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13 Esterilização e Desinfecção

A esterilização é a eliminação ou remoção de todos os mi-

cro-organismos, incluindo os esporos bacterianos, os quais são altamente resistentes. A esterilização é usualmente rea- lizada pela autoclavagem, que consiste na exposição a vapor a 121ºC, sob pressão de 15 lb/pol2, por 15 minutos. Ins- trumentos cirúrgicos, que podem ser danificados por calor úmido, geralmente são esterilizados por meio da exposição ao gás óxido de etileno, enquanto a maioria das soluções in- travenosas é esterilizada por filtração.

A desinfecção consiste na morte de muitos micro-orga-

nismos, mas não de todos. Para uma desinfecção adequada, os patógenos devem ser mortos, apesar de alguns organismos e os esporos bacterianos poderem sobreviver. Em relação às propriedades de danos aos tecidos, os desinfetantes variam de compostos corrosivos contendo fenol, que devem ser uti- lizados apenas em objetos inanimados, a compostos menos tóxicos, como etanol e iodo, que podem ser utilizados em superfícies cutâneas. Os compostos químicos empregados para matar micro-organismos na superfície da pele e nas membranas mucosas são denominados antissépticos.

TAXA DE MORTE DE MICROORGANISMOS

A morte de micro-organismos ocorre em determinada taxa, dependendo principalmente de duas variáveis: a concentra- ção do agente e o período de tempo em que o agente é apli- cado. A taxa de morte é definida pela relação

N ∝ 1/CT

a qual revela que o número de sobreviventes, N, é inversa- mente proporcional à concentração do agente, C, e ao tempo de aplicação do agente, T. Coletivamente, CT é referido fre- quentemente como a dose. Dito de outra maneira, o núme- ro de micro-organismos mortos é diretamente proporcional a CT. A relação é habitualmente referida em termos de so- breviventes, uma vez que estes são facilmente quantificados

a partir da formação de colônias. A morte é definida como a incapacidade de reproduzir-se. Em determinadas circuns- tâncias, os restos celulares de bactérias mortas ainda podem acarretar problemas (ver página 57).

AGENTES QUÍMICOS

Os compostos químicos variam significativamente quanto à capacidade de matar os micro-organismos. Uma medida quantitativa dessa variação é expressa como o coeficiente fenólico, que corresponde à razão entre a concentração de

fenol e a concentração do agente requerida para causar a mesma taxa de morte nas condições padrão do teste.

Os agentes químicos atuam principalmente por um dentre três mecanismos: (1) ruptura da membrana celu- lar contendo lipídeos, (2) modificação de proteínas ou (3) modificação do DNA. Cada um dos seguintes agentes quí- micos foi classificado em uma das três categorias, embora alguns dos compostos químicos atuem por mais de um me- canismo.

RUPTURA DE MEMBRANAS CELULARES

Álcool

O etanol é amplamente utilizado na limpeza da pele antes da imunização ou venopuntura. Atua principalmente pela desorganização da estrutura lipídica das membranas, mas também desnatura as proteínas. O etanol requer a presença de água para atividade máxima; ou seja, é muito mais efetivo a 70% do que a 100%. Etanol a setenta por cento é frequen- temente utilizado como um antisséptico para a limpeza da pele antes da venopuntura. Entretanto, uma vez que não é tão eficaz quanto compostos contendo iodo, estes últimos devem ser utilizados antes da coleta de hemocultura ou in- trodução de cateteres intravenosos.

Detergentes

Os detergentes são agentes “superfície-ativos” compostos por uma porção hidrofóbica de cadeia longa e lipossolúvel e um grupo hidrofílico polar, que pode ser um cátion, um ânion, ou um grupo não iônico. Estes surfactantes intera- gem com lipídeos da membrana celular por meio de sua cadeia hidrofóbica, e com a água circundante por meio de seu grupo polar, rompendo, assim, a membrana. Compos- tos quaternários de amônio, por exemplo, cloreto de benzal- cônio, são detergentes catiônicos amplamente utilizados na antissepsia da pele.

Fenóis

O fenol foi o primeiro desinfetante utilizado em sala cirúr- gica (por Lister, por volta de 1860), apesar de ser raramen- te utilizado nos tempos atuais como desinfetante devido ao fato de ser muito cáustico. O hexaclorofeno, que consiste em um bifenol com seis átomos de cloro, é utilizado em sabões germicidas, porém preocupações quanto à possível neurotoxicidade limitaram seu uso. Outro derivado fenólico corresponde ao cresol (metilfenol), o ingrediente ativo do Lysol. Os fenóis não apenas danificam as membranas, como também desnaturam as proteínas.

MODIFICAÇÃO DE PROTEÍNAS

Cloro

O cloro é utilizado como desinfetante na purificação de su- primentos de água e no tratamento de piscinas. Também corresponde ao componente ativo do hipoclorito (água sa- nitária, Clorox), o qual é utilizado como desinfetante em re- sidências e hospitais. O cloro é um agente oxidante potente que provoca a morte por promover a ligação cruzada de gru- pos sulfidril essenciais de enzimas, originando o dissulfeto inativo.

Iodo

O iodo é o antisséptico cutâneo mais efetivo utilizado na prática médica, devendo ser utilizado antes da coleta de uma hemocultura ou da introdução de cateteres intravenosos, uma vez que a contaminação pela microbiota da pele, bem como por Staphylococcus epidermidis, pode representar um problema. O iodo é fornecido em duas formas:

(1) A tintura de iodo (solução a 2% de iodo e iodeto de potássio em etanol) é utilizada para preparar a pele antes de uma coleta de sangue. Por poder irritar a pele, a tintura de iodo deve ser removida com álcool.

(2) Iodóforos são complexos de iodo com detergentes, frequentemente utilizados no preparo da pele antes de ci- rurgias, uma vez que são menos irritantes que a tintura de iodo. O iodo, assim como o cloro, é um oxidante que inativa enzimas contendo sulfidril. Também se liga especificamente a resíduos de tirosina em proteínas.

Metais pesados

O mercúrio e a prata exibem a maior atividade antibacte- riana dentre os metais pesados, sendo os mais amplamente utilizados na medicina. Atuam ligando-se aos grupos sul- fidril, bloqueando, assim, a atividade enzimática. O time- rosal (Merthiolate) e a merbromina (Mercurocromo), que contêm mercúrio, são utilizados como antissépticos cutâ- neos. O nitrato de prata em gotas é utilizado na prevenção de oftalmia gonocóccica neonatal. A sulfadiazina de prata é utilizada na prevenção de infecções de ferimentos por quei- madura.

Peróxido de hidrogênio

O peróxido de hidrogênio é utilizado como antisséptico na limpeza de ferimentos e para desinfetar lentes de contato. Sua eficácia é limitada pela capacidade do organismo produ- zir catalase, enzima que degrada H2O2. (As borbulhas pro- duzidas quando o peróxido é aplicado nos ferimentos são formadas pelo oxigênio originado a partir da clivagem do H2O2 pela catalase tissular.) O peróxido de hidrogênio é um agente oxidante que ataca os grupos sulfidril, inibindo, as- sim, a atividade enzimática.

Formaldeído e glutaraldeído

O formaldeído, disponível na forma de solução a 37% em água (Formalina), promove a desnaturação de proteínas e ácidos nucleicos. Tanto as proteínas quanto os ácidos nuclei- cos contêm grupos essenciais –NH2 e –OH, que são os prin- cipais sítios de alquilação pelo grupo hidroximetil do for- maldeído. O glutaraldeído, que possui dois grupos aldeído reativos, é 10 vezes mais eficaz que o formaldeído, além de ser menos tóxico. Em hospitais, é utilizado na esterilização de equipamentos de terapia respiratória.

Óxido de etileno

O gás óxido de etileno é amplamente utilizado em hospitais na esterilização de materiais termossensíveis, como instru- mentos cirúrgicos e plásticos. Provoca a morte por meio da alquilação de proteínas e ácidos nucleicos. Isto é, o grupo hidroxietil ataca os átomos de hidrogênio reativos presentes em grupos amino e hidroxil essenciais.

Ácidos e álcalis

Ácidos fortes e álcalis provocam a morte pela desnaturação de proteínas. Embora a maioria das bactérias seja suscetível a NaOH a 2%, é importante observar que Mycobacterium tu- berculosis e outras micobactérias são relativamente resistentes a ele, que é utilizado no laboratório clínico para liquefazer o escarro antes da cultura do organismo. Ácido fracos, como os ácidos benzoico, propiônico e cítrico, são frequentemen- te utilizados como conservantes de alimentos, uma vez que são bacteriostáticos. A ação desses ácidos é parcialmente uma função da porção orgânica, por exemplo, benzoato, assim como do pH baixo.

MODIFICAÇÃO DE ÁCIDOS NUCLEICOS

Uma variedade de corantes não apenas cora os micro-or- ganismos, mas também inibe seu crescimento. Um desses corantes é o cristal violeta (violeta de genciana), o qual é uti- lizado como antisséptico cutâneo. Sua ação baseia-se na liga- ção da molécula do corante de carga positiva aos grupos fos- fato de carga negativa dos ácidos nucleicos. Verde malaquita, um cristal violeta do tipo trifenilamina, é um componente do meio de Löwenstein-Jensen, utilizado para cultivar M. tuberculosis. O corante inibe o crescimento de organismos indesejados no escarro durante o período de incubação de 6 semanas.

AGENTES FÍSICOS

Os agentes físicos atuam pela transmissão de energia na for- ma de calor ou radiação, ou pela remoção dos organismos por filtração.

CALOR

A energia térmica pode ser aplicada de três maneiras: na forma de calor úmido (por fervura ou autoclavagem), calor seco ou por pasteurização. Em geral, o calor provoca a morte pela desnaturação de proteínas, embora danos à membrana e clivagem enzimática do DNA também possam estar envolvi- dos. O calor úmido promove a esterilização a uma tempera- tura mais baixa que o calor seco, uma vez que a água auxilia na ruptura de ligações não covalentes como, por exemplo, pontes de hidrogênio, que mantêm unidas as cadeias protei- cas em suas estruturas secundária e terciária.

A esterilização por calor úmido, usualmente a autocla- vagem, corresponde ao método de esterilização utilizado

com mais frequência. Uma vez que os esporos bacterianos são resistentes à ebulição (100ºC ao nível do mar), eles

devem ser expostos a temperaturas mais altas; esse proces- so só pode ser realizado com um aumento na pressão. Com esse objetivo, utiliza-se uma autoclave, em que o vapor, a uma pressão de 15 lb/pol2, atinge temperatura de 121ºC, sendo esta mantida por 15-20 minutos. Esse processo mata até mesmo os esporos altamente termorresistentes de Clostri- dium botulinum, a causa do botulismo, com margem de se- gurança. Para testar a eficácia do processo de autoclavagem, são utilizados organismos formadores de esporos, como, por exemplo, membros do gênero Clostridium.

A esterilização por calor seco, ao contrário, requer tem- peraturas na faixa de 180ºC por 2 horas. Esse processo é utilizado principalmente para vidraria, sendo utilizado com menor frequência que a autoclavagem.

A pasteurização, utilizada principalmente para o leite,

consiste no aquecimento do leite a 62ºC por um período de 30 minutos, seguido por rápido esfriamento. (A pasteu- rização “rápida” a 72ºC por 15 segundos é frequentemente utilizada.) Isso é suficiente para matar as células vegetativas

de patógenos transmitidos pelo leite, por exemplo, Myco- bacterium bovis, Salmonella, Streptococcus, Listeria e Brucella, mas não esteriliza o leite.

RADIAÇÃO

Os dois tipos de radiação utilizados para matar micro-or- ganismos são a luz ultravioleta (UV) e raios-X. A maior

atividade antimicrobiana da luz UV ocorre a 250-260 nm, que corresponde à região de comprimento de onda de ab- sorção máxima pelas bases púricas e pirimídícas do DNA. A lesão mais importante causada pela irradiação UV con- siste na formação de dímeros de timina, embora também ocorra a adição de grupos hidroxil às bases. Como resulta- do, a replicação de DNA é inibida, tornando o organismo incapaz de crescer. As células possuem mecanismos de re- paro de danos induzidos por UV, que envolvem a clivagem de dímeros na presença de luz visível (fotorreativação) ou excisão de bases danificadas, que não depende de luz vi- sível (reparo na ausência de luz). Uma vez que a radiação UV pode causar danos à córnea e à pele, o uso de irra- diação UV na medicina é limitada. Entretanto, é utilizada em hospitais para matar organismos transmitidos pelo ar, especialmente em salas cirúrgicas que não se encontram em uso. Os esporos bacterianos são bastante resistentes e requerem uma dose até 10 vezes superior àquela das bac- térias vegetativas.

Os raios-X exibem maior energia e poder de penetra- ção que a radiação UV e causam a morte principalmente pela produção de radicais livres, por exemplo, produção de radicais hidroxil a partir da hidrólise da água. Esses radicais altamente reativos podem romper as ligações covalentes do DNA, matando, assim, o organismo. Compostos contendo sulfidril, como o aminoácido cisteína, podem proteger o DNA contra o ataque de radicais livres. Outro mecanismo consiste em um ataque direto sobre uma ligação covalente do DNA, resultando na ruptura da cadeia. No entanto, esse processo é provavelmente menos importante que o mecanis- mo envolvendo radicais livres.

Os raios-X matam prontamente as células vegetativas, porém os esporos são acentuadamente resistentes, provavel- mente em virtude de seu baixo teor de água. Os raios-X são utilizados na medicina para a esterilização de itens termos- sensíveis, como suturas e luvas cirúrgicas, bem como itens plásticos, como seringas.

FILTRAÇÃO

A filtração é o método preferencial de esterilização de de- terminadas soluções, como aquelas contendo componentes termossensíveis. No passado, as soluções para uso intrave- noso eram submetidas à autoclave, no entanto a endotoxi- na termorresistente das paredes celulares de bactérias gram- -negativas mortas causava febre nos receptores das soluções.

Desse modo, atualmente, as soluções são filtradas a fim de que se tornem livres de pirogênio antes da autoclavagem.

O filtro mais comumente utilizado é composto de ni- trocelulose e possui poros com tamanho de 0,22 μm. Este

tamanho promove a retenção de todas as bactérias e esporos. Os filtros atuam pela captura física de partículas maiores que a dimensão do poro e retenção de partículas um pouco me- nores pela atração eletrostática das partículas aos filtros.

CONCEITOS-CHAVE

A esterilização consiste na

morte de todas as formas de vida

microbiana, incluindo os esporos bacterianos. Os esporos são

resistentes à fervura, de modo que a esterilização de equipamen-

tos médicos é realizada tipicamente a 121ºC por 15 minutos em autoclave. A esterilização de materiais termossensíveis é realizada pela exposição ao óxido de etileno, enquanto os líquidos podem ser esterilizados por filtração.

A

desinfecção consiste na redução do número de bactérias a um

nível suficientemente baixo, de modo que a ocorrência de doença seja improvável. Os esporos e algumas bactérias sobreviverão. Por exemplo, a desinfecção do suprimento de água é obtida pelo trata- mento com cloro. A desinfecção da pele antes de uma venopuntura é realizada pelo tratamento com etanol a 70%. Os desinfetantes suaves o suficiente para serem aplicados sobre a pele e outros teci- dos, como etanol a 70%, são denominados antissépticos. A morte de micróbios por agentes químicos ou radiação é propor-

cional à dose, a qual é definida como o produto da concentração multiplicada pelo tempo de exposição.

Os agentes químicos matam as bactérias por uma dentre três

ações: ruptura dos lipídeos das membranas celulares, modificação de proteínas ou modificação do DNA.

Os agentes físicos matam (ou removem) bactérias por um dentre

três processos: calor, radiação ou filtração.

O calor geralmente é aplicado em temperaturas acima da ebulição

(121ºC) a fim de matar os esporos, entretanto materiais termossen- síveis, como o leite, são expostos a temperaturas inferiores ao ponto de ebulição (pasteurização), promovendo a morte de patógenos presentes no leite, mas não sua esterilização.

A radiação, como a

luz ultravioleta e radiação X, é frequentemen-

te utilizada na esterilização de itens termossensíveis. A luz ultravio- leta e a radiação X matam causando danos ao DNA.

A filtração é capaz de esterilizar líquidos quando a dimensão dos

poros do filtro for pequena o suficiente para reter todas as bactérias e os esporos. Líquidos termossensíveis, por exemplo, fluidos intrave- nosos, são frequentemente esterilizados por filtração.

QUESTÕES PARA ESTUDO

As questões sobre tópicos discutidos neste capítulo podem ser encontradas nos itens Questões para estudo (Bacteriolo- gia clínica) e Teste seu conhecimento.

PARTE II