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6.6 Avaliação da atividade anti-Candida do EHF de Ziziphus joazeiro

6.6.6 Avaliação da atividade antifúngica da fração 07-CCFR07 frente a

A fim de complementar os resultados anteriores, a fração 07-CCFR07, concentrada em saponinas, foi testada frente a 15 isolados clínicos do banco de cepas do Laboratório de Micologia Médica e Molecular (LMMM) obtidos a partir do Hospital Universitário Onofre Lopes. Foram utilizadas 9 cepas de infecção sistêmica e 6 cepas de infecção superficial, coletadas de diferentes fontes, incluindo sangue, urina, cavidade oral e unha.

Após a determinação da CIM, foi observado que todas as cepas foram inibidas, exceto Candida parapsilosis LMMM 104 e C. parapsilosis LMMM 84 (CO) (Tabela 25). A susceptibilidade por cepa de uma mesma espécie e entre espécies foi variável, porém foi observada uma tendência de menor susceptibilidade para C.

Tabela 25 - Concentração inibitória mínima (CIM) da fração 07-CCFR07 testada frente a cepas clínicas.

Isolados clínicos CIM (mg/mL)*

Candida albicans LMMM 116 (U) 0,375±0,177

Candida albicans LMMM 78 (S) 0,25±0

Candida albicans LMMM 233 (S) 0,25±0

Candida glabrata LMMM 48 (CO) 0,188±0,088

Candida glabrata LMMM 79 (S) 0,25±0

Candida glabrata LMMM 249 (S) 0,188±0,088

Candida glabrata LMMM 255 (S) 0,25±0

Candida tropicalis LMMM 190 (Ur) 0,188±0,088

Candida tropicalis LMMM 21 (Ur) 0,625±0,530

Candida tropicalis LMMM 35 (O) 0,188±0,088

Candida parapsilosis LMMM 81 (S) 0,750±0,354

Candida parapsilosis LMMM 104 (U) +**

Candida parapsilosis LMMM 84 (CO) +

Candida dubliniensis LMMM 19 (CO) 0,188±0,088

Trichosporon asahii LMMM 451 (S) 0,188±0,088

* média amostral ± desvio padrão amostral (n = 2);

**Crescimento do micro-organismo na concentração limite de amostra testada S = sangue. Ur = urina. CO = cavidade oral. U = unha;

O gráfico a seguir (Figura 34) sintetiza todos os resultados de CIM obtidos para a fração 07-CCFR07 frente a cepas de referência e isolados clínicos. Pode-se observar que 15 (68 %) das 22 cepas foram inibidas numa CIM média menor ou igual a 250 µg/mL. As únicas espécies que apresentaram exemplares com menor susceptibilidade (CIM > 0,5 mg/mL e < 1 mg/mL) ou ausência de inibição (CIM > 1 mg/mL) foram C. tropicalis, C. parapsilosis e C. krusei.

Figura 34 - Valores de CIM observados para a fração 07-CCFR07 frente a cepas de referência e cepas clínicas.

CA = Candida albicans. CG = C. glabrata. CT = C. tropicalis. CP = C. parapsilosis. CD = C. dubliniensis. CK = C. krusei. TA = Trichosporon asahii. Fonte: autor. 0,094 0,375 0,25 0,25 0,094 0,188 0,25 0,188 0,25 >1 0,188 0,625 0,188 0,188 0,75 >1 >1 0,188 0,188 >1 1 0,125 0,188 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 CIM ( mg/m l) Cepa de referência Cepa clínica

Posto que neste trabalho não foi realizada uma análise fenotípica detalhada das cepas, nem se conhece o mecanismo de ação dessa fração, não é possível afirmar a razão de C. tropicalis, C. parapsilosis e C. krusei apresentarem menor susceptibilidade. Acrescenta que, em estudos epidemiológicos, a susceptibilidade de espécies do gênero Candida varia de acordo com a região geográfica, sítio de coleta e tamanho da amostra de cepas coletadas. Por exemplo, no estudo de Neves-Junio et al. (2015), realizado num hospital terciário de Minas Gerais, Candida tropicalis foi a espécie com maior prevalência de resistência ao fluconazol (45 %); por outro lado, num estudo realizado na Itália entre 2006 e 2008, envolvendo 38 UTIs de 27 hospitais,

Candida parapsilosis foi a que apresentou a maior prevalência (25,8%) de

resistência ao fluconazol (TORTORANO et al., 2012). Apesar disso, é possível sugerir hipóteses levando em consideração um dos principais efeitos biológicos das saponinas: a perturbação de membranas.

A discussão quanto o mecanismo de ação das saponinas sobre membranas biológicas ocorre desde 1962, em que cientistas, em seu artigo publicado no periódico Nature, investigaram o efeito dessas substâncias sobre membranas de vírus, células de fígado de galinha e eritrócitos de humanos e de cobaias (DOURMASHKIN; DOUGHERTY; HARRIS, 1962). Desde então, foram realizados vários estudos para obter evidências de como as saponinas interagem a nível molecular com os componentes da membrana. Apesar disso, até o momento, não há uma explicação única e definitiva de como as saponinas atuam em membranas em virtude da variação observada nos resultados, que dependem da natureza química da saponina estudada, como tipo de aglicona e glicosilação (AUGUSTIN et al., 2011HU; KONOKI; TACHIBANA, 1996; KORCHOWIEC et al., 2015; SUDJI et al., 2015; WOJCIECHOWSK et al., 2016). No entanto, a maioria dos trabalhos apontam para um elemento em comum, sobre o qual as saponinas atuam para que ocorra a perturbação da membrana: o colesterol.

Em estudos que utilizaram monocamadas de fosfolipídeos e colesterol, foi medida a influência das saponinas sobre os parâmetros físicos-químicos dessas membranas artificiais, sendo observado que algumas as saponinas interagem fortemente com o colesterol presente nessas membranas (KORCHOWIEC et al., 2015.; WOJCIECHOWSKI et al., 2016).

Em outro estudo, foram utilizadas células de carcinoma de bexiga contendo colesterol marcado radioativamente, para avaliar a influência de diferentes saponinas triterpênicas sobre o teor de colesterol, além de avaliar a toxicidade sobre a membrana plasmática. Foi constatado que as saponinas com maior toxicidade a membrana também foram as que mais diminuíram o teor de colesterol nela, bem como foram capazes de impedir a incorporação do colesterol (BÖTTGER; MELZIG, 2013).

Adicionalmente a esses trabalhos, Agustin et al. (2011), a partir de uma revisão na literatura, propuseram 3 modelos de como as saponinas causam a perturbação da membrana a nível molecular. Nesses modelos, os esteroides, como o colesterol, são necessários para que saponinas causem a desestabilização da membrana. Portanto, as saponinas tratadas neste trabalham possivelmente inibem o crescimento de Candida e Trichosporon

asahii por esse mecanismo membranolítico.

Posto que o ergosterol é o principal esteroide que compõe a membrana de células fúngicas, a menor susceptibilidade observada para C. tropicalis, C.

parapsilosis e C. krusei poderia ser explicada com base numa alteração do teor

de ergosterol da membrana, caso o mecanismo das saponinas estudadas fosse a complexação com o ergosterol e outros esteroides.

Candida krusei ATCC6258 é a única cepa deste estudo da qual se

conhece previamente sua susceptilibidade aos antifúngicos azólicos, que inibem a síntese do ergosterol. Segundo OROZCO et al. (1998), essa cepa de referência apresenta resistência aos azólicos, possivelmente devido a uma menor afinidade da enzima 14-α-demetilase a esses antifúngicos. Não se sabe o que esse mecanismo de resistência poderia influenciar na menor susceptibilidade às saponinas, considerando a hipótese de se complexarem com os esteroides da membrana para danifica-la. Porém, isso abre perspectivas para estudos mais detalhados acerca dos mecanismos envolvidos na menor susceptibilidade dessa espécie. Ademais, outra perspectiva para futuros trabalhos é avaliar se a atividade dessa fração enriquecida em saponinas é dependente da presença de ergosterol e outros esteroides na membrana da célula fúngica. Isso poderia ser realizado por meio da determinação do teor de ergosterol nas leveduras e se a presença do ergosterol ou outro esteróide no meio extracelular aumentaria a CIM da fração

enriquecida em saponinas. Caso essa hipótese não se concretize, poderiam ser realizados estudos mais detalhados por técnicas ômicas, como metabolômica, proteômica e transcriptômica.

Em suma, foi demonstrado que as substâncias antifúngicas do EHF de

Ziziphus joazeiro Mart. são as saponinas, as quais possivelmente estavam em

menor concentração no extrato antes do fracionamento. A fração 07-CCFR07 apresentou atividade frente a uma variedade de cepas de Candida, abrangendo cepas das principais espécies observadas em estudos de prevalência de infecções invasivas (YAPAR, 2014). A técnica de bioautografia mostrou-se uma importante ferramenta para o fracionamento bioguiado ao aliar informações de atividade biológica com informações fitoquímicas. Novamente, é importante ressaltar a cautela que se deve tomar na realização desse tipo de estudo, evitando basear-se em poucos resultados e critérios para descartar uma amostra. Não foi encontrado na literatura, até o momento, trabalhos com abordagem e finalidades semelhantes para a espécie, assim como para o gênero. Assim, este estudo tem caráter inédito e abre novas oportunidades de investigação científica.