• Nenhum resultado encontrado

O apoio social como integrante dos cuidados de saúde

No documento Qualidade de vida e doença mental (páginas 96-101)

PARTE II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

ÍNDICE DE FIGURAS

2. A DOENÇA MENTAL: DO ÂMBITO INTERNACIONAL PARA O NACIONAL

2.3 A promoção da saúde como fundamental no controlo da doença mental

2.3.1 O apoio social como integrante dos cuidados de saúde

Desde a década de 1970 que diversos países iniciaram tentativas de introduzir alterações nas práticas de cuidar das pessoas com doenças mental. Muitos contribuíram para que essa janela se abrisse, como são os casos de Foucault e Goffman ao refletirem e até exteriorizarem nos seus escritos o que se passava entre os muros onde se mantinham essas pessoas. Como já foi refletido neste trabalho, a alteração de paradigma do tratamento das pessoas com doença mental obriga a que a prática terapêutica seja assente numa abordagem humanista, integradora e com a visão alargada da pessoa como um todo, deixando, desta forma, de parte aquela pessoa tratada como mais uma no meio de tantas, e circunscritas aos hospícios.

Com as alterações dos sistemas de saúde mental e, com toda a legislação que protege a pessoa com doença mental, convida-se a pessoa a integrar a sociedade, chamando, implicitamente, ao seu cuidado atores que a circundarão. Fala-se de todas as pessoas que farão parte das suas redes sociais, nomeadamente a família, vizinhos e profissionais de saúde. As pessoas precisam de reconstruir um quotidiano, muitas vezes perdido com processos de institucionalização

85

prolongados. Para isso, é necessário reconstruir redes sociais que contribuam para o processo de socialização. Neste processo está também implícita a necessidade de desconstruir ideias apoiadas na estigmatização da pessoa com doença mental, inibidoras da sua socialização. Estamos a falar de pessoas que farão parte da rede social mas gostaríamos de falar do suporte social necessário à integração das pessoas com doença mental na comunidade até porque, como refere Bowling (1997), redes sociais e suporte social são dois conceitos diferentes. Os dois mais fortes recursos de coping externos à pessoa são os recursos materiais e o apoio social (Stroebe & Stroebe, 1995) e, neste sentido, o apoio social é uma das estratégias das pessoas para fazerem face à complexidade e adversidade dos problemas de saúde e doença que por vezes surgem e que podem criar desequilíbrios individuais de ordem física, psicológica, social e espiritual. É também, através dele, que as pessoas beneficiam no que diz respeito à saúde física e mental (Lavall, Olschowsky, & Kantorski., 2009).

O apoio social começa no útero sendo mais reconhecido ao seio materno e é comunicado de diversas formas, mas especialmente na maneira como o bebé é mantido e suportado ao colo. Com o decorrer da vida o suporte social é derivado cada vez mais de outros membros da família, colegas de trabalho e pessoas da comunidade e, em caso de necessidades especiais, de um membro de profissões de ajuda (Cobb, 1976).

Diversas definições de apoio social têm sido descritas, no entanto, enfatizam diferentes aspetos funcionais e estruturais. Uma das abordagens na avaliação do apoio social, entende-o em termos de estrutura das relações interpessoais da pessoa em causa, isto é, avalia a existência ou a quantidade de relações sociais, uma outra em termos das funções que estas relações têm para a pessoa, ou seja, pretende avaliar se as relações interpessoais servem funções específicas (Stroebe & Stroebe, 1995). House, 1981 cit. por Bowling (1997), sugere uma tipologia das funções do poio social referindo que este envolve apoio emocional (a amizade, o amor); apoio instrumental (serviços); apoio informativo (sobre o que o rodeia) e; apoio de apreciação (informações sobre a autoavaliação). É uma perspetiva que distingue o apoio emocional, instrumental, informativo e de avaliação.

Segundo Cobb (1976), o apoio social é definido como o conjunto de informações que levam o sujeito a acreditar que é tratado, amado e estimado, e um membro de uma rede de mútuas

86

obrigações. Importa referir que Cobb ao discutir o termo preocupou-se em explicitar que essas informações pertencem a três classes: i) as informações segundo as quais o sujeito acredita que é cuidado e amado; ii) as informações segundo as quais o sujeito acredita que é estimado e valorizado e; iii) as informações segundo as quais o sujeito acredita que pertence a uma rede de comunicação e obrigações mútuas. As primeiras informações são transmitidas na intimidade em situações envolvendo confiança mútua e podem ser chamas de suporte emocional. As segundas informações são mais proclamadas em público. Refletem-se na autoestima e reafirmam o senso de valor pessoal. São chamadas de suporte/estima. A informação da rede social deve ser comum e partilhada. Deve ser comum no sentido em que todos os sujeitos da rede têm acesso à informação e partilhada, no sentido em que todos os membros da rede estão cientes que todos têm conhecimento da informação. Para Cobb a relevante informação é de três tipos: o primeiro responde a três questões: i) o que está a acontecer e como começar?; ii) qual a relação entre nós? e; iii) como e quando chegámos aqui? ; o segundo tipo pretende responder aos bens e serviços que estão disponíveis para todos os membros e inclui informações sobre a acessibilidade aos serviços que sejam ocasionalmente precisos (ex., equipamento especializado e informação técnica) e; o terceiro tipo de informação diz respeito aos perigos a que possam estar sujeitos e procedimentos de defesa mútua. Ainda na perspetiva do mesmo autor, o apoio social facilita o enfrentamento às crises e mudanças existentes na vida e ajuda na adaptação. Parece haver relação entre o apoio social e os comportamentos que promovem a saúde. De facto, o apoio social está associado de forma positiva a determinados comportamentos promotores da saúde (ex., adesão a orientações médicas, não fumar, dormir o tempo necessário, ter uma dieta equilibrada, beber moderadamente) (Berkman e Syme, 1979 cit. por Stroebe & Stroebe, 1995). As relações sociais podem também desempenhar um papel fundamental para a autoestima do sujeito (Stroebe & Stroebe, 1995).

Brown et al. cit. por Cobb (1976), num estudo comparativo entre mulheres com doenças afetivas, em que metade tinha um confidente (definido como uma pessoa, usualmente do sexo masculino, com quem a mulher tinha uma relação intima e de confiança) e em que a outra metade não tinha, conclui que o grupo das mulheres que não tinha confidente apresentava dez vezes mais possibilidades de serem deprimidas do que o grupo que tinha confidente.

87

Entre pessoas com doenças mentais (depressão, perturbação de ansiedade generalizada perturbação de pânico e alcoolismo) o contacto com a rede social e maiores níveis de apoio social foram associadas a uma maior utilização de serviços médicos em geral. No entanto, maior apoio social foi associado à utilização de menos serviços dentro da especialidade médica de psiquiatria (Maulik, Eaton, & Bradshaw, 2009).

Atualmente existem evidências de que um maior apoio social está associado a um risco reduzido de doença mental, física e até mesmo da mortalidade (Cohen & Wills, 1985; Cohen, 1988; House et al, 1988; Schwarzer & Leppin, 1989 cit. por Stroebe & Stroebe 1995).

Existem, de facto, manifestações do impacte de variáveis sociais e psicológicas na saúde física através de processos biológicos. A análise de estudos efetuados com animais nesta área, refere que a simples presença e, em particular, o contacto físico afetivo com outro ser semelhante, pode reduzir acentuadamente a reatividade cardiovascular. As respostas neuroendócrinas também são influenciadas pelo apoio social, as quais são consideradas como mediadoras entre o apoio social e a doença coronária e entre o apoio social e o sistema imunitário (Lynch, 1970 cit. por Stroebe & Stroebe, 1995). Aliás, os estudos demonstram que os sujeitos com valores elevados de solidão apresentam alguma supressão do sistema imunitário quando comparados com sujeitos com valores mais baixos de solidão (Kiecolt-Glaser et al., 1984; Glaser et al., 1985 cit. por Stroebe & Stroebe, 1995).

Um estudo efetuado com 6928 sujeitos que pretendia analisar os laços comunitários e sociais (casamento, contactos com toda a família, filiação religiosa e filiação a outras organizações) verificaram que os sujeitos que tinham um índice baixo de redes sociais dependentes de laços íntimos apresentavam, nos nove anos seguintes, um risco de mortalidade duas vezes superior ao dos indivíduos que tinham um índice alto de redes sociais (Berkman & Syme, 1979 cit. por Stroebe & Stroebe, 1995).

As pessoas com baixos níveis de relações sociais têm aproximadamente o dobro de risco de mortalidade daquelas que possuíam níveis elevados (House et al., 1982 cit. por Stroebe & Stroebe, 1995).

Estudos publicados, entre 1976 e 1987, dizem-nos que o apoio social está relacionado, de forma significativa, não só com a mortalidade como também com medidas relativas ao estado

88

de saúde e à reatividade fisiológica (ex., tensão arterial, ritmo cardíaco) e fortemente relacionado com a depressão (Schwarzer & Leppin, 1989 cit. por Stroebe & Stroebe, 1995).

Estudos efetuados para analisar o efeito do apoio social em pessoas com doença mental revelam que este tem um efeito positivo na adaptação destas pessoas, reduzindo também os sintomas psiquiátricos e o número de hospitalizações (Huang, Sousa, Tsai, & Hwang, 2008). Um apoio social mais baixo é uma razão importante para a diminuição da satisfação com a vida e com o aumento de sintoma depressivos entre populações mais idosas (Newson & Schulz, 1996).

89

No documento Qualidade de vida e doença mental (páginas 96-101)