• Nenhum resultado encontrado

A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de educação básica que demanda um enfoque diferenciado, uma vez que reúne um público com vivências peculiares e práticas culturais, profissionais e sociais que, muitas vezes, não dialogam com o conhecimento acadêmico que os/as exclui e os desencoraja. Sob esse prisma, voltar a estudar requer força de vontade e determinação para superar os percalços e as dificuldades inerentes ao processo formativo, principalmente quando se trata da alfabetização de jovens e adultos que lutam para superar a vergonha de sua condição, em prol de uma vida com mais oportunidades. E, para tal, precisam ser acolhidos em suas idiossincrasias.

A EJA é uma dívida histórica do Estado para com os/as trabalhadores/as estudantes que, por não pertencerem à faixa etária de oferta obrigatória, estiveram por muito tempo à margem do sistema educacional. Além disso, a EJA sempre foi relegada a políticas de governo que se

concretizaram em função da articulação da sociedade civil nos movimentos populares que ganharam destaque em 1960 porque se opunham à desobrigação do Estado para com esse público. Com Paulo Freire, disseminou-se um movimento de educação popular a favor de uma educação voltada para os excluídos do campo e da cidade, com o propósito de resgatar a “cultura pensada e vivida pelo povo” (BRANDÃO, 2008, p. 28), numa dimensão política e pedagógica, em prol de uma escola para todos, que respeitasse os ritmos individuais e valorizasse os percursos formativos dos/as educandos/as, numa perspectiva libertadora de aprendizagem.

A proposta era desenvolver uma pedagogia para os oprimidos, para além da opressão, capaz de superar as desigualdades sociais presentes dentro e fora das escolas e que reconhecesse os/as educandos/as como sujeitos atores de suas próprias histórias. Para Vieira (2016), faz-se necessário entender as “outras” histórias da EJA, de modo a se ter uma concepção de história diferente da hegemônica, desvelando assim saberes e práticas mais humanas e emancipatórias. Um cenário ideal mas difícil de se consubstanciar, pois o sistema educacional vigente possui uma estrutura política e curricular que dificulta a implementação de tais práticas.

Na concepção de Arroyo (2017), os/as educandos/as da EJA são sujeitos que vêm de itinerários humanos-desumanos, expulsos de sua terra pelo desemprego e pela fome, segregados, vitimados, marginalizados política, econômica, social e pedagogicamente, oriundos de famílias pobres – trabalhadoras, negras e camponesas –, marcados pelo trabalho infantil e pelo viver provisório – sem prazo –, em espaços pobres, distantes e marginais, que sobrevivem do trabalho informal e constituem identidades coletivas – de classe, raça e gênero. E, por isso, são conscientes de seus limites, de seu “lugar social-espacial” (ARROYO, 20017, p. 37), de suas identidades de trabalho e de sua condição de moradores periféricos. Porém, são sujeitos cheios de expectativas e animados com a possibilidade de um viver mais humano e próspero.

Oliveira (2001) descreve esses sujeitos como: o migrante de áreas rurais empobrecidas; filhos de trabalhadores rurais, sem qualificação, com baixo nível de escolaridade ou analfabeto; aqueles com uma passagem curta e não sistêmica pela escola; subempregados; os que voltam tardiamente à escola e sentem vergonha de sua situação educacional; os excluídos da escola; pessoas com experiências, conhecimentos acumulados e reflexões mais apuradas sobre si e do mundo; sujeitos com dificuldades diversas, que demandam um trabalho pedagógico diferenciado que deve privilegiar o par dialético avaliação/objetivos, pois os objetivos de ensino embasam a avaliação e orientam os demais processos (OLIVEIRA, 2001, p. 60).

Segundo o Currículo em Movimento (DISTRITO FEDERAL, 2014a) e as Diretrizes Operacionais da EJA (DISTRITO FEDERAL, 2014b), os/as educandos/as dessa modalidade

são jovens, adultos/as e idosos/as da classe popular que, por sua condição de trabalhadores/as, tiveram, ao longo de sua história, que interromper a trajetória escolar em algum ou em diferentes momentos de sua vida, repetindo padrões coletivos e familiares de negação de direitos, que os colocam à mercê da lógica injusta e perversa do capitalismo. São moradores da cidade e do campo excluídos socialmente que lutam para assegurar a sobrevivência familiar. Sua diversidade inclui questões étnico-raciais, geracionais, culturais, regionais e geográficas, de gênero, de orientação sexual e de condições físicas, emocionais e psíquicas, além da condição de privação da liberdade ou de população em situação de rua. Podem ser participantes ou não de movimentos populares e sociais. E, ao regressarem à escola, têm a oportunidade de ressignificar sua história de vida e de constituir novos caminhos.

Os/as alfabetizandos/as da EJA, por seus traços culturais de origem e suas práticas sociais e familiares, possuem valores éticos e morais constituídos, saberes sensíveis – intuitivos, oriundos dos cinco sentidos, que os tornam receptivos às situações de aprendizagem – e do cotidiano – “... um saber reflexivo (...), saber da vida vivida, saber amadurecido, fruto da experiência...” (BRASIL, 2006, p. 10).

Os estudos de Soares e Soares (2014) desvelam as especificidades da EJA que, se forem entendidas, podem facilitar a organização do trabalho pedagógico voltado para essa modalidade. Os autores reportam como especificidades: o legado da educação popular; a diversidade dos sujeitos; a proposta curricular – que acolha os/as educandos/as, adeque o espaço físico e proponha atividades extraclasse; os recursos didáticos diversos; a formação específica de educadores; e as políticas públicas que favoreçam o acesso e a permanência dos/as educandos/as. Desse modo, é importante que o processo avaliativo da modalidade considere o perfil e as especificidades desses sujeitos educativos.