• Nenhum resultado encontrado

A banalização da prisão preventiva como desafio à manutenção das entidades familiares da mulher encarcerada

3 A DISSONÂNCIA EXISTENTE ENTRE A LEI E O PLANO FÁTICO

4 DOS DESAFIOS IMPOSTOS PELA BANALIZAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA À MANUTENÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR DA MULHER

4.2 A banalização da prisão preventiva como desafio à manutenção das entidades familiares da mulher encarcerada

Abordar a problemática da dificuldade de manutenção de entidades familiares pela mulher privada de liberdade sem explorar a banalização da prisão preventiva é, deveras, um contrassenso. Tal percepção deriva do fato de que, consoante informações reunidas

até junho de 2016, cerca de 45% (quarenta e cinco por cento)151 das mulheres presas no Brasil ainda não haviam sido julgadas e condenadas, ou seja, estavam acauteladas preventivamente152.

Noutros termos, é insensato ignorar a natureza da prisão à qual quase metade das mulheres brasileiras encarceradas está submetida. Diante disso, também é urgente alcançar a compreensão de que o instituto da prisão preventiva vem sendo largamente banalizado nos últimos tempos, o que põe em risco a própria razão de ser da medida cautelar em comento.

Nesse trilhar, impende destacar que alguns fatores fortalecem tal criticável fenômeno de banalização da prisão preventiva, sendo um deles a construção argumentativa vaga e inconsistente utilizada pelos magistrados tanto para a decretação, quanto para a manutenção da prisão preventiva. Não é raro se deparar com situações nas quais o operador do direito opta por uma custódia desarrazoada, ora interpretando alguns dos fundamentos previstos no caput do artigo 312 do CPP de maneira errônea, ora se valendo da abstração de alguns desses fundamentos.

Em reforço ao que vem sendo exposto, cumpre mencionar que a pesquisa realizada por Guilherme de Negreiros sobre os acórdãos da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte demonstra o uso de um discurso inquisitivo pela referida corte. No julgamento de ordens de habeas corpus, notou-se que a prisão preventiva era, normalmente, mantida e, na maioria dos casos, não havia uma observação voltada à conduta do paciente em si153.

A rigor, alguns padrões eram seguidos com frequência pelo tribunal em comento, bem como apontados como argumentos para manutenção da segregação cautelar. A exemplo de tais padrões, pode-se citar o resguardo ao prestígio e credibilidade da justiça mediante a prisão como resposta judiciária rápida e o número crescente de delitos.154

151

É importante considerar que o percentual indicado era, verdadeiramente, ainda maior, pois nele não foram computadas as mulheres que estavam custodiadas em carceragens de delegacia. Até mesmo hoje, o patamar deve ser superior, considerando que se passaram três anos desde 2016 e que entre 2014 e 2016, o percentual sofreu um crescimento de 10 % (dez por cento). MULHERES, Infopen. Levantamento Nacional De Informações Penitenciárias. Infopen

Mulheres 2. ed. 2018. Disponível em: http:

//depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopemulheres_arte_07-03- 18.pdf. Acesso em: 15 jul. 2019.

152

Ibidem.

153REINALDO, Guilherme de Negreiros Diógenes. O discurso inquisitivo na justiça criminal

potiguar. 2019. 203 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.

154

Nesse contexto, seguramente, um exemplo nítido pode ser extraído dos constantes equívocos evidenciados na utilização do fundamento da necessidade de assegurar a aplicação da lei penal. Tal fundamento deve sustentar a segregação cautelar apenas nas hipóteses em que há um risco real de fuga da pessoa acusada e, consequentemente, risco de não ser aplicada a lei penal na eventualidade de uma decisão condenatória155. O ponto nevrálgico da questão é, portanto, perceber se o alegado risco de fuga deriva de uma análise legítima do contexto fático ou de meras especulações teóricas dos agentes públicos, sendo neste último caso inválida156.

Nesse mesmo sentido já se posicionou o STF, deixando claro que a incidência do fundamento da necessidade de se assegurar a aplicação da lei penal depende diretamente de evidências do risco de fuga que estejam amparadas em base empírica idônea, bem como de razões aptas a justificar a necessidade da privação cautelar da liberdade da pessoa indiciada ou da parte ré157.

De igual modo, o uso incorreto do fundamento da conveniência da instrução criminal também vem possibilitando a decretação de prisões preventivas injustificadas. A esse respeito, é preciso internalizar o entendimento de que a conveniência da instrução criminal não pode ser confundida com comodidade da instrução criminal, pois a prisão cautelar somente será cabível quando utilizada para impedir que a pessoa acusada prejudique a consecução da verdade158.

Isto é, o magistrado não pode, sob o argumento da conveniência da instrução criminal, decretar uma prisão preventiva somente porque a parte ré reside em local distante, de modo que a segregação cautelar facilitaria a participação do indivíduo acusado nos atos processuais, a exemplo do comparecimento em audiência159. A bem da

verdade, o fundamento em comento deve ser empregado para assegurar a produção de provas, nas ocasiões em que há evidências concretas de que a pessoa acusada, estando em liberdade, pode destruir ou esconder provas ou, ainda, ameaçar testemunhas160.

155 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p.489.

156

Ibidem.

157 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Relator Ministro Celso de Mello. Classe: HC – Processo: 80719/SP, Segunda Turma. Data da decisão: 26/06/2001. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/jurisp.asp. Acesso em: 01 out. 2019.

158

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, vol. 3. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 560.

159

Ibidem. 160

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas, principais modificações

Nesse sentido, a Excelsa Corte - assim como se posicionou em relação ao fundamento da necessidade da aplicação da lei penal - deixou claro que mera a presunção judicial de que a pessoa presa, caso liberta, manipulará a instrução ou constrangerá testemunhas não é suficiente. É preciso haver demonstração de elementos concretos nos autos que levam a esse entendimento, sob pena de restar configurado um constrangimento ilegal161.

Malgrado não esteja alinhado ao cenário vivenciado pelo perfil de mulheres traçadas no item 3.2, o fundamento da garantia da ordem econômica também tem sua aplicação constantemente questionada por parte da doutrina162. Conforme visto

anteriormente, o fundamento em questão busca evitar a reiteração de condutas da pessoa presa que gerariam eventuais perdas financeiras vultuosas.

No entanto, esse fundamento também vem sendo utilizado de maneira errônea, podendo-se notar, por exemplo, que, em alguns casos, a preservação da ordem econômica vem até mesmo antecipando o mérito do caso concreto. Ou seja, com o pretexto de se garantir a ordem econômica, muitas prisões cautelares são decretadas sem razão consistente e, portanto, carregam ilegalidade163.

Em razão disso a decretação da prisão cautelar é, doutrinariamente, posta em discussão, sob o argumento de que o propósito da garantia da ordem econômica poderia ser mais facilmente atingido a partir de sanções patrimoniais, a exemplo do sequestro e da indisponibilidade dos bens dos possíveis responsáveis pelo delito164.

do júri e as medidas cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 3. Ed. revista, atualizada e ampliada – Natal: OWL, 2019, p. 275.

161Esse entendimento foi exarado no julgamento do Habeas Corpus nº 91741 pela Primeira Turma

do STF: “Habeas corpus. Processual penal. Prisão Preventiva. Garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e efetividade da aplicação da lei penal. Ausência de elementos concretos. Constrangimento ilegal. 1. A prisão preventiva não se sustenta quando decretada para garantia da ordem pública fundada no clamor social e na repercussão do crime. Também não a justificativa, por conveniência da instrução criminal, a presunção judicial de constrangimento a testemunhas. 2. Fuga e posterior apresentação espontânea. Comportamento expressivo de que a aplicação da lei penal não está ameaçada. Ordem concedida. (STF, HC 91741, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Relator p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 03/06/2008, DJe-167 DIVULG 04-09-2008 PUBLIC 05-09-2008)” Paciente: Benedito dos Anjos Félix Autoridade Coatora: Superior Tribunal de Justiça Relator: Ministra Ellen Gracie, 03 de

junho de 2008. Disponível em:

http://www.tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/CadernosJuridicos/pp%203.pdf?d=6366855 14639607632. Acesso em: 01 out. 2019.

162SICA, Leonardo. Prisão preventiva para a garantia da ordem econômica. Disponível em:

<http://sqadvogados.com.br/download/Prisao-preventiva-para-garantia-da-ordem- economica.pdf>. Acesso em: 01 out. 2019.

163Ibidem.

164

Consequentemente, se não há indispensabilidade em relação à prisão preventiva, é natural concluir que o simples uso do fundamento da garantia da ordem econômica contribui para sua banalização.

Ainda, tem-se o fundamento da garantia da ordem pública. Utilizado às cegas, o fundamento em análise é objeto das mais diversas associações, tais como a gravidade do delito, a periculosidade da parte ré, a credibilidade da justiça, o clamor social e até mesmo a repercussão midiática165. De fato, a garantia da ordem pública é constantemente

invocada em razão de sua indeterminação conceitual e subjetividade, as quais acabam por conferir ao magistrado uma ampla margem de discricionariedade166.

Não por acaso Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa doutrinam que o fundamento em referência – cuja origem se deu no nazifascismo alemão de 1930, justamente com o propósito de autorizar a prisão de forma ampla e genérica - deve ser considerado inconstitucional, uma vez que vem funcionando como mera medida de segurança pública e pena antecipada, não sendo, portanto, consentâneo com a finalidade cautelar de tutelar o processo167.

165

MINAGUÉ, Thiago. Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição. 3.ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p.149.

166 A título exemplificativo, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no qual a garantia da ordem pública fundamentou a denegação da prisão domiciliar, tendo sido associada mais a gravidade e periculosidade em concreto da ação praticada pela paciente: “HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS. CONVERSÃO EM PRISÃO DOMICILIAR. PACIENTE MÃE DE FILHOS MENORES DE 12 ANOS. SITUAÇÃO EXCEPCIONALÍSSIMA. ORDEM DENEGADA. 1. A garantia da ordem pública está elencada no artigo 312 do Código de Processo Penal como um dos fundamentos a justificar a prisão preventiva de uma pessoa. Tal conceito deve ser interpretado como instrumento de manutenção ou de restabelecimento da tranquilidade do meio social que foi desordenado pela periculosidade do agente, pelo fundado receio de reiteração da prática criminosa, pela gravidade concreta da conduta a ele imputada demonstrada pelo modus operandi de sua ação. 2. No caso, pelo excerto acima transcrito, percebe-se que a prisão preventiva da paciente foi decretada em razão da gravidade em concreto da conduta, evidenciada pela quantidade e diversidade de entorpecentes que o (sic) paciente trazia consigo (maconha e cocaína). Destaca-se, ainda, que as drogas foram encontrada (sic) na residência da paciente, envoltas em pequenas porções, prontas para a difusão ilícita. Todo esse cenário, como bem definido no ato coator, demonstra a gravidade e a inequívoca intranquilidade social e perturbação da ordem pública, legitimando a custódia cautelar. [...] 5. Ordem denegada. (TJ – DF 07050134020188070000, Relatora: MARIA IVATÔNIA, Data de Julgamento: 10/05/2018, 2ª Turma Criminal, Data de Publicação:

Publicado no PJe: 13/05/2018)” Disponível em:

https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/decisoes-em-evidencia/24-5-2018-2013- mae-presa-preventivamente-por-trafico-2013-impossibilidade-de-conversao-para-prisao- domiciliar-2013-tjdft. Acesso em: 01 out. 2019.

167

LOPES JUNIOR, Aury; ROSA, Alexandre Morais da. Crise de identidade da "ordem

Ou seja, a garantia de ordem pública não pode ser um simples pretexto para que sejam decretadas segregações cautelares aos montes e com um viés que se distancia da prevenção e concretiza uma punição que sequer foi determinada. A impossibilidade de adoção dessa perspectiva na qual a prisão preventiva assume um viés punitivo é robustecida pelo princípio da presunção da inocência, uma vez que esse, em sua literalidade, preleciona que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória168. Noutros termos, à luz desse princípio, a prisão cautelar não possui o condão de punir o agente, pois somente pode ser decretada quando presentes indícios suficientes de autoria e materialidade, isto é, quando se está diante da presença de indícios qualificados.

Para além disso, conforme já apontado, a lógica que vigora no processo penal é de que a prisão representa a ultima ratio do sistema, isto é, consiste numa medida excepcional. É verdade que nem sempre essa foi a lógica, pois, inicialmente, a prisão consistia somente num instrumento para o cumprimento de pena, materializando-se, na maioria das vezes, mediante castigos corporais como açoites, mutilações e até mesmo a própria morte. Com o passar do tempo e bebendo das ideias de Beccaria, difundidas a partir da obra dos delitos e das penas, o sistema criminal brasileiro passou a enxergar a prisão como forma ordinária de sanção e, atualmente, adota o pressuposto de que a prisão, sempre que possível, deve ser substituída por uma medida menos drástica169.

Conforme observado anteriormente, tal caráter excepcional da prisão está devidamente disposto no já mencionado artigo 282, § 6º do CPP, cujo teor estabelece que a prisão preventiva só pode ser determinada diante da impossibilidade de sua substituição pelas demais medidas cautelares previstas nos incisos do artigo 319 do mesmo diploma legal. De igual modo, reforçando a subsidiariedade da prisão, o artigo 310, inciso II, do CPP estabelece que a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva só deverá ser efetuada nos casos em que medidas cautelares diversas forem inadequadas ou insuficientes para o caso concreto170.

https://www.conjur.com.br/2015-fev-06/limite-penal-crise-identidade-ordem-publica- fundamento-prisao-preventiva. Acesso em: 01 out. 2019.

168

Transcrição do artigo 5º, LVII da Constituição Federal de 1988, cujo teor consagra o princípio da presunção da inocência, um dos maiores pilares do processo penal.

169

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas, principais modificações do júri e as medidas cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 3. Ed. revista, atualizada e ampliada – Natal: OWL, 2019, p. 263.

170

Ocorre que a prisão preventiva vem sofrendo um fenômeno de banalização, o qual simplesmente ignora essa premissa de que o aprisionamento cautelar é exceção. Nesse panorama, insta mencionar que assim como tal fenômeno é diretamente impulsionado pelo uso errôneo dos fundamentos dispostos no artigo 312 do CPP, ele também assume contornos mais preocupantes em razão da denominada cultura do encarceramento.

No entender dessa cultura, a prisão deve ser considerada a melhor ou até mesmo a única forma de se combater a criminalidade171. Ou seja, a cultura em questão inverte a

lógica processual penal, passando a tratar a prisão como regra e não como exceção. Não bastasse o claro desprezo à tutela do status libertatis, o discurso do encarceramento em massa não ficou restrito à esfera jurídica, mas também passou a ser adotado pela própria sociedade, a ponto de ser disseminado o discurso de que um processo somente logra êxito se nele tiver sido decretada alguma modalidade de prisão, ou seja, a justiça está sendo igualada à prisão.172

Significa dizer que, numa relação mútua de influências, o judiciário e a sociedade elegeram a prisão, sobretudo a prisão cautelar, como a panaceia para a criminalidade, o método para obtenção de uma falsa justiça imediata. Para Ferrajoli, essa cultura do encarceramento que impera no Brasil ocasionou a crise e a degeneração da prisão cautelar pelo mau uso173.

Soma-se a isso o constante desrespeito à natureza de provisoriedade da prisão preventiva. Lamentavelmente, não há nenhuma norma no CPP definidora de um limite temporal razoável para a duração da prisão preventiva, o que, aliado ao contexto de morosidade do judiciário, faz com que muitas segregações cautelares sejam prolongadas em excesso e indevidamente174.

No Brasil, diante dessa omissão legislativa175, coube à jurisprudência a tarefa de

delimitar um marco temporal limite à custódia cautelar. De início, restou estipulado o

171

MASI, Carlo Velho. A Audiência de Custódia Frente à Cultura do Encarceramento. Revista dos Tribunais, v. 104, n. 960, p. 77 – 120, 2015.

172 Nesse ponto, é preciso reforçar que, em se tratando de mulheres, esse encarceramento em massa incidirá, principalmente, no perfil de mulher traçada no item 3.2, a qual é considerada uma inimiga do estudo tão somente por corresponder a um padrão pré-definido.

173 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 776 e seguintes.

174

HAMRA, Isabela Calijuri. O excesso de prazo na prisão preventiva e a antecipação indevida do cumprimento da pena. 2015. 66 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2015.

175

Cumpre asseverar que alguns projetos de leis foram elaborados no sentido de suprir tal lacuna, a exemplo do PL 4.793, apresentado no ano de 2009. No entanto, nenhum deles foi acatado pelo Parlamento, permanecendo ausente no CPP o disciplinamento referente ao limite

prazo de 81 (oitenta e um) dias176 como limite à duração da prisão preventiva, de modo que se decorrido tal prazo e mantida a constrição, estaria configurado o constrangimento ilegal em razão de excesso de prazo na formação da culpa177.

Tal prazo de 81 dias se tornou obsoleto com o advento da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, a qual uniformizou os prazos relativos aos atos processuais no CPP178. Posteriormente, o Conselho Nacional de Justiça, ao elaborar o plano de gestão para o funcionamento de varas criminais e de execução penal, elegeu o prazo de 105 (cento e cinco) dias como o limite que, caso ultrapassado, permitiria o relaxamento da prisão preventiva179.

Na visão de Renato Brasileiro, o excesso de prazo na formação da culpa deveria funcionar como uma medida de exceção no Brasil. Para o autor, tal excesso de prazo somente restaria configurado em três hipóteses, a saber: i) mora processual decorrente de diligências suscitadas exclusivamente pela atuação da acusação; ii) mora processual decorrente da inércia do Poder Judiciário, em afronta ao direito à razoável duração do processo; e iii) mora processual incompatível com o princípio da razoabilidade, evidenciando-se um excesso abusivo, desarrazoado, desproporcional180.

Diversos países, entendendo a relevância dessa questão, estabeleceram seus respectivos limites de duração da prisão preventiva. Cita-se, por exemplo, a Alemanha que não só prevê o prazo de 06 (seis) meses como limite da segregação cautelar, mas também determina que o Tribunal Superior da Alemanha poderá ser acionado para

temporal da custódia preventiva. DEPUTADOS, Câmara dos. PL 4793/2009. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=425202. 2009. Acesso em: 02 out. 2019.

176 Tal prazo foi obtido a partir da somatória dos prazos legais do início ao fim da instrução processual da pessoa presa, antes da reforma processual realizada no ano de 2008.

177 KAMIZI, Pedro Luís Salvadori. A prisão preventiva para garantia da ordem pública segundo o Supremo Tribunal Federal. 2014. 92 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2014.

178

MOÇO, Rocha Vinicius. 2019. A ausência de prazo legal da prisão preventiva sob a perspectiva da convenção americana sobre direitos humanos. Revista Liberdades: IBCCRIM, São Paulo. Edição nº 27, 03 out. 2019.

179

JUSTIÇA, Conselho Nacional de. Plano de Gestão para o Funcionamento de Varas

Criminais e de Execução Penal. 2010. Disponível em:

https://mpma.mp.br/arquivos/CAOPCRIM/plano-gestao-varas-criminais-cnj.pdf. Acesso em: 03 out. 2019.

180

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 988.

analisar a necessidade de continuidade da medida em casos de prorrogação do prazo citado181.

Sendo assim, diante dos fatores mencionados, é possível verificar que a banalização da prisão preventiva intensifica, inevitavelmente, um grave problema do sistema carcerário: a superlotação dos presídios182. Ou seja, em razão de prisões injustificadas com base no uso errôneo dos fundamentos do artigo 312 do CPP; de prisões meramente amparadas numa lógica de encarceramento em massa; e de prisões prolongadas indefinidamente, diversas mulheres que simplesmente não deveriam estar acauteladas preventivamente são mantidas no cárcere, o que acentua a inadequação estrutural e ideológica do sistema penitenciária ao relação às peculiaridades femininas.

Ante o exposto, nota-se a ocorrência de um ciclo vicioso: múltiplos fatores dão força à banalização prisão e, esta, por sua vez, aviva a superlotação carcerária. Diante disso, pode-se extrair a conclusão de que as decretações abusivas e exacerbadas de custódia cautelar conduzem à mulher a um ambiente carcerário deplorável incompatível tanto com as necessidades específicas da mulher encarcerada, como de sua entidade familiar, ambiente esse que está descrito mais pormenorizadamente no item 3.1.

4.3 Proposições alternativas ao cárcere como medidas assecuratórias dos núcleos