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Bacteriologia Clínica

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Visão Geral dos Principais Patógenos e Introdução às Bactérias Anaeróbias

VISÃO GERAL DOS PRINCIPAIS PATÓGENOS

Os principais patógenos bacterianos são apresentados na Tabela 14-1 e descritos nos Capítulos 15-26. A fim de que o leitor possa concentrar-se nos patógenos importantes, as bactérias de menor importância médica são descritas em um capítulo diferente (ver Capítulo 27).

A Tabela 14-1 é dividida em organismos prontamente corados pela coloração de Gram e aqueles que não o são. Os organismos prontamente corados classificam-se em quatro categorias: cocos gram-positivos, cocos gram-negativos, ba- cilos gram-positivos e bacilos gram-negativos. Uma vez que existem tantos tipos de bacilos gram-negativos, estes foram separados em três grupos:

(1) Organismos associados ao trato intestinal; (2) Organismos associados ao trato respiratório; (3) Organismos oriundos de fontes animais (bactérias zoonóticas).

Para facilitar o entendimento, os organismos associados ao trato intestinal são ainda subdivididos em três grupos: (1) patógenos encontrados dentro e fora do trato intestinal, (2) patógenos encontrados no interior do trato intestinal e (3) patógenos externos ao trato intestinal.

Como ocorre em qualquer classificação envolvendo en- tidades biológicas, esta não é totalmente precisa. Por exem- plo, Campylobacter causa doença do trato intestinal, mas está frequentemente associado a uma fonte animal. Entretanto, apesar de algumas imprecisões, a subdivisão do grande nú- mero de bacilos gram-negativos nestas categorias funcionais poderá ser útil ao leitor.

Os organismos não corados prontamente pela coloração de Gram classificam-se em seis categorias principais: espécies de Mycobacterium, que são bacilos acidorresistentes; espécies de Mycoplasma, que não apresentam parede celular e, por- tanto, não são coradas pela coloração de Gram; espécies de

Treponema e Leptospira, que são espiroquetas muito delgados para serem visualizados quando corados pela coloração de Gram; e espécies de Chlamydia e Rickettsia, que são coradas adequadamente com o corante Giemsa ou outros corantes especiais, porém fracamente com a coloração de Gram. As espécies de Chlamydia e Rickettsia são parasitas intracelulares obrigatórios, ao contrário dos membros dos outros quatro gêneros.

A Tabela 14-2 apresenta as 10 doenças bacterianas “no- tificáveis” mais comuns nos Estados Unidos em 2003, con- forme compilado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Observe que somente as doenças notificáveis estão incluídas e que certas condições comuns, como faringite es- treptocóccica e impetigo, não são incluídas. Duas doenças sexualmente transmissíveis, infecção clamidial e gonorreia, são as doenças significativamente mais comuns dentre as lis- tadas, seguidas pela salmonelose, sífilis e shigelose, as quais ocupam as primeiras cinco posições.

INTRODUÇÃO ÀS BACTERIAS ANAERÓBIAS

Propriedades importantes

Os anaeróbios são caracterizados por sua capacidade de crescer somente em atmosfera contendo menos de 20% de oxigênio, isto é, exibem crescimento pobre ou ausente em atmosfera ambiente. Formam um grupo heterogêneo com- posto por uma variedade de bactérias, desde aquelas que exi- bem crescimento mínimo em oxigênio a 20% até aquelas capazes de crescer apenas com oxigênio abaixo de 0,02%. A Tabela 14-3 descreve as necessidades ótimas de oxigênio para vários grupos representativos de organismos. Os ae- róbios obrigatórios, como Pseudomonas aeruginosa, exibem melhor crescimento na atmosfera ambiente com oxigênio a 20% e nenhum crescimento em condições anaeróbias. Os anaeróbios facultativos, como Escherichia coli, podem crescer

em qualquer das circunstâncias. Organismos aerotolerantes, como Clostridium histolyticum, podem exibir certo grau de crescimento no ar, entretanto multiplicam-se de forma mais rápida em uma concentração de oxigênio mais baixa. Or- ganismos microaerorofílicos, como Campylobacter jejuni, requerem concentração de oxigênio reduzida (aproximada- mente 5%) para crescimento ótimo. Os anaeróbios obriga- tórios, como Bacteroides fragilis e Clostridium perfringens, requerem ausência praticamente total de oxigênio. Vários anaeróbios utilizam nitrogênio, em vez de oxigênio, como aceptor terminal de elétrons.

A principal razão da inibição do crescimento de anae- róbios pelo oxigênio consiste na quantidade reduzida (ou ausência) de catalase e superóxido dismutase (SOD) ob- servada nos anaeróbios. A catalase e o SOD eliminam os compostos tóxicos peróxido de hidrogênio e superóxido, formados durante a produção de energia pelo organismo (ver Capítulo 3). Outra razão é a oxidação de grupos sul- fidril essenciais das enzimas, sem poder redutor suficiente para regenerá-las.

Além da concentração de oxigênio, o potencial de oxida- ção-redução (Eh) de um tecido é um determinante importan- te do crescimento de anaeróbios. Áreas com baixo Eh, como bolsas periodontais, placa dental, e cólon, propiciam cresci- mento adequado de anaeróbios. Lesões por compressão, que resultam na desvitalização tissular causada por suprimento sanguíneo insuficiente, originam baixo Eh, permitindo o crescimento de anaeróbios e a promoção de doenças.

Anaeróbios de interesse médico

Os anaeróbios de interesse médico são apresentados na Ta- bela 14-4. Pode-se observar que eles incluem bacilos e cocos, além de organismos tanto gram-positivos quanto gram-ne-

gativos. Os bacilos são divididos em formadores de esporos, por exemplo, Clostridium, e os não formadores de esporos, por exemplo, Bacteroides. Neste livro, três gêneros de anaeró- bios são descritos como os principais patógenos bacterianos, isto é, Clostridium, Actinomyces e Bacteroides. Streptococcus é um gênero de importantes patógenos, consistindo em or- ganismos tanto anaeróbios quanto facultativos. Os demais anaeróbios exibem menor importância, sendo discutidos no Capítulo 27.

Infecções clínicas

Muitos dos anaeróbios de importância médica são membros da microbiota normal dos humanos. Como tal, não cor- respondem a patógenos em seu hábitat normal, causando doença apenas quando deixam esses sítios. Duas exceções Tabela 14-1 Principais patógenos bacterianos

Tipo de organismo Gênero

Prontamente coradas por Gram

Cocos gram-positivos Staphylococcus, Streptococcus, Enterococcus

Cocos gram-negativos Neisseria

Bacilos gram-positivos Corynebacterium, Listeria, Bacillus, Clostridium, Actinomyces, Nocardia

Bacilos gram-negativos Organismos do trato intestinal

Patogênicos interna e externamente ao trato Escherichia, Salmonella

Patogênicos principalmente no interior do trato Shigella, Vibrio, Campylobacter, Helicobacter

Patogênicos externamente ao trato Grupo Klebsiella-Enterobacter-Serratia, Pseudomonas, Grupo Proteus-Providen-

cia-Morganella, Bacteroides

Organismos do trato respiratório Haemophilus, Legionella, Bordetella

Organismos de fontes animais Brucella, Francisella, Pasteurella, Yersinia

Não prontamente corados por Gram

Parasitas intracelulares não obrigatórios Mycobacterium, Mycoplasma, Treponema, Leptospira

Parasitas intracelulares obrigatórios Chlamydia, Rickettsia

Tabela 14-2 As 10 doenças bacterianas notificáveis mais

comuns nos Estados Unidos em 20051

Doença Número de casos

Infecções genitais por clamídias 976.445

Gonorreia 339.593 Salmonelose 45.322 Sífilis 33.278 Coqueluche 25.616 Doença de Lyme 23.305 Shigelose 16.168 Tuberculose 14.097

Doença estreptocóccica, grupo A, invasiva 4.715 Infecção por Escherichia coli entero-hemor-

rágica, O157

2.621

1

marcantes são Clostridium botulinum e Clostridium tetani, os agentes do botulismo e tétano, respectivamente, que são or- ganismos do solo. C. perfringens, outro importante patógeno de humanos, é encontrado no cólon e no solo.

As doenças causadas por membros anaeróbios da micro- biota normal caracterizam-se por abscessos, localizados mais frequentemente no cérebro, nos pulmões, no trato genital fe- minino, no trato biliar, e em outros sítios intra-abdominais. A maioria dos abscessos contém mais de um organismo, quer múltiplos anaeróbios, quer uma mistura de anaeróbios e anaeróbios facultativos. Acredita-se que os anaeróbios fa- cultativos consumam oxigênio suficiente, permitindo o cres- cimento dos anaeróbios.

Três importantes achados no exame físico que levam à suspeita de infecção anaeróbia são secreção fétida, presença de gás no tecido e necrose de tecido. Além disso, infecções associadas à aspiração pulmonar, à cirurgia intestinal, ao aborto, ao câncer, ou a mordeduras por humanos ou animais frequentemente envolvem anaeróbios.

Diagnóstico laboratorial

Dois aspectos do diagnóstico microbiológico de uma infec- ção anaeróbia são importantes, antes mesmo da cultura do espécime: (1) obtenção do espécime apropriado e (2) o rápi- do transporte do espécime ao laboratório em condições ana-

eróbias. Um espécime apropriado é aquele que não contêm membros da microbiota normal que poderiam confundir a interpretação. Por exemplo, espécimes como sangue, fluido pleural, pus e aspirados transtraqueais são apropriados, ao contrário do escarro e das fezes.

No laboratório, as culturas são manipuladas e incubadas em condições anaeróbias. Além dos critérios diagnósticos usuais da coloração de Gram, morfologia e reações bioquí- micas, a técnica especial de cromatografia gasosa é importan- te. Nesse procedimento, são quantificados ácidos orgânicos, como os ácidos fórmico, acético e propiônico.

Tratamento

Em geral, a drenagem cirúrgica do abscesso e a administra- ção de fármacos antimicrobianos são indicadas. Fármacos habitualmente utilizados no tratamento de infecções anaeró- bias são penicilina G, cefoxitina, cloranfenicol, clindamicina e metronidazol. Observe, no entanto, que vários isolados do importante patógeno B. fragilis produzem β-lactamases, sen- do, portanto, resistentes à penicilina.

QUESTÕES PARA ESTUDO

As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo- gia clínica) e Teste seu conhecimento.

Tabela 14-3 Necessidades ótimas de oxigênio de bactérias representativas

Tipo bacteriano Organismo representativo

Crescimento nas seguintes condições

Aeróbia Anaeróbia

Aeróbios obrigatórios Pseudomonas aeruginosa 3 + 0

Anaeróbios facultativos Escherichia coli 4 + 3 +

Organismos aerotolerantes Clostridium histolyticum 1 + 4 +

Microaerófilos Campylobacter jejuni 0 1 +1

Anaeróbios obrigatórios Bacteroides fragilis 0 4 +

1

C. jejuni exibe melhor crescimento (3 +) em 5% de O2 e 10% de CO2. É também denominado capnofílico em virtude de sua necessidade de CO2 para crescimento

ótimo.

Tabela 14-4 Bactérias anaeróbias de interesse médico

Morfologia Coloração de Gram Gênero

Bacilos formadores de esporos + Clostridium

– Nenhum

Bacilos não formadores de esporos + Actinomyces, Bifidobacterium, Eubacterium, Lactobacillus, Propionibacterium

Bacteroides, Fusobacterium

Cocos não formadores de esporos + Peptococcus, Peptostreptococcus, Streptococcus