andem na companhia de gente viciosa ou de má vida.

VII, que, devido á crueldade, abuso de autoridade, negligencia ou exploração dos paes, tutor ou encarregado de sua guarda, sejam:

a) victimas de máos tratos physicos habituaes ou castigos immoderados;

b) privados habitualmente dos alimentos ou dos cuidados indispensaveis á saude;

c) empregados em occupações prohibidas ou manifestamente contrarias á moral e aos bons costumes, ou que lhes ponham em risco a vida ou a saude;

d) excitados habitualmente para a gatunice, mendicidade ou libertinagem;

VIII. que tenham pae, mãe ou tutor, ou pessoa encarregada de sua guarda, condemnado por sentença irrecorrivel;

a) a mais de dous annos de prisão por qualquer crime;

b) a qualquer pena como co - autor, cumplice, encobridor ou receptador de crime commettido por filho, pupillo ou menor sob sua guarda, ou por crime contra estes.

43 Art. 28. São vadios os menores que:

a) vivem em casa dos paes ou tutor ou guarda, porém, se mostram refractarios a receber instruccão ou entregar-se a trabalho sério e util, vagando habitualmente pelas ruas e Iogradouros publicos; b) tendo deixado sem causa legitima o domicilio do pae, mãe ou tutor ou guarda, ou os Iogares onde se achavam collocados por aquelle a cuja autoridade estavam submettidos ou confiados, ou não tendo domicilio nem alguem por si, são encontrados habitualmente a vagar pelas ruas ou logradouros publicos, sem que tenham meio de vida regular, ou tirando seus recursos de occupação immoral ou prohibida.

44 Art. 29. São mendigos os menores que habitualmente pedem esmola para si ou para outrem, ainda que este seja seu pae ou sua mãe, ou pedem donativo sob pretexto de venda ou offerecimento de objectos.

Art. 30. São libertinos os menores que habitualmente:

a) na via publica perseguem ou convidam companheiros ou transeuntes para a pratica de actos obscenos;

b) se entregam á prostituição em seu proprio domicilio, ou vivem em casa de prostituta, ou frequentam casa de tolerancia, para praticar actos obscenos;

c) forem encontrados em qualquer casa, ou logar não destinado á prostituição, praticando actos obscenos com outrem;

O Código de menores previa no Capítulo VI, do artigo 55 ao artigo 67, vários procedimentos que deveriam ser adotados no caso de menores considerados abandonados. Interessante que denomina criança como coisa que será “depositada” em local próprio e caso não fosse “reclamado no prazo de 30 dias” será declarado abandonado e definido o seu destino, conforme expresso nos artigos 55 e 56 do Código de Menores.

No caso do então denominado “menor delinqüente”, na faixa etária de 14 anos de idade, não precisava ser submetido ao processo de qualquer espécie, ou seja, não tinha o devido processo legal e sua situação ficava ao alvitre do Juiz de Menores, sem qualquer formalidade especial no seu destino. Esta liberalidade do Juiz de Menores manteve a promiscuidade no Brasil de serem colocados num mesmo estabelecimento menores em situação de risco social com menores infratores.

Dispensou o Código de Menores a “pesquisa de discernimento” nos processos de crimes imputados aos menores de 17 anos, que era oriundo das Ordenações Filipinas, que foi herança de Portugal com a colonização do Brasil e mantido no início da República. Mas, em contrapartida, no seu artigo 69, parágrafo segundo, determinou que o “§ 2º Si o menor não fôr abandonado, nem pervertido, nem estiver em perigo de o ser, nem precisar do tratamento especial, a autoridade o recolherá a uma escola de reforma pelo prazo de um a cinco annos.”

Caso o menor infrator fosse considerado abandonado, a situação jurídica ficava mais grave ainda nos termos do art.69, parágrafo terceiro que dizia:

“§ 3º Si o menor fôr abandonado, pervertido, ou estiver em perigo de o ser, a autoridade o internará em uma escola de reforma, por todo o tempo necessário á sua educação, que poderá ser de tres annos, no minimo e de sete annos, no maximo”.

Como se verifica, a simples condição social do menor infrator era motivo para sua internação compulsória, ou seja, tinha como um dos motivos de seu isolamento social a sua desestrutura familiar.

Apesar destes absurdos acima indicados, concorda-se com a professora TÂNIA DA SILVA PEREIRA que o:

“Código Mello Mattos de 1927 é que trouxe uma abertura de uma visão legislativa sobre o problema das crianças e do adolescente em todos os seus aspectos. Antecedendo às grandes medidas tomadas pelos Organismos Internacionais e não obstante os defeitos naturais em um diploma pioneiro, é lícito apontá-lo como um código precursor, o qual colocou o Brasil na vanguarda dos países latino- americanos e preparou terreno para enfrentar a questão da infância desassistida, agravada pela problemática social, neste último meio século”.45

Indiscutivelmente a grande contribuição que o Código de Menores Mello Mattos deu para a proteção da população infanto-juvenil foi a proibição do trabalho de menores de 12 anos de idade e o trabalho noturno para os menores de 18 anos de idade, em capítulo próprio constante do artigo 101 ao artigo 125 do referido diploma, limitando ainda que jovens de 13 a 18 anos fizessem serviços insalubres ou incompatíveis com a constituição física dos menores e punindo quem utilizasse irregularmente o trabalho infantil.

2.4.2 Leis Posteriores de “Proteção e Assistência”

A legislação posterior ao Código Mello Mattos manteve aquela visão distorcida de misturar o “menor infrator” com o “menor abandonado” num único caldeirão legislativo, como foi o caso do Decreto-lei 6.026, de 24 de novembro de 1943, tidos esses jovens como inaptos ou desajustados socialmente.

Interpretando o referido Decreto-lei, BULHÕES DE CARVALHO destaca que são três os defeitos apresentados no sistema legal, a saber:

a) classifica os “menores” conforme tenham ou não praticado infração penal, quando os deveria distinguir apenas quanto ao grau de desajuste;

45 DA SILVA PEREIRA, Tânia. Infância e Adolescência: Uma Visão Histórica de sua Proteção Social e Jurídica no Brasil. Apostila Digital da ABMP – Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância a Juventude, p. 64.

b) não coloca os infratores sem temibilidade entre os menores abandonados;

c) não inclui entre os menores que carecem de medidas especiais de reeducação, os gravemente desajustados, ainda que não infratores.46

Na década de 40, tem-se a ressaltar a vigência do Código Penal, que fixa a não responsabilização penal do “menor de 18 anos”, trazendo adaptação do Código de Menores de 1927, pelo Decreto-lei 6.026/43, visto que imputabilidade penal até então era aos 17 anos de idade.

Por meio do Decreto-lei 3.779/41, foi implantado o Serviço de Assistência a Menores – SAM, com a finalidade de proteção aos “desvalidos e infratores”, com abrangência nacional, tendo ficado registrado na sua história por sua organização imprópria com viés de repressão institucional à criança.47

No ano de 1943, entrou em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, com introdução no ordenamento jurídico do Decreto-lei 5.452, de maio de 1943, regulamentando pormenorizadamente o trabalho do menor (a ponto de o Código de Menores de 1979, em seu art.83, fazer remissão à legislação especial; dá mesma forma feito pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, também fazer a mesma remissão – art.61.48

Destacou-se, também, em 1964, a Lei 4.513, de 1° de dezembro, criada em virtude da cobrança de políticas públicas na área que se agravava pelo crescimento urbano, instituindo a denominada FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, com o objetivo de fixar as diretrizes fundamentais da Política Nacional do Bem-Estar do Menor. Tal sistema teve a responsabilidade política direta do Presidente da República e tinha como finalidade precípua mudar a vertente de repressão e segregação para programas educacionais.49

46 Idem., ob. cit., p.. 64. Apostila Digital da ABMP, apud CARVALHO, Francisco Pereira de Bulhões. Direito do Menor. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 14 e 34.

47 PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 18.

48 Idem., ob. cit., p. 18 49 Idem., ob. cit., p. 18

A FUNABEM foi expandida aos Estados e Municípios pelas denominadas FEBEMS – Fundações Estaduais de Bem-Estar do Menor, sendo que, em 1974, fica vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social, por determinação do Decreto nº 74.000, de 1º de maio.

Houve uma distorção na finalidade da FUNABEM, que deveria atuar como órgão de articulação das políticas públicas afetas à área da infância e acabou atuando diretamente como agente executor, oferecendo programas pseudo-educacionais, com atendimento de alunos em regime de internato, semi-internato e externato, na verdade funcionando como um isolante das mazelas sociais. Fazendo a retirada dos jovens desassistidos das ruas, mas sem programas definidos, a entidade transformou-se num regime carcerário com graves conseqüências. Com o surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente em, 1990, a FUNABEM foi transformada em FCBIA – Fundação Centro Brasileiro para Infância e Adolescência, com base no novo paradigma da Doutrina da Proteção Integral, imprimindo uma mudança de mentalidade, evitando ao máximo a institucionalização de crianças e adolescentes. Com isso, gradualmente ocorreu o fechamento e extinção dos internatos.50

2.4.3 Segundo Código de Menores do Brasil – Lei 6.697, de 10.10.1979.