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Por muito tempo, a avaliação convencional contribuiu para os processos de exclusão na escola, por consagrar o privilégio cultural (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1998), por estar dissociada da vida real, por ter função meritocrática e excludente. Serviu como um instrumento de conformação da ordem, pois acreditava-se que somente as crianças das classes mais abastadas, com um maior capital cultural (conhecimento artístico e cultural transmitido pela família) obtinham êxito na escola, legitimando e produzindo a exclusão social das classes populares, que se mantinham em profissões menos nobres, numa espécie de “eliminação adiada” (FREITAS, 2002, p. 308).

Ao contrário dos teóricos reprodutivistas (em especial Bourdieu e Passeron), que se referem ao fracasso escolar como um reflexo das desigualdades sociais, da origem social e do capital humano (aqueles com mais competências e habilidades serão bem-sucedidos), Bernard Charlot acredita que esses fatores não são determinantes, mas, sim, a relação que se estabelece com o saber. Para ele, não existe fracasso escolar e, sim, estudantes em situação de fracasso, por viverem situações adversas, que contribuem para o insucesso escolar. O autor segue afirmando que

O fracasso escolar não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas histórias é que

devem ser analisadas, e, não, algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente, chamado ‘fracasso escolar’ (CHARLOT, 2000, p. 16).

Essas desvantagens individuais, tão características dos/as alfabetizandos/as da EJA, estão relacionadas com a posição social da família, a singularidade desses sujeitos, suas significações e ressignificações, suas práticas e as especificidades deles/as. Dessas constatações, apontadas por Charlot (2000), reitera-se a importância de uma avaliação diferenciada, que valorize os/as estudantes e respeite seus ritmos de aprendizagem.

O processo de democratização escolar possibilitou o acesso desses sujeitos trabalhadores à escola, mas não garantiu sua permanência, sobretudo porque essa mudança no “metabolismo escolar” (FREITAS, 2002, p. 309) gerou uma transformação na forma de exclusão, incrementando as disparidades socioculturais.

Os estudos de Freitas (2005; 2002; 2014) e Villas Boas (2017) demonstram a centralidade da avaliação na organização do trabalho pedagógico, que, em uma perspectiva tradicional de educação (contrária à defendida por esses autores), tem uma intencionalidade sociopolítica – reproduzir os interesses da classe dominante. Além disso, por dissociar-se dos objetivos da aprendizagem, do desenvolvimento e do reconhecimento dos sujeitos culturais e por impregnar-se de juízo de valores (sem que haja uma avaliação formal dos estudantes), acaba por contribuir para a exclusão social dos educandos (exclusão subjetiva). Sobretudo, porque a

...escola encarna funções sociais que adquire do contorno da sociedade na qual está inserida (exclusão, submissão – por exemplo) e encarrega os procedimentos de avaliação, em sentido amplo, de garantir o controle de consecução de tais funções... (FREITAS, 2014, p. 18).

Isso ocorre essencialmente porque os processos didáticos e avaliativos encontram-se imbricados aos objetivos da escola e, consequentemente, aos do sistema de ensino. Dessa forma, “... a avaliação incorpora objetivos ocultos do processo de ensino, motivados pela função social que é atribuída à escola” (VILAS BOAS em FREITAS, 2005, p. 209).

Por isso, a avaliação informal (comentários e opiniões advindos das relações dos sujeitos educativos no convívio escolar) precisa ocorrer paralelamente à avaliação formal (instrumentos explícitos de avaliação), por meio de registros e comentários sobre o desempenho dos educandos. Essa prática serve como feedback para melhoria do ensino e da aprendizagem (intenção formativa), contribuindo para o sucesso escolar desses/as estudantes em situação de fracasso. Uma ideia corroborada no seguinte trecho do texto de Freitas (2014):

A avaliação, a despeito do conteúdo e do método, impõe um ‘modelo de raciocínio’, uma ‘forma de pensar’, uma forma de o professor se relacionar com os alunos, embutidas em suas práticas especificas. Estes modelos também se tornam objeto de

avaliação e, portanto, definem a aprovação ou não, a continuidade ou não, o acesso ao conhecimento sistemático ou não (FREITAS, 2014, p. 25).

Dessa forma, é a intencionalidade do ato avaliativo que torna a avaliação um agente de inclusão ou exclusão no contexto escolar. Para Freitas (2014) a avaliação “além de ser contínua, tem a finalidade de orientar a inclusão e o acesso contínuo de todos os conteúdos” (FREITAS, 2014, p. 17). Assim, a avaliação do ensino-aprendizagem (aquela que tem como finalidade a aprendizagem do educando e do educador e também o desenvolvimento da escola) precisa dispor de instrumentos diversificados, em momentos diversos, a fim de alinhá-la aos objetivos da instituição escolar e às demandas coletivas.

À vista disto, a avaliação necessita ser encorajadora e voltar-se para as aprendizagens, para que pré-conceitos não sejam utilizados para confirmar resultados avaliativos, principalmente no primeiro segmento da EJA, por reunir sujeitos que tiveram pouco ou nenhum contato com a escola.

Quando a avaliação é entendida como instrumento (com a finalidade de medir – através de conceitos e notas – se os objetivos de sala de aula foram ou não atingidos) e não como um processo, reveste-se de poder, reforçando, entre outras coisas, a efetividade do processo para alcance das metas subjacentes à instituição: manutenção do status quo e da sociedade de classes, intensificando as desigualdades sociais, principalmente porque a avaliação norteia todo o trabalho pedagógico e contribui direta ou indiretamente para o sucesso ou o fracasso escolar.

Isso ocorre porque a nota, por ser um “motivador artificial” (FREITAS, 2002, p. 317), gera medo e conformismo, motivando extrinsecamente os/as estudantes para os estudos, ao passo que os/as responsabiliza pelo próprio desempenho. Dessa forma, enfatiza-se o esforço pessoal diante da falsa ideia de igualdade de oportunidades, sem considerar a multiplicidade dos sujeitos.

Assim, essa lógica excludente de avaliação na EJA – incutida política e ideologicamente, a fim de manter a dicotomia entre o pensar e o fazer (trabalho manual e intelectual), alienando jovens, adultos/as e idosos/as do processo de aprendizagem – pode ser superada. É mister que a escola se constitua democraticamente, favorecendo a construção coletiva de seus processos, juntamente com a comunidade escolar. Para tal, deve trabalhar com as diferenças e para as diferenças, possibilitando a inclusão desses/as trabalhadores/as estudantes. Esse trabalho diferenciado perpassa todas as atividades escolares, transformando os/as educandos/as em agentes de sua própria aprendizagem, valorizando-os/as e encorajando- os/as.

E este protagonismo afetivo-amoroso, político, epistemológico e pedagógico dos/as educandos/as deve permear o planejamento da escola, do currículo, dos planos de cursos, dos planos de disciplinas, dos planos de aula, da avaliação e, consequentemente, da autoavaliação. Sobretudo, porque dentro de uma perspectiva histórico cultural, quer sob a ótica de Freire ou de Vygostsky, possibilita um resultado avançado de aprendizagem e desenvolvimento humano (REIS, 2011).

Por esta razão, deve-se atentar para a relação entre o par dialético avaliação/objetivos, citada nos estudos de Freitas (2005; 2014), para que se tenha um processo mais coerente com a realidade dos/as educandos/as da EJA, haja vista a relevância dessa relação para o processo de ensino e aprendizagem. A correlação entre o par dialético referendado pelo autor busca estabelecer a autonomia dos/as educandos/as, por meio de um trabalho reflexivo, voltado para as aprendizagens (perspectiva formativa) e não para os resultados (perspectiva somativa).

Segundo Villas Boas (2008), a avaliação deve articular-se com os objetivos e metas do Projeto Político Pedagógico da escola. Precisa ser “mediadora, emancipatória, dialógica, fundamentada, cidadã” (VILLAS BOAS, 2008, p. 39), coerente e inclusiva. Por isso, necessita ser desenvolvida de forma colaborativa, preferencialmente com a participação dos/as estudantes, propiciando a autonomia e a reorganização do trabalho pedagógico. Assim, os educandos passam a identificar seus erros, acertos e lacunas (monitoram a própria aprendizagem), com o intuito de buscar as melhores formas de aprender. Ideia que vem ao encontro de uma avaliação proporcionadora da constituição de um sujeito humano e, como tal, em libertação, transformação e emancipação.

A seguir trago um breve histórico sobre a avaliação formativa e traço um paralelo entre ela e a autoavaliação, a fim de demostrar que a autoavaliação é uma aliada da avaliação formativa e, consequentemente, do ensino e da aprendizagem.