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Avaliação da Qualidade de Vida

No documento Qualidade de vida e doença mental (páginas 147-152)

PARTE II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

ÍNDICE DE FIGURAS

4. QUALIDADE DE VIDA E A PESSOA COM DOENÇA MENTAL

4.4 Avaliação da Qualidade de Vida

Para Veenhoven (1996), o grau em que os habitantes de uma nação avaliam positivamente a sua vida pode ser avaliada de diferentes formas: indiretamente, por inferência de seus comportamentos e diretamente, perguntando como se sentem na sua vida. Por muito tempo cientistas sociais preferiram o método anterior (de forma indireta) mas, até ao momento, está claro que apenas o último é viável para esta finalidade.

O interesse de clínicos e investigadores nos cuidados de saúde tem aumentado focando a sua atenção na forma de medir os resultados de saúde ou as consequências dos cuidados prestados. A conceptualização e a medição dos resultados de saúde são controversas. A maioria dos indicadores existentes reflete o modelo da doença. Este modelo é uma conceção de anormalidade a qual é indicada por sinais e sintomas. A relação pessoal saúde-doente é indicada por sentimentos de dor e desconforto ou perceções de mudança no normal funcionamento. A doença pode resultar numa alteração biológica mas não necessariamente apenas neste aspeto. Para além disso, a pessoa pode sentir-se doente sem que a ciência médica lhe detete doença (Bowling, 1997).

Kaplan & Reis (2005) referem que a avaliação da QDV é válida para os estudos clínicos por três razões: as medidas de QDV são usadas para quantificar o impacte de uma condição e para comparar os efeitos e consequências das doenças; podem ser usadas para avaliar alterações resultantes de intervenções terapêuticas ou do próprio curso da doença e; podem ser necessárias como centrais componentes de análise custo/benefício.

O pensamento sobre a saúde e os cuidados de saúde tem vindo a alterar-se. Para Carr, Gibson, & Robinson (2001) o método que se segue para avaliar a saúde e os cuidados de saúde tem

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vindo a sofrer alterações. Esta mudança prende-se, essencialmente, com dois fatores: por um lado, o reconhecimento da importância das consequências sociais da doença e, por outro, o reconhecimento do objetivo das intervenções terapêuticas em aumentar o tempo de vida e a sua qualidade.

Na moderna medicina, o método para avaliar alterações nas pessoas tem sido focado tradicionalmente nos testes laboratoriais ou clínicos. Num campo mais simples, este caminho permite-nos medir, por exemplo, a pressão sanguínea, o pulso e a temperatura. Num nível mais complexo, permite-nos usar técnicas laboratoriais, tomografia computorizada, radiografia, testes orgânicos funcionais, análises genéticas entre outras técnicas. Como nenhuma doença existe no vazio, torna-se impossível separar a pessoa doente do seu contexto individual e social especialmente quando esta enfrenta uma doença crónica e progressiva. Um caminho para se perceber este contexto individual e social é usar medidas relacionadas com a QDV (Higginson & Carr, 2001). A QDV é reconhecida como uma medida de resultado na saúde (Bowling, 1997). Mount & Scott cit. por Higginson & Carr (2001) associam a avaliação da QDV à avaliação da beleza de uma rosa, isto é, não interessa apenas saber quantas características tem a rosa (ex., a cor, o cheiro e o tamanho), mas interessa a perceção da beleza global da rosa.

Neste sentido, as medidas de QDV estão cada vez mais a ser usadas como complementares às medidas clínicas e biológicas objetivas para avaliar a qualidade dos serviços, a necessidade de cuidados de saúde, a eficácia das intervenções e o custo benefício (Carr & Higginsson, 2001). Ainda os mesmos autores, afirmam que as medidas da QDV captam a perspetiva do doente acerca da sua doença, das suas necessidades de cuidados de saúde e a sua preferência relativamente ao tratamento e seus resultados.

As medidas de QDV se forem aplicadas com rigor e crítica podem servir como dados úteis para o planeamento em saúde e intervenção individual (Hansson, 2006; Souza & Coutinho, 2006) daí o interesse particular no que diz respeito à sua avaliação e mensuração quer individual, quer coletivamente (Laurenti, 2003).

A avaliação da QDV será útil para a psiquiatria e prática clínica, apenas se virem respeitados os requisitos conceptuais e metodológicos. Só assim a QDV pode ser útil para a saúde mental. Por outro lado, a QDV é um construto que desafia um dos aspetos mais difíceis da área da saúde

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mental, que se prende com a forma de medir o domínio subjetivo. Melhorar a QDV das pessoas deve ser um objetivo intrínseco de qualquer intervenção da saúde e a justificação ética para a existência da psiquiatria e de todas as especialidades da saúde (Berlim & Fleck, 2003).

A avaliação da QDV pode ser realizada através de indicadores objetivos ou indicadores subjetivos. O uso de indicadores sociais, indicadores da saúde, da educação e segurança, permite a obtenção de níveis de QDV das populações num dado momento. Contudo, estes indicadores, não nos fornecem a satisfação individual subjetiva o que nos leva a concluir que, apesar de úteis, não são suficientes. A abordagem psicológica da QDV inclui e valoriza os indicadores subjetivos.

4.4.1 Instrumentos de medida da Qualidade de Vida

O interesse pela mensuração da QDV é relativamente recente nas práticas em saúde e nas políticas de saúde. Diversos instrumentos têm sido propostos para mensurar a QDV e tendem a ser fiéis ao carácter multidimensional da QDV, avaliando a perceção geral da QDV. Podemos encontrar dois grupos de instrumentos: genéricos e específicos.

Os instrumentos genéricos são aplicados à população geral e permitem a obtenção de valores do estado de saúde genérico dos indivíduos sem especificar a doença. Como exemplos de instrumentos genéricos (medidas mais amplas do estado de saúde) podemos encontrar alguns utilizados: The Sickness Impact Profile (SIP); The Nottingham Health Profile (NHP); The McMaster Health Index Questionnaire (NHIQ); The Rand Health Insurance/Medical Outcomes Study Batteries (HIS) e The Short Form-36 Health Survey Questionanaire (SF-36), The World health Organization Quality of Life Assessement (WHOQOL-100 e WHOQOL-Bref11) (Bowling, 1997).

O SIP é um instrumento que incorpora 136 questões, avaliando aspetos físicos, mas também sentimentos de bem-estar emocional e funcionamento social. O NHP é dividido em duas partes: a primeira parte mede o status da saúde percebida ou subjetiva através da resposta de sim/não relacionadas com seis dimensões: mobilidade, dor, energia, sono, reações emocionais e isolamento social; a segunda avalia os efeitos de saúde em sete áreas da vida diária: trabalho,

11 O WHOQOL-100 e o WHOQOL-Bref são dois instrumentos de medida da QDV da OMS. Estes instrumentos irão ser

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cuidar da vida doméstica, vida social, vida em casa, sexo, interesse, hobbies e férias. O NHIQ contém 24 itens que avaliam a função física; 25 itens que avaliam a função social e 25 itens que avaliam a função emocional; O HIS apresenta uma bateria relativa à saúde física e uma relativa á saúde mental. Quarenta itens avaliam atividades de autocuidado, mobilidade, atividade física, atividade doméstica, atividades de lazer e o papel das atividades. A bateria relativa à saúde mental utiliza 38 questões do General Well-Being Questionnaire. As Outras 8 questões são usadas para estimar as respostas socialmente desejáveis. O SF-36 contém 36 itens, os quais medem oito dimensões: função física; função social; desempenho físico; desempenho psicológico; perceção geral da saúde; saúde mental e; energia/vitalidade e dor.

A OMS compilou no documento Quality of Life Assessment – An Annotated Bibliography (WHO, 1994) os instrumentos genéricos de avaliação da QDV que comtempla alguns dos atrás descritos e acrescenta outros. Esta compilação inclui o Duke Health Profile, o EuroQol, o Health Utilities Index, o Index of Health Related Quality of Life, o McMaster Health Index Questionnaire, Medical Outcomes Study SF-36 Health Survey, O Nottingham Health Profile, o 15C Questionnaire on Health Related of Life, o Sickness Impact Profile, o SEIQol Schedule for Evaluation of Individual Quality of Life, e o WHOQOL.

O Duke Health Profile foi desenvolvido para ser usado em amostras clínicas como uma ferramenta para estudar as intervenções médicas, económicas e sociais na saúde e doença. Avalia o estado de saúde do adulto em seis dimensões de saúde (saúde física, saúde social, saúde mental, saúde geral, saúde percebida e autoestima) e quatro dimensões de disfunção (ansiedade, depressão, dor e incapacidade). O EuroQol avalia cinco dimensões: mobilidade, autocuidado, atividades diárias, dor/desconforto/ e ansiedade/depressão. O Health Utilities Index tem três versões. A primeira versão tem três categorias. A segunda contém sete categorias. A terceira versão é mais ampla e mais generalizável, foi projetada para o uso em várias configurações, incluindo as situações de saúde e abrange nove categorias: visão, audição, fala, destreza, função emocional, função cognitiva, dor e desconforto. O Index of Health Related Quality of Life avalia três dimensões: incapacidade, desconforto e distress. Estas dimensões são subdivididas em sete atributos: dependência, disfunção, dor/desconforto, sintomas, disforia, desarmonia e realização. Estes atributos ainda são divididos em quarenta e quatro escalas. O 15D Questionnaire on Health Related of Life inclui o funcionamento físico, mental, emocional,

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como também a saúde percebida. E cada dimensão é dividida em quatro ou cinco níveis. O estado da QDV relacionado com a saúde é definido como a combinação ou o perfil de respostas às questões em cada nível. O SEIQol Schedule for Evaluation of Individual Quality of Life é um instrumento para medir a QDV individual que coloca maior ênfase na perspetiva do individuo do que as abordagens tradicionais. Especifica cinco áreas consideradas mais importantes através de uma entrevista semiestruturada. É usada uma escala analógica para a autoavaliação nessas áreas.

Os instrumentos específicos referem-se aos que são aplicados a populações específicas. Validados para a população portuguesa, podemos encontrar o WHOQOL-HIV (Canavarro, Pereira, Simões, & Pintassilgo, 2010), que conserva a estrutura do WHOQOL-100, acrescida de cinco facetas específicas: sintomas dos PLWHA (People Living With HIV/AIDS), inclusão social, perdão e culpa, preocupação sobre o futuro e morte e morrer. O WHOQOL-OLD (Vilar, Simões, Sousa, Firmino, Paredes, & Lima, 2010), foi adaptado do WHOQOL-100 e tem como objetivo ser aplicado à população idosa e comporta potencialidades de utilização nos mais diversos contextos, desde a investigação á prática clínica. O Palliative Care Outcome Scale (Ferreira & Brito, 2008) mede a QDV de pessoas em cuidados paliativos. Pode ser aplicado a pessoas com cancro numa fase em que necessitam de cuidados paliativos para avaliar sintomas e a intensidade a variação de determinadas situações. São conhecidas quatro medidas específicas de QDV relacionadas com o Acidente Vascular Cerebral. O Stroke Adapted – Sickness Impact Profile, o Stroke impact Scale, O Stroke-Specific Quality of Life e o Quality of Life Index – Stroke Version (Santos, 2004). O Quality of Life - Alzheimer´s Disease (QOL-AD) é uma escala genérica para pessoa com demência e avalia treze itens: saúde física, disposição, humor, habitação, memória, família, casamento, amigos, pessoa em geral, capacidade de realizar tarefas, capacidade de realizar atividades de lazer, dinheiro e vida em geral (Logsdon et al., 1999, 2002 cit. por Inouye, Pedrazzani, Pavarini, Barham, 2009).

Estudo realizado por Garratt, Schmidt, Mackintosh, & Fitzpatricket (2002), com o objetivo de avaliar o crescimento de medidas de QDV e para analisar a disponibilidade de medidas específicas entre as especialidades revelou que, entre 1990 e 1999, 46% dos trabalhos publicados incluíam medidas de QDV para populações e condições clínicas específicas, 22% medidas genéricas de QDV, 18% medidas de dimensões específicas, 10% medidas de utilidade e

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1% medidas individualizadas. Como depreendemos dos dados expostos, os mesmos autores referem-se a cinco tipos de medidas: i)medidas de uma dimensão específica, que foca aspetos particulares da saúde, como o bem-estar psicológico e usualmente produz um score simples (ex., Beck Depression Inventory); ii) medidas de doenças ou populações específicas, que incluem aspetos da saúde que são relevantes e podem medir vários domínios (ex., Asthma Quality of Life Questionnaire); iii) medidas genéricas, que podem ser usadas em diferentes doentes e populações (ex., SF-36); iv) medidas individualizadas que permitam aos entrevistados incluir e pesar a importância de aspetos da própria vida (ex., Patiente Generated Index) e; iv) medidas de utilidade que foram desenvolvidas para avaliação económica (EuroQol EQ-5D).

Uma vez que não existe um instrumento específico adaptado à população portuguesa para estudar a QDV em pessoas com doença mental, optou-se por se utilizar neste estudo o WHOQOL-Bref, uma vez que, tanto esta versão como a versão longa (WHOQOL-100) têm sido também utilizados em populações com doenças mentais quer por investigadores portugueses, em Portugal (Gameiro, et al., 2008; Gameiro et al., 2010a; Gameiro, Carona, Silva, & Canavarro, 2010b; Figueira et al., 2010; Pais-Ribeiro & Guterres, 2002; Vaz-Serra, Pereira, & Leitão, 2010), quer por investigadores internacionais em contextos culturais diferentes (Chan & Yu, 2004; Picardi, Rucci, Girolamo, Santone, Borsetti, & Morosini, 2006; Fleck et al., 2002; Kilian et al., 2001; Masthoff et al., 2006; Yen, Kuo, Tsai, Ko, Yen, & Chen, 2007) e, porque incorpora o conceito de QDV multidimensional e mais consensual no mundo científico.

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