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B ELO H ORIZONTE : A RECONSTRUÇÃO DE UM PALIMPSESTO

3 A FORMAÇÃO DE B ELO H ORIZONTE : PROCESSOS DE SEGREGAÇÃO E PRODUÇÃO DA CIDADE QUE É CIDADE

3.1 B ELO H ORIZONTE : A RECONSTRUÇÃO DE UM PALIMPSESTO

Este capítulo faz uma caracterização histórica do espaço produzido na cidade de Belo Horizonte e de seu sistema de mobilidade urbana, com objetivo de preparar a análise crítica posterior. Esse movimento de reconstrução da história desse espaço mantém uma relação direta com o aprofundamento teórico sobre as relações entre as opções de mobilidade e as cidades e representa um desdobramento em direção ao objeto de estudo principal: os processos socioespaciais em Belo Horizonte e sua relação com a mobilidade urbana.

A maioria das tentativas de apresentação da formação da cidade de Belo Horizonte tem sua origem com o ato (do político) e o plano (do engenheiro). É dessa mistura de técnica e política que surge a cidade: de um ato político e republicano de decisão de retirada da capital das Minas Gerais de Ouro Preto e transferência para um novo local; e de um plano técnico e positivista, de decisão de produção de um espaço concebido para ser controlado pelo Estado e para receber o homem-funcionário . Para facilitar essa leitura da produção do espaço da cidade e de sua mobilidade, propõe-se a divisão da história da cidade a partir de quatro períodos históricos que sintetizam a formação do espaço da capital, repletos de desafios e contradições:

 Primeiros tempos (1897-1950): compreende a gênese da cidade em espaços planejados e contraespaços dos excluídos.

 Metropolização (1950-1980): o período de produção de espaço para a produção e para a reprodução das forças produtivas da metrópole urbano-industrial.

 Crise (1980-1992): pouco mais de uma década de crise econômica e quando se inicia a transição política e processo de municipalização das políticas públicas.

 Democratização (1992-2014): iniciado na guinada política e econômica que ocorre no país e na cidade e que chega até os dias atuais.

Essa proposta de periodização, ao mesmo tempo simples e provocativa da história, foi inspirada pelo li o Belo Ho izo te: espaços e te pos e o st uç o , oo de ado po Roberto Luís Monte-Mór (1994) e pelo P ojeto BH S ulo XXI do CEDEPLAR - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, em 2004, coordenado por Mauro Borges Lemos, Clélio Campolina Diniz, José Alberto Magno de Carvalho e Fabiana Santos. Esses dois referenciais trabalharam com a ideia de três momentos na história da formação dos espaços e tempos de Belo Horizonte, ao que se acrescentou um quarto momento mais recente.

CEDEPLAR (2004a, p. 9) caracteriza o primeiro momento o o o da p ese ça fo te do Estado tanto na construção da capital, quanto em sua grande reestruturação, no final dos anos 40 e i í io dos a os e o de o i a de A força da cultura . Já o segundo momento é o da efeti a o solidaç o da idade o o polo e o i o di i o, seja pela i pla taç o de parque industrial significativo, seja pela diversificação e expansão de sua estrutura de se iços, seja pelo e p essi o es i e to popula io al , denominado de A força da economia . O terceiro momento, denominado A fo ça da de o a ia e da solida iedade? , marcado por crises que vão paralisar a economia brasileira e p o o a empobrecimento da sociedade, pelo aumento do desemprego, pelo aumento da informalização do trabalho, pela redução da renda do trabalho e pela precarização da infraestrutura.

Na divisão proposta pelo CEDEPLAR, o período da Crise também contempla o início da Democratização e vice-e-versa. Pode-se considerar que a Democratização está presente na Crise, principalmente se considerarmos que ela se inicia nacionalmente após 1985, com o fim da ditadura militar e elaboração da constituição, e localmente, a gestão Pimenta da Veiga/Eduardo Azeredo, pode ser considerada como o início do processo de democratização em Belo Horizonte. Por sua vez, o período Democratização contempla ainda uma grande crise

nacional que começa a ser superada com o Plano Real (de 1994), mas que só vai se dissipar nos anos 2000. No âmbito municipal, é na década de 1990 o auge da crise da mobilidade, pós- Plano Real, com o surgimento de transporte clandestino entre outros fatores tratados no capítulo anterior. Uma vez que esse panorama começa a se transformar a partir de 1992, com mudanças políticas no nível local (chegada do Partido dos Trabalhadores à Prefeitura em 1993) e mudanças econômicas no nível nacional (o sucesso do Plano Real de 1994), foi proposto o quarto momento, que chega até o ano de 2014. Esse novo período, Democratização, é marcado por nova rodada de políticas públicas, especialmente expressas no Plano Diretor de Belo Horizonte que é aprovado em 1996 junto com a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo e que redireciona a produção do espaço do município e se desdobra em planos setoriais de transporte, se mantendo em vigor até os dias atuais, com as devidas atualizações expressas em leis40. No âmbito metropolitano, a partir de 2006, se inicia uma nova rodada de

políticas públicas com a reestruturação da gestão metropolitana e desenvolvimento do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI, que posteriormente se desdobra nos estudos denominados Macrozoneamento Metropolitano, finalizado em 2015.

Foi utilizado também como referência, a narrativa da história dos transportes feita a partir da pesquisa Omnibus – uma história dos transportes coletivos e Belo Ho izo te FJP, que detalha as diversas etapas dos transportes coletivos e traz algumas informações sobre ações em outros campos da mobilidade urbana.

Pretende-se perceber essa história a partir da perspectiva lefebvriana de momento, que o concebe em função da história do indivíduo, como uma forma superior da repetição, da retomada e da reaparição, do reconhecimento existente em certas relações com o outro e consigo mesmo e como u a te tati a isa do a ealizaç o total de u a possi ilidade , ideia que reflete bem os dois primeiros períodos adotados neste capítulo. Havia uma tentativa de realização de um projeto de cidade nos Primeiros tempos e da realização de uma metrópole no período seguinte. Porém, o período da Crise deve ser visto quase como um anti-momento, ou seja, uma certa [não]realização ou uma [im]possibilidade. Por sua vez, o período Democratização dos últimos vinte anos busca a realização de uma possibilidade de cidade

40 Leis de atualização do Plano Diretor e Lei de Parcelamento, Uso e ocupação do Solo: Lei nº 8.137, de

democrática. Um dos objetivos de se olhar para esses momentos passados está em ver o quanto eles se mantêm (ou se repetem) no momento presente, já que a (re)construção da história dos processos espaciais de Belo Horizonte contextualiza a análise do espaço e sua relação com a mobilidade a partir de quatro olhares propostos: os modos de transporte (a transição urbana), os pedaços da cidade, os espaços públicos e a disputa entre o transporte coletivo e o individual pelo tempo. Cada um dos momentos marcaram o espaço e contém os espaços produzidos nos momentos anteriores, constituindo assim um palimpsesto espaço- temporal. A analogia com o palimpsesto ( papi o ou pergaminho cujo texto primitivo foi

aspado, pa a da luga a out o 41 e que guarda vestígios dos escritos anteriores) contribui

para caracterizar o espaço urbano tanto com seus elementos arquitetônicos (edifícios e urbanizações) que se constroem e se destroem, quanto por seus elementos urbanísticos (forma urbana, bairros, ruas, praças e avenidas), que são mais que vestígios, pois orientam e até determinam as ocupações futuras.

Harvey (2006, p. 69) defende que a apa ia de u a cidade e o modo como os seus espaços se organizam formam uma base material a partir da qual é possível pensar, avaliar e realizar uma gama de possíveis sensações e práticas sociais. Harvey (1995, p. 1-2) propõe desvendar uma cidade por suas camadas, que formam um pali psesto, u a paisage o posta de várias formas construídas, sobrepostas umas às outras ao longo do tempo ; e apo ta ue as realidades da política e da economia do final do século vinte nos pressionam, demandando soluções urgentes para inúmeras questões.

A ênfase será nos elementos urbanísticos, especialmente os que se relacionam com os espaços públicos (ruas, praças e avenidas), que são destacados por sua correlação com a forma urbana resultante (os bairros e os pedaços) e com as opções de mobilidade. Há ainda destaque para a ocupação social e funcional dos espaços privados e públicos, que complementam a resultante socioespacial desejada. Os elementos arquitetônicos, ainda que presentes, não serão caracterizados como forma (suas fachadas, seus estilos e seus contextos históricos) e sim como função (seu uso como lugares de copresença que geram e atraem viagens) que é o que impacta a mobilidade.

3.2 P

RIMEIROS TEMPOS

(1897-1950):

PLANEJAMENTO E EXCLUSÃO DOS PROCESSOS DE

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