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4.1 O PROCESSO AVALIATIVO NA ESCOLA CARANDÁ-GUAÇU

4.1.3 Como os/as educandos/as se percebem no processo

Nessa seção, abordo como os/as educandos/as se percebem no processo avaliativo. E trago ao diálogo os seguintes autores: Barcelos (2014), Freitas (2005), Galvão e Di Pierro (2013), Hoffmann (2014) e Villas Boas (2011).

A avaliação, segundo Freitas (2005), é uma prática pedagógica que desperta diversos sentimentos aversivos nos estudantes, como medo, ansiedade, frustração, injustiça, indiferença e descrença. Contudo essa ideia não foi constatada na maioria dos/as educandos/as da terceira etapa. A maior parte deles disse que se sentiu bem e à vontade com a prova, não sentiu medo nem insegurança. O que pode ser justificado pelo fato de eles/as se sentirem à vontade com os educadores, por serem repetentes, ou simplesmente porque entendem que são avaliados/as de forma processual, apesar de a prova ter uma maior relevância para eles.

Os educadores relataram que, quando os/as educandos/as se percebem num processo contínuo, eles/as se sentem mais confiantes, com menos medo da avaliação, além de se sentirem mais entusiasmados, contrariando o estigma do termo ‘prova’, que deixa o/a estudante inseguro e com receio de não conseguir responder as questões. “Mas, com a avaliação formativa, ele é

avaliado e nem percebe, assim tem mais entusiasmo para aprender” (Marta). De certa forma,

acredito que essa é uma concepção sustentada pelo aporte teórico da avaliação, presente tanto nos documentos da SEEDF quanto no PPP da Escola.

A fala da educadora ressalta a relevância da avaliação formativa para os/as educandos/as, que paulatinamente vão perdendo o medo de serem avaliados/as, tornando-se agentes ativos do processo de aprendizagem. Villas Boas (2011) busca suporte nos estudos de Stiggins (1999) para ressaltar que a avaliação pode ser utilizada para construir a confiança do estudante e melhorar o trabalho pedagógico. “Pode-se entender por confiança do estudante o fato de ele se sentir à vontade e seguro no processo de aprendizagem e avaliação, não se perceber punido, ameaçado nem constrangido” (VILLAS BOAS, 2011, p. 28). Para tal, faz-se necessário um trabalho pedagógico de dessilenciamento e de valorização desses sujeitos, num espaço saudável de convívio e de trocas.

Aparentemente os/as educandos/as da Escola Carandá-Guaçu desfrutavam da condição referenciada no parágrafo anterior. Por se tratar de adultos/as e idosos/as, pessoas humildes e trabalhadoras que buscam na educação formal um meio de ascenderem social, cultural e profissionalmente, é possível que despertem nos educadores um acolhimento e uma maior simpatia. Hoffmann (2014) ressalta a importância do diálogo na relação do educador com o educando, que pode “desencadear diferentes reações, atitudes de receptividade ou de divergência” (HOFFMANN, 2014, p. 92) nos/as educandos/as. Assim, o trabalho pedagógico deve se pautar pela aceitação e compreensão das singularidades dos sujeitos dessa relação.

Na intervenção autoavaliativa I (vide APÊNDICE E, página 182), ao serem questionados sobre o que acharam das provas, os/as educandos/as disseram que foram fáceis:

“Foi fácil, foi só fazer” (Educanda E10). E vários/as deles/as disseram, ao mesmo tempo, que

se sentiram bem com as provas e que gostaram de ser avaliados/as: “Eu me senti muito bem,

achei que ia tirar menos e tirei mais. Então, vou estudar mais...” (Educanda E20); “Folgadinho. Só o ouro!” (Educando E2); “Eu acho muito bom mesmo” (Educanda E11).

Apesar de a maioria dizer que se sentiu bem com a avaliação, uma estudante verbalizou descrença quanto ao seu desempenho, não acreditando no resultado positivo de sua avaliação:

“Eu fiz minha prova, mas não me senti convencida de que eu sei” (Educanda E5). E uma outra

educanda disse que ficou nervosa: “... meu coração fica acelerado. Fico nervosa!” (Educanda

E20). Sobre essas falas, levanto três hipóteses: a primeira diz respeito ao fato de os/as

educandos/as mais falantes serem aqueles/as com menos dificuldade de aprendizagem, o que não contempla a totalidade desses sujeitos; a segunda, que suas falas foram motivadas pela necessidade que eles/as tinham de agradar aos educadores e a nós do GENPEX; e, por último,

o fato de esses/as estudantes terem se saído bem nas provas escritas. Essa última hipótese é

corroborada pela fala da educadora Vera:

.... a gente precisa levar em consideração aqui, é que nós acabamos de fazer uma avaliação e 26 estudantes fizeram a avaliação, né.?! Eu coloquei tanto notas quanto coloquei menções. E dos 26 estudantes que fizeram a prova, é...., 21 tiveram menção acima de MM e quatro tiveram, vamos dizer assim, MI. Então, tem 3 estudantes que fizeram a prova hoje (ruídos vindos da outra turma) e eu ainda não corrigi desses, aí. Mas assim, a turma teve uma, vamos dizer, no geral, teve uma evolução muito grande! (Educadora Vera).

Essa fala demostra que as práticas da avaliação somativa (classificatória) ainda são uma constante entre os educadores, que muitas vezes reproduzem o tipo de formação que receberam. Por isso é importante que o educador esteja atento às suas concepções epistemológicas e à sua prática pedagógica, para que ambas dialoguem e possam resultar num processo mais equânime e formativo.

E a Educanda E11 disse com orgulho que se sentiu muito bem ao ser avaliada, pois sabia que não era mais “analfabeta”: “Eu me senti que eu não sou mais analfabeta. Porque a pessoa

que não sabe lê é um cego! Principalmente no mundo que nós tamu hoje. Mas você disfarça o quanto você pode, mas você é um cego”. Ao mesmo tempo que concordaram com a fala de

E11, os/as demais educandos/as foram expressando para os/as colegas o que sentiam na condição de não alfabetizados/as, reforçando o quanto essa condição era um estigma que carregavam e que os/as incomodava sobremaneira.

Os constrangimentos e a discriminação sofrida ao longo de seus percursos reduzem a autoestima desses sujeitos, que acabam se assumindo como ‘cegos’ e outras ‘metáforas’ depreciativas incutidas pela sociedade letrada e pelos meios de comunicação, com uma conotação de deficiência moral e intelectual. Pois o “analfabeto é concebido como um ser ignorante e desprovido de meios de discernir entre o certo e o errado” (GALVÃO; DI PIERRO, 2013, p. 42). E esse mote passa a ser reproduzido pelos próprios sujeitos não alfabetizados.

Um fato curioso é que, ao serem questionados sobre como eram avaliados/as, oito educandos/as deram respostas de como acreditavam que os educadores os avaliavam: Eu acho

que sou avaliado como um aluno exemplar, né?! Porque eu venho todo dia. Eu não gosto de levar falta” (Educando E4); “Tem avaliado bem...” (Educando E6); o professor “ diz que eu tô aprendendo, mas eu não sei se é verdade, eu tô acreditando…” (Educanda E13); “Eu sou avaliada, como eu ainda não sei de nada, ainda. Tô aprendendo” (Educanda E14); “Bom, ótimo” (Educando E20).

Será que os/as educandos/as sabem mais sobre avaliação processual do que nós mesmos? Ao falarem como são avaliados/as, trazem um pouco de uma espécie de avaliação

informal, que se consolida com a formal. Quando dizem que são avaliados/as “bem” ou “mal”, eles/as compartilham de um julgamento de valor que está intrínseco nos percursos escolares marcados por sucessos e/ou fracassos. Na concepção de Barcelos (2014), os/as estudantes da EJA são estudantes “classificados entre aqueles (as) que aprendem e aqueles (as) que não aprendem, que sabem e que não sabem”, produzindo assim sentimentos e sensações dolorosas e silenciosas de fracasso e de inferioridade (BARCELOS, 2014, p. 27). Assim, as falas dos/as educandos/as revelam que, apesar do não entendimento, eles/as captam mais do que realmente conseguem verbalizar.