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Qualidade de Vida das pessoas com sintomatologia depressiva/doença do humor

No documento Qualidade de vida e doença mental (páginas 157-163)

PARTE II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

ÍNDICE DE FIGURAS

4. QUALIDADE DE VIDA E A PESSOA COM DOENÇA MENTAL

4.5 Qualidade de Vida das pessoas com doença mental

4.5.1 Qualidade de Vida das pessoas com sintomatologia depressiva/doença do humor

Pela revisão da literatura, percebe-se que a investigação se tem preocupado cada vez mais com o estudo da QDV relacionada com pessoas com doença mental em grupos com doenças mentais específicas. Este aspeto destaca a importância e a necessidade de se usarem métodos de diagnóstico estruturados quando o objetivo é estimar a sobrecarga das diferentes doenças mentais.

Tal como refere Saari (2008), as doenças mentais não podem ser objetivamente diagnosticadas com questionários usados em grande parte das pesquisas anteriores, facto que leva a variar as estimativas de prevalência ou à exclusão de entidades clínicas. Para o mesmo autor é necessário que os diagnósticos sejam confiáveis, a fim de se poder tomar decisões em saúde. Refere, ainda, que estas decisões não podem ser tomadas a partir de autorrelatos sobre a ansiedade e o sentir-se deprimido, mas devem ser baseados em síndromes claros definidos, tratáveis com métodos baseados na evidência científica.

Apesar das evidências nos sugerirem a importância das medidas da QDV para a avaliação e definição da eficácia do tratamento e acompanhamento dos tratamentos implementados, algumas questões se levantam, quando se aplica esta medida na área da saúde mental e psiquiatria, nomeadamente em pessoas com doença depressiva. Os relatos das pessoas com sintomatologia depressiva podem ser influenciados pelo funcionamento cognitivo característico destas pessoas, tendo um fundo negativo. Por outro lado, o seu horizonte temporal é descontínuo parando num “aqui e agora” sombrio, vazio e infeliz e, por isso, a análise do horizonte temporal torna-se útil para perceber a relação entre depressão e QDV (Leval, 1999; Moore et al., 2005). No entanto, a posição do WHOQOL-Goup (1995, 1998) reforça a importância da subjetividade na avaliação da QDV em relação às expectativas pessoais de cada um. Tal como refere Vaz-Serra (2010), o ponto de vista do doente deve ser aceite como válido, mesmo que deprimido, dado que é aceite que a QDV resulte de uma avaliação subjetiva. O mesmo autor acrescenta que «A Depressão afeta a QDV, mas “não a distorce” ou torna a avaliação inválida» (p. 49). De facto, também na linha do pensamento de Vaz-Serra (2010) o

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tratamento de uma pessoa deprimida melhora a QDV, embora este facto só possa ser demonstrado pela investigação científica.

É, contudo, importante realçar que a depressão é considerada um dos problemas mais graves de saúde pública nos países industrializados (Gusmão, Xavier, Heitor, Bento, & Caldas de Almeida, 2005), sendo um dos problemas que mais contribui para a carga global das doenças afetando todas as pessoas de todas as comunidades. Estima-se que a depressão afete 350 milhões de pessoas em todo o mundo; inicia-se frequentemente em idades jovens; reduz o funcionamento das pessoas e frequentemente é recorrente (Marcus, Yasamy, Ommeren, Chisholm, & Saxena, 2012). Por estas razões, a depressão tem sido alvo de estudo no que se refere ao seu impacte na QDV, sendo que, a evidência da literatura científica também realça maior prevalência de sintomatologia depressiva nas mulheres (Fleck et al., 2002; Gameiro et al., 2008).

De uma forma geral os estudos confirmam a natureza incapacitante da depressão e revelam limitações na QDV independentemente da idade dos sujeitos intervenientes nos estudos (Rodrigues & Leal, 2004; Xavier, Ferraz, Bertollucci, Poyares, & Moriguchi, 2001) e observa-se, ainda, que a sintomatologia depressiva também tem uma alta associação com pior funcionamento social em pessoas utilizadoras dos serviços de cuidados de saúde primários. Pessoas com mais sintomas depressivos apresentam mais comprometimento do funcionamento físico e psicológico. Quando avaliados alguns indicadores objetivos de utilização de recursos e comprometimento do funcionamento social, observa-se que as pessoas com mais sintomas depressivos recorrem mais aos serviços de saúde, permanecem mais tempo internadas e apresentam mais absentismo laboral que as menos deprimidas (Fleck et al., 2002). Desta forma, o funcionamento social e a QDV estão associados de forma negativa com os sintomas depressivos, verificando-se pior funcionamento social e pior QDV em pessoas com sintomatologia depressiva, quando comparados com pessoas sem essa sintomatologia (Fleck, et al., 2002). Esta evidência relativamente à associação negativa entre a sintomatologia depressiva e a QDV também é reforçada pelo estudo de Gameiro et al. (2008) que revela que os sujeitos com sintomatologia depressiva clinicamente significativa evidenciam valores inferiores de QDV em todas as facetas, domínios e faceta QDV Geral do WHOQOL-100, quando comparados com

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sujeitos sem sintomatologia depressiva, avaliada pela versão portuguesa do Inventário da Depressão de Beck.

Quando se estudam doentes com outras doenças, a sintomatologia depressiva parece ser responsável pela diminuição dos scores da QDV. Em doentes com fribromialgia, a depressão rastreada pelo General Health Questionaire (GHQ) - 28, foi responsável pela diminuição dos scores de QDV nas escalas condicionamento físico, funcionalidade física, saúde mental, perceção da dor, funcionalidade social, funcionalidade emocional e perceção da saúde em geral, medidas pelo SF-36, sendo que, nesta situação, a depressão pode influenciar negativamente a QDV das pessoas com fibromialgia (Berber, Kupek, & Beber, 2004). Significativas associações formam, da mesma forma, encontradas entre a QDV e sintomas depressivos em doentes com esclerose múltipla (Vickrey, Hays, Harooni, Myers, & Ellison, 1995).

Quando se comparam sujeitos da população geral com e sem sintomatologia depressiva, a QDV é negativamente influenciada mesmo naqueles que apresentam sintomatologia depressiva leve. Numa amostra de 307 sujeitos da população geral, a sintomatologia depressiva provou estar negativamente associada com a QDV. Sujeitos com depressão leve apresentam valores significativamente mais baixos de QDV em todos os domínios do WHOQOL-100, excetuando a espiritualidade. A sintomatologia depressiva afeta, de uma forma negativa e significativa, todos os domínios e facetas de QDV contemplados no WHOQOL-100. Os domínios mais afetados foram o psicológico, o físico e de relações sociais (Gameiro et al., 2008), sendo que, estudos realçam que a QDV varia com a alteração da sintomatologia depressiva ao longo do tempo, nomeadamente ao longo do tratamento da depressão (Moore et al., 2005).

A depressão major (com sintomatologia psicótica) e doença bipolar quando comparadas com outras doenças do humor, incluindo a distimia, apresentam valores mais baixos de QDV. O bem- estar subjetivo foi afetado em primeiro lugar pelas doenças do humor, seguido de eventos de vida negativos e falta de apoio social (Cramer et al., 2010).

A depressão major e a distimia de entre as doenças mentais estudadas, onde se incluiu doenças da ansiedade, excluindo a doença obsessivo-compulsiva, foram as que mais afetaram a QDV, em conjunto com a dor crónica (Alonso et al., 2004).

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No que refere aos trabalhos em que o Centro Português de Avaliação da Qualidade de Vida da OMS estudou sujeitos com doenças do humor, mais concretamente aquele que estudou sujeitos com depressão major, a população doente foi comparada com um grupo da população geral e com um grupo de utentes dos cuidados de saúde primários, sendo que, quando comparados, os sujeitos com depressão major apresentam piores índices de QDV, em todos os domínios e Faceta QDV Geral do WHOQOL-Bref (Gameiro et al., 2010a). Quando são estudados sujeitos com doença bipolar, estes são comparados com uma amostra de controlo sem doença, apresentando níveis significativamente inferiores de QDV em todos os domínios e também da Faceta QDV Geral (Figueira et al., 2010).

Em pessoas com diagnóstico médico de depressão major, também foi encontrada uma associação com significativa baixa de QDV, sugerindo que a intervenção terapêutica precoce ajude na sua melhoria (Papakostas et al., 2004).

Relativamente à severidade dos sintomas depressivos, o impacte da depressão na QDV manifesta-se em grupos sintomáticos diferentes de doentes: depressão leve, moderada e grave, sendo superior no grupo que apresenta sintomas mais severos (Mcntyre, Barroso, & Lourenço, 2002).

Ao avaliar-se a QDV em pessoas com outras doenças do humor, nomeadamente a doença bipolar, verifica-se que a maioria dos estudos efetuados indica que a QDV nessas pessoas é marcantemente diminuída, mesmo quando são considerados clinicamente eutímicos, sendo equacionada, nesta pesquisa, a necessidade de se criar um instrumento específico de medição da QDV para pessoas com doença bipolar (Michalak et al., 2007).

Pelo exposto, podemos, com alguma certeza, afirmar que as doenças do humor afetam negativamente a QDV. Este dado é mais evidente quando se comparam pessoas com doenças do humor e pessoas saudáveis. Embora a comparação da QDV e as diferentes doenças do humor não esteja muito presente na investigação, podemos concluir que nos estudos que o fizeram, essa diferença existe, não sendo, contudo, conclusiva.

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