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1.3 A OBSERVAÇÃO DE CAMPO: UM TRABALHO DE AÇÃO-REFLEXÃO-

1.3.3 Segunda fase de ação e segunda fase de avaliação (2º semestre de 2018)

As análises das fases anteriores e do processo avaliativo na Escola Carandá-Guaçu conduziram a pesquisa a um novo patamar em que eu, enquanto pesquisadora, implicada no contexto de sala de aula, deveria desenvolver atividades de autoavaliação com os/as educandos/as, com o propósito de averiguar o progresso das aprendizagens. Todavia, eu deveria escolher entre seguir com a turma da primeira etapa, que eu já conhecia, ou acompanhar a terceira etapa com o educador Miguel, que era mais aberto à pesquisa e estava disposto a ajudar. Após algumas ponderações, decidi continuar a parceria com Miguel (que conversou com Vera,

pois Hannah não estava mais na Escola) e desenvolver intervenções que possibilitassem a autoavaliação do processo de aprendizagem dos/as educandos/as.

À medida que ia interagindo com a turma e com os educadores, fui formulando os instrumentos autoavaliativos de acordo com o tempo e o espaço disponibilizados às minhas intervenções e levando em conta as ponderações dos educadores. Eu dizia o que pretendia fazer, e eles opinavam de acordo com o que acreditavam ser o mais adequado. E assim fui delineando as estratégias que seriam utilizadas com os meus interlocutores. Por mais que eu buscasse criar instrumentos com a participação dos/as educandos/as, os educadores me dissuadiam, pois não dispúnhamos de tempo suficiente e nem viam meios para fazê-lo, principalmente por essa não ser uma prática usual na Escola.

Assim, decidi trabalhar com entrevistas de grupos, as quais denominei de intervenções autoavaliativas I (com a turma toda) e II (em pequenos grupos, na sala de aula), para promover uma autoavaliação sobre as aprendizagens e sobre as intenções de aprendizagens dos/as educandos/as. A entrevista de grupo é uma técnica investigativa recorrente na educação, pois pode ser praticada com grupos constituídos socialmente, sendo imprescindível que o entrevistador tenha interesse pela realidade em que estão inseridos os entrevistados, levando-se em consideração o “conjunto de significações do grupo” (AMADO, 2013, p. 224). Essa ideia dialoga com os objetivos desta pesquisa.

No segundo semestre de 2018, acompanhei sete aulas de matemática (três para ajudar os/as estudantes com as tarefas, uma para acompanhar avaliação escrita, uma para acompanhar retorno de provas e duas para aplicar a intervenção autoavaliativa II) e nove de português (quatro para ajudar os/as estudantes com as tarefas, uma para acompanhar avaliação escrita, uma para acompanhar correção de prova com autoavaliação e aplicar a intervenção autoavaliativa I, uma para entrevistar a educadora e duas para aplicar a intervenção autoavaliativa II). Dos 22 educandos/as mais frequentes (havia 35 estudantes matriculados/as), ouvi 21.

A seguir apresento brevemente as atividades que presenciei e protagonizei ao longo do segundo semestre de 2018, e que serão analisadas em detalhes nos próximos capítulos.

As entrevistas de grupo – Intervenções autoavaliativas I e II

Por intermédio da intervenção autoavaliativa I, busquei oportunizar aos/as educandos/as e à educadora presente uma reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem. Foi um momento de discussão com a turma toda, em que nem todos/as os/as educandos/as se sentiram

à vontade para falar. Isso pode ter ocorrido por timidez, pela presença intimidadora da educadora Vera, por não terem entendido o que deveriam fazer ou por não estarem acostumados/as com esse tipo de atividade. Contudo, aos poucos eles/as foram se soltando.

Os/as educandos/as foram questionados sobre: como o processo avaliativo ocorria e qual era a sua importância, como os educadores os/as avaliavam e como se sentiam, o que acharam das provas escritas e como se sentiram ao realizá-las (já haviam feito as provas de português e de matemática), se conseguiam escrever pequenos textos, quais eram as dificuldades que tinham ao ler e escrever, como poderiam melhorar, como o educador poderia ajudá-los/as, as operações matemáticas que conseguiam realizar com segurança, como se sentiram ao realizar a autoavaliação e como o exercício (autoavaliação) poderia ajudá-los/as. Ao final, a educadora foi questionada sobre como as falas dos/as educandos/as poderiam ajudá-la (vide APÊNDICE E, página 182).

Na intervenção autoavaliativa II (vide APÊNDICE F, página 183), trabalhei com figuras, para iniciar uma conversa sobre as metas de aprendizagens que cada um tinha, a fim de entender como se percebiam em relação às intenções de aprendizagem: como eles/as estavam no processo, como se percebiam em relação aos/as colegas e como a comunidade escolar poderia ajudá-los/as a alcançar o que eles/as queriam realizar e ainda não conseguiam.

Inicialmente busquei levantar o perfil da turma com perguntas mais gerais (nome, idade, estado civil, número de filhos, ocupação, naturalidade, há quanto tempo estudava na Escola Carandá-Guaçu e se havia alguém para ajudá-lo/a nos estudos). Num segundo momento, perguntei sobre o processo avaliativo na Escola (como eram avaliados/as e o que entendiam por avaliação). Em seguida, entreguei um kit com 8 figuras para cada um, para facilitar a reflexão sobre o motivo que o/a levou a começar ou a voltar a estudar. As ideias para as figuras vieram dos motivos apresentados por Duarte (2017) e das minhas intervenções realizadas com os/as educandos/as da primeira etapa no primeiro semestre de 2018. As gravuras foram retiradas do google imagens (vide APÊNDICE G, página 184).

A partir da escolha da figura, manteve-se um diálogo acerca das intenções de aprendizagem de cada um, mediado pela entrevistadora (vide APÊNDICE F, página 183). As entrevistas foram realizadas em grupos de quatro ou cinco estudantes, durante as aulas de português e matemática. Os/as estudantes ficavam em grupos nas aulas de Miguel, que, após a primeira avaliação escrita, passou a trabalhar com reagrupamento interno (técnica de caráter prognóstico, que visava a adaptar o conteúdo às necessidades dos/as educandos/as, a fim de

mitigar as dificuldades de aprendizagem encontradas)27. E eu era inserida nos grupos quando os/as educandos/as estavam realizando exercícios.

A intervenção autoavaliativa II contou com cinco grupos, que interagiram de formas diversas, predominando assuntos bem específicos: o grupo 1 falou muito de suas lutas e superações; o grupo 2 falou sobre a vida e sobre a importância dos colegas na aprendizagem; o grupo 3 enfatizou as preocupações com os filhos e foi o primeiro grupo a falar das desistências na Escola; o grupo 4 falou de como poderiam melhorar as aprendizagens, ressignificando seus percursos, demonstrando preocupação com o possível fechamento da Escola; o grupo 5 respondeu às perguntas sem se alongar nas respostas (vide QUADRO 15).

Os/as educandos/as do grupo 5 apresentaram uma certa resistência e, em suas falas, alguns/as foram bem sucintos/as e outros/as mais prolixos/as. De um modo geral, manteve-se um clima descontraído, principalmente nos grupos em que havia um vínculo maior entre os/as participantes. A duração das intervenções variou entre 18 minutos e 56 segundos e 51 minutos e 41 segundos (vide QUADRO 15).

27 O educador dividiu a turma de acordo com o grau de facilidade ou dificuldade de cada estudante e levou em

conta esses níveis no momento de disponibilizar as atividades nos grupos, trabalhando, assim, de forma mais individualizada. Essa técnica possibilitou um maior entrosamento e reciprocidade entre os/as educandos/as.

QUADRO 15 – PECULIARIDADES DE CADA GRUPO

GRUPOS ESDUCANDOS/AS GRAU DE INTERAÇÃO E INTERESSE

- Grupo 1 - Data: 26/10/18 - Tempo: 24’’07’

E7, E8, E17 e E21 - Estudantes com mais facilidade e independência. - Cada um respondeu às perguntas sem interagir muito com os outros.

- Num primeiro momento, as três senhoras do grupo queriam terminar o exercício do educador.

- Falaram com orgulho de suas lutas e superações. - Grupo 2

- Data: 26/10/18 - Tempo: 27’’23’

E5, E16 e E20 - Grupo heterogêneo em termos de facilidade e independência.

- Cada um respondeu às perguntas sem interagir muito com os outros.

- Fizeram reflexões sobre a vida e sobre a importância dos colegas na aprendizagem.

- A quarta integrante, E11, não demostrou interesse em participar, estava mais preocupada com as folhas do exercício que ela não conseguia achar. Respondeu só as primeiras questões.

- Grupo 3 - Data: 13/11/18 - Tempo: 27’’12’

E6, E10, E13, E14 e E15

- Estudantes com mais dificuldades de aprendizagem. - Houve interação entre os integrantes do grupo, que compartilharam sentimentos de perdas e conflitos familiares.

- Tema recorrente: o amor pelos filhos.

- Ressaltaram a culpa da Escola e dos educadores ao falarem das desistências.

- Mostraram-se preocupados com o possível fechamento da Escola e falaram que a troca de educadores a cada semestre acaba por prejudicar. - Grupo 4

- Data: 20/11/18 - Tempo: 51’’41’

E4, E9, E18 e E19 - Grupo heterogêneo em termos de facilidade e independência.

- Houve muita interação entre os integrantes do grupo, que trocaram ideias sobre como melhor as aprendizagens, ressignificando seus percursos. - Mostram-se preocupados com o possível fechamento da Escola e falaram que a troca de educadores a cada semestre acaba por prejudicar.

- Grupo 5 - Data: 23/11/18 - Tempo: 18’’56’

E1, E2, E3, E11 e E12 - Grupo heterogêneo em termos de facilidade e independência. Com exceção de E2, todos apresentavam dificuldade de se expressar e respondiam as perguntas de forma bem sucinta. - Em muitos momentos, senti que copiavam a fala dos colegas.

- Os/as educandos/as não queriam participar, pois estavam fazendo a tarefa do professor. A intervenção de Miguel foi necessária.

FONTE: Elaboração da pesquisadora (2018).

O retorno das avaliações escritas de português

O educador Miguel, após a primeira prova escrita de gramática e interpretação de texto, fez considerações individuais sobre o desempenho nas provas, apontando pontos positivos e frágeis. Ele explicou sobre o trabalho em grupo (reagrupamento interno) e quis saber de cada

um se era uma boa ideia. Em seguida, perguntou o que os/as estudantes achavam das aulas e do educador. Com o intuito de que eles/as se autoavaliassem, ele questionou como eles/as poderiam melhorar, dava dicas e os/as motivava. Indagou sobre a turma e quantas vezes cada um/a tinha reprovado. Da mesma forma que no semestre anterior, Miguel pediu a autorização de cada educando/a para que eu acompanhasse os comentários sobre as provas e eles/as aceitaram, pelo fato de eu os/as estar ajudando nas aulas. Acompanhei o retorno que o educador Miguel deu para oito educandos/as. De um modo geral, eles/as se saíram bem na prova e teceram vários elogios à aula e ao educador. Esses resultados serão apresentados em detalhes no capítulo 4.

O retorno da avaliação escrita de matemática

Em conversas com a educadora Vera, que eu acompanhava às terças-feiras, acordamos que eu realizaria a intervenção autoavaliativa I após a correção coletiva da prova escrita de matemática. Assim, ela entregou a prova corrigida e com menção para os/as educandos/as e foi resolvendo no quadro as questões da prova. Reforçou que eles/as deveriam observar os erros para que pudessem ficar mais atentos a eles. Enquanto fazia a correção, ela ia perguntando se eles/as estavam entendendo, mas não os/as ouviu de fato, até mesmo porque eles/as diziam que estavam acompanhando. Pelo que pude observar, de um modo geral, a turma se saiu bem, pois fui acompanhando a correção de mesa em mesa: vi muitos MM e MS, mas poucos SS28.

A fim de obter o feedback dos/as educandos/as, alguns minutos antes do intervalo, Vera entregou um questionário de autoavaliação para que respondessem. O questionário continha as seguintes perguntas (vide ANEXO A, página 174): você frequenta as aulas?, você participa das aulas e realiza as atividades?, você está aprendendo?, como você pode melhorar no processo ensino-aprendizagem?, e como a educadora pode contribuir para o seu aprendizado? Ela explicou as questões e os/as deixou respondendo sozinhos. Na entrevista com Vera, eu a questionei sobre as respostas dos/as educandos/as e utilizo-me do que ela disse para compor as análises do capítulo 4.

28 Menções atribuídas ao desempenho dos/as educandos/as, em que a nota é calculada sobre a base 100 e dividida

por 10, recebendo as seguintes equivalências numéricas: SS – Superior – 9,0 a 10,0; MS – Média Superior – 7,0 a 8,9; MM – Média – 5,0 a 6,9; MI – Média Inferior – 3,0 a 4,9; II – Inferior – 0,1 a 2,9; SR – Sem Rendimento – 0 (Zero) ou acima de 25% de faltas.

Entrevistas semiestruturadas – educadores da terceira etapa

Na terceira etapa, havia três educadores: um de português (Miguel, que estava na turma às quartas, quintas e sextas-feiras), e duas de matemática (Vera, que estava na turma às terças- feiras, e uma outra com quem não cheguei a ter contato, que ministrava aulas às segundas- feiras). Eu acompanhava a turma às terças e sextas-feiras e, por estar em contato com Miguel e Vera, decidi entrevistá-los. Tivemos várias conversas informais, que registrei no meu diário de bordo, mas algo mais formal se concretizou nas entrevistas semiestruturadas. Por meio delas, pude levantar o perfil dos dois educadores e obter a concepção deles sobre o processo avaliativo desenvolvido na Escola e por eles (vide APÊNDICE I, página 187).

Avaliação final do GENPEX

A avaliação final do GENPEX ocorreu por etapa de ensino e consistia em um questionário autoavaliativo (vide ANEXO C, página 176) que os/as educandos/as responderam com a ajuda dos integrantes do grupo. Eles/as tinham que avaliar o próprio desempenho, dizer se o grupo cumpriu com o acordo de interesses estabelecido no início do semestre com eles/as e com os educadores, opinar se os temas abordados foram relevantes, apontar o que mais gostaram e sugerir mudanças. Essas respostas contribuíram para o crescimento do grupo e dos/as educandos/as da Escola Carandá-Guaçu, que ganhavam voz ao verbalizarem seus percursos, seus sentimentos em relação ao trabalhado realizado e suas expectativas, num processo de implicação e ação-reflexão-ação que a pesquisa-ação demanda de todos os envolvidos.