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Lei da Saúde Mental

No documento Qualidade de vida e doença mental (páginas 107-110)

PARTE II INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA

ÍNDICE DE FIGURAS

3. ASPETOS ORGANIZACIONAIS DOS SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL

3.2 Alguns documentos e instrumentos legislativos de saúde mental e psiquiatria em Portugal

3.2.1 Lei da Saúde Mental

Em Portugal, à semelhança dos desenvolvimentos de outros países, nos últimos 30 anos verificaram-se grandes esforços no sentido de incrementar políticas que permitam substituir progressivamente a prestação de cuidados dentro dos hospitais psiquiátricos, por cuidados mais holísticos, mais amplos, e mais integrados no sistema geral de saúde, tendo implícita uma filosofia de acompanhamento comunitário, inerente à continuidade de cuidados.

Desde a Lei da Saúde Mental de 1963 (Lei nº 2118/63 de 3 de abril) que se previa a descentralização dos serviços de saúde mental através da criação de centros de saúde mental de orientação comunitária. Considerava os centros e saúde mental (CSM) como a estrutura básica de intervenção com a responsabilidade de prestação de cuidados globais à população por eles abrangida. De facto, nos anos 70 e 80 criaram-se CMS a nível distrital, que permitiram criar condições mais favoráveis às pessoas que até aí teriam de se deslocar a Lisboa, Coimbra e Porto aos hospitais psiquiátricos. Foi-se organizando um sistema de informação nacional de saúde mental, com a criação de CSM nas áreas metropolitanas, com a criação de uma área para a saúde mental no programa funcional dos centros de saúde, e com a criação de novos serviços de psiquiatria nos hospitais gerais. Alguns serviços, desde muito cedo, se confrontaram com dificuldades de acesso a recursos para poderem responder às necessidades das pessoas.

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Apesar dessas dificuldades o panorama da prestação de cuidados em saúde mental e psiquiatria alterou-se profundamente, melhorando significativamente a acessibilidade a uma intervenção muito menos centrada nos Hospitais Psiquiátricos.

Com o Decreto-Lei nº 127/92 de 3 de julho e a Portaria nº 750/92 de 1 de agosto extinguiram- se os CSM e as suas atribuições foram transferidas para os hospitais gerais, centrais e distritais. Esta decisão criou muitas contradições e integrou os cuidados de saúde mental no sistema geral de cuidados de saúde a nível exclusivamente hospitalar.

Em 1994 foi criada a Comissão Nacional de Saúde Mental para propor um modelo organizacional para o sector (Direção Geral da Saúde, 2004a). As propostas desta comissão estiveram na origem da atual Lei de Saíde Mental (LSM) (Lei n.º 36/98 de 24 de julho) e do Decreto-Lei nº 35/99 de 5 de fevereiro que a regulamenta, estabelecendo a organização da prestação de cuidados de psiquiatria e saúde mental, para além de regulamentar o Conselho Nacional de Saúde Mental (CNSM) e as atribuições dos hospitais psiquiátricos.

A atual LSM substituiu, 35 anos depois, a Lei de 1963 (Lei n.º 2118 de 3 de abril). Estabelece os princípios gerais da política de saúde mental e regula o internamento compulsivo. Dedica cinco artigos a disposições gerais, onde estão previstos os cuidados na comunidade, num meio menos restrito possível, com internamentos em hospitais gerais, assegurando a reabilitação psicossocial através de estruturas residenciais, centros de dia e unidades de treino e reinserção profissional inseridos na comunidade, devendo a prestação de cuidados ser assegurada por equipas multiprofissionais, uma por cada sector geográfico, correspondendo este a cerca de 80.000 habitantes. No entanto, a maioria do texto desta Lei, que engloba 38 artigos, dedica-se à regulamentação do internamento compulsivo. Como veremos mais adiante, foram precisos 10 anos para que pudéssemos contar com um instrumento que ajudasse à implementação no terreno da política comunitária implícita nesta Lei. O internamento compulsivo está implementado segundo a Lei em vigor. Pela experiência que já vivenciámos, seja pessoal ou profissional, e pela sensibilidade que temos para esta área dado a nossa área de especialização, salienta-se que as pessoas com doença mental e suas famílias vivenciaram, e ainda vivenciam, momentos de grandes dificuldades nos seus domicílios pela incapacidade de resolver algumas situações impostas na Lei, nomeadamente no que refere ao internamento compulsivo. De facto,

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os profissionais, quando fechados entre muros, não conseguem ter a dimensão do sofrimento destas pessoas, especialmente quando vivenciam uma situação de descompensação psiquiátrica grave, nomeadamente com quadros exuberantes de agitação psicomotora. É com desespero, muita confusão e até indignação que algumas pessoas enfrentam o problema e o tentam solucionar. Os pedidos de ajuda são atendidos envolvendo processos muito complexos que levam, algumas vezes, as pessoas a desistirem e a suportarem as situações sozinhas. A pessoa com doença mental sofre, e é acrescido à situação, o sofrimento das pessoas significativas que, eventualmente, acumulam o papel de prestador de cuidados dessa pessoa. São processos morosos, e excessivamente burocráticos, que implicam muito desgaste familiar ou de outros cuidadores informais e da própria pessoa com doença mental.

No que se refere aos serviços, durante muitos anos, não se planearam e implementaram as reformas propostas na Lei, existindo uma grande carência de respostas comunitárias, o que fez com que as famílias que prestam cuidados informais, mantivesse esse cuidado, na maioria dos casos, toda a vida. Por outro lado, a política de desinstitucionalização prevista, ainda não se demonstrou capaz de responder às necessidades.

No entanto, houve algumas movimentações importantes na sequência da implementação da referida Lei, que propõe a intervenção articulada do apoio social e dos cuidados de saúde continuados definindo objetivos para uma área de intervenção em situações de dependência entre as quais as situações de doença mental (Despacho Conjunto n.º 407/98 de 18 de junho) que definem o regime a que obedece o reconhecimento e a concessão de apoios técnicos e financeiros a empresas de inserção, enquanto medida política de emprego, como tentativa de combater a exclusão social das pessoas com doença mental (Portaria n.º 348-A /98 de 18 de junho).

Neste sentido, e com o apoio do Despacho Conjunto n.º 407/98 de 18 de junho, surgiram algumas iniciativas de reabilitação comunitárias, essencialmente desenvolvidas pelas Organizações não Governamentais (ONG´s) e pelas Instituições sociais de solidariedade social (IPSS). As ações mais desenvolvidas pelas ONG’s e IPSS são o apoio residencial e ocupacional; formação profissional; empresas de inserção; grupos de ajuda mútua e; centros comunitários (Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental – CNRSSM, 2007).

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Em 1999 foram estabelecidos os princípios orientadores da organização, gestão e avaliação dos serviços de psiquiatria e saúde mental (Decreto – Lei nº 35/99 de 5 de fevereiro). Este documento prevê a organização dos serviços prestadores de cuidados especializados de saúde mental com uma distribuição a nível regional e a nível local sendo, estes últimos, considerados a base do sistema nacional de saúde mental, devendo funcionar de forma integrada e em articulação com os cuidados de saúde primários, objetivando a continuidade da prestação de cuidados.

Em abril de 2001, a Direção Geral da Saúde publicou a Rede de Referenciação Hospitalar de Psiquiatria e Saúde Mental sendo a primeira Rede a ser lançada. Passados três anos procedeu- se à sua revisão e a expressão “hospitalar” foi retirada, com o argumento de que não é no hospital que se esgotam os cuidados a prestar às pessoas, dando origem à Rede de Referenciação de Psiquiatria e Saúde Mental publicada em 2004 que, na sua descrição, assume a necessidade de se implementar o modelo comunitário, sendo que as estruturas de intervenção devem estar em locais próximos das pessoas devendo fazer parte do sistema de saúde geral, visando a diminuição do estigma associado às doenças mentais. Era preocupação implícita também previa que se disponibilizasse “[…] a globalidade de cuidados (preventivos, terapêuticos e reabilitativos) […]” (Direção Geral da Saúde, 2004b, p.7).

No documento Qualidade de vida e doença mental (páginas 107-110)