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A exceção dentro das exceções: prisão preventiva enquanto medida cautelar subsidiária e suas nuances

3 A DISSONÂNCIA EXISTENTE ENTRE A LEI E O PLANO FÁTICO

4 DOS DESAFIOS IMPOSTOS PELA BANALIZAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA À MANUTENÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR DA MULHER

4.1 A exceção dentro das exceções: prisão preventiva enquanto medida cautelar subsidiária e suas nuances

Toda medida cautelar tem sua origem relacionada ao fato de que, no interregno existente entre o surgimento de uma relação jurídica processual e a obtenção do requerimento final, podem ocorrer eventos capazes de comprometer a atuação jurisdicional, ou ainda, abalar a eficácia do julgado118.

Devidamente abarcadas por essa compreensão, as medidas cautelares no âmbito processual penal costumam ser diferenciadas com base em seus respectivos objetos de incidência. Segundo essa classificação recorrente, as medidas cautelares podem ser: i) pessoais; ii) patrimoniais; e iii) relativas à prova119.

Nesse sentido, as medidas cautelares pessoais são as providências que incidem, como o próprio termo sugere, sobre pessoas, mais precisamente sobre pessoas que estão sujeitas à investigação policial ou que ocupam o polo de sujeito passivo de um

118

FERNANDES, A. S. Processo Penal Constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 298.

119 GUÉYE, Maty Lice Brancher. Das medidas cautelares diversas da prisão no direito processual penal brasileiro: comentários a respeito das medidas previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal e seus fundamentos. 2016. 64 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianopólis, 2016.

determinado processo. É justamente nessa espécie de medida cautelar pessoal que se encontram inseridas as prisões cautelares120.

Por seu turno, as medidas cautelares patrimoniais são aplicadas sobre as coisas, no intuito de evitar o seu perecimento, sua transferência ou sua destruição121, a exemplo do arresto e do sequestro.

Já as medidas cautelares relativas à prova buscam proteger algum elemento probatório, valendo-se, por exemplo, da interceptação telefônica, da condução coercitiva e da obtenção de material genético122.

À vista dessa classificação, é possível afirmar que a prisão preventiva, enquanto prisão provisória, é uma medida cautelar de ordem pessoal, inclusive como enuncia o §6º do artigo 282 do CPP, conforme se verá mais à frente. Justamente em razão disso, percebe-se a presença de uma inegável atecnia no CPP, qual seja o Título IX do Livro I do CPP – DA PRISÃO, DAS MEDIDAS CAUTELARES E DA LIBERDADE

PROVISÓRIA, o qual não enunciou a prisão processual123 como uma espécie de medida cautelar.

Ainda no que diz respeito às medidas cautelares, imperioso destacar as regras e os princípios mais marcantes que lhes são aplicáveis, os quais também se aplicam à prisão preventiva. Nesse sentido, nota-se que a instrumentalidade, a provisoriedade, a revogabilidade, a fungibilidade, a cumulação, o atendimento ao contraditório e à proporcionalidade, bem como a excepcionalidade são, normalmente, alguns dos princípios e regras mais apontados pela doutrina.

No que se refere à instrumentalidade, há de se entender que a medida cautelar não é um fim em si mesma. Basicamente, é necessário se ter em mente a noção de que a medida cautelar não tem como objetivo a satisfação ou o atendimento do direito material de forma direita, mas sim o de afastar o(s) risco(s) que, eventualmente, incida(m) nesse direito material124.

120

CERDEIRA, Gabriel de Souza. Análise da adequação do regime das medidas cautelares pessoais do processo penal à constituição. 2014. 66 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2014.

121

SZNICK, Valdir. Liberdade, prisão cautelar e temporária. São Paulo, Leud. 1994. p. 295. 122

MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal Conforme a Teoria dos Jogos. 3ª edição. Florianópolis: Empório do Direito, 2016. p. 267.

123 Prisão processual deve ser entendida como sinônimo de prisão cautelar, ou seja, toda a modalidade de custódia efetivada antes de uma eventual condenação transitada em julgado e que não possui natureza de pena.

124

Além disso, as medidas cautelares não foram criadas para portar um caráter definitivo. Em verdade, elas são dotadas de provisoriedade, só sendo válidas diante da permanência dos motivos que lhe deram causa. Tal caráter provisório das medidas cautelares decorre da noção de que a situação de risco que ensejou sua aplicação pode vir a desaparecer ou, ainda, pode ser alterada.125

Consequentemente, a medida cautelar também pode ser revogada sempre que não for mais necessária ao caso concreto126. Ou seja, se porventura houver alteração no

contexto fático que legitimou a aplicação da medida cautelar, de modo a não mais haver razão para a manutenção da aludida medida cautelar, esta deve ser revogada127. De igual

modo, as medidas cautelares também podem ser substituídas entre si ou cumuladas, o que consagra, respectivamente, o princípio da fungibilidade e a possibilidade da cumulação das medidas cautelares128.

Esses últimos três aspectos estão devidamente consagrados em parágrafos do artigo 282 do CPP, os quais foram incluídos pela Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011, a qual será abordada mais à frente. Especificamente, o fator da revogabilidade está disposto no § 5º do mencionado artigo 282; já a fungibilidade está prevista tanto no § 4º, quanto no 5º do mesmo dispositivo e, por fim, a cumulação restou enunciada no § 4º do mesmo artigo 282129.

Ainda, as medidas cautelares devem plena observância ao princípio do contraditório. Pontuando a extrema relevância do de tal princípio para a manutenção de

125 BECHARA, Fábio Ramazzini. Prisão cautelar. São Paulo: Editora Malheiros, 2005.p. 134. 126 É válido salientar que a recíproca também é verdadeira. Se uma determinada medida cautelar

for revogada e, após sua revogação, reaparecerem os motivos que sustentaram sua incidência, a medida pode ser aplicada novamente.

127 SAMPAIO, Débora Vidal Kress. As novas regras da prisão processual e medidas cautelares diversas: Uma análise da Lei nº 12.403/2011. 2014. 91 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Unirio, Rio de Janeiro, 2014.

128

No que diz respeito à cumulação das medidas cautelares, cumpre ressaltar que, normalmente, a cumulação é feita entre as medidas cautelares alternativas à prisão, por estas serem incompatíveis à custódia cautelar. A título exemplificativo, é inviável que uma mulher presa preventivamente cumpra com um comparecimento periódico a juízo, hipótese prevista no inciso I do artigo 319 do CPP.

129 “Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: [...] § 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

§ 5º O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões para que a justifiquem. (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).”

um devido processo legal, Rômulo de Andrade Moreira ensina que, em se tratando das medidas cautelares, o contraditório deve ser mantido mesmo nas situações de decisões proferidas de ofício130. Para o autor, é preciso assegurar a integral igualdade de oportunidades processuais entre as partes, devendo ser ouvida a parte a quem a medida possa trazer algum prejuízo131.

Não por acaso o § 3º do artigo 282 do CPP estabelece que o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, tem o dever de determinar a intimação da parte contrária, sendo tal ato acompanhado de cópia do requerimento e das peças necessárias, pondo-se a salvo apenas os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. Ou seja, a regra é a intimação da parte contrária, com a consequente possibilidade de que esta possa se manifestar antes do juiz decidir a respeito do pedido, só devendo deixar de haver a referida intimação nas exceções mencionadas132.

Em relação à prisão preventiva, é importante salientar que, em princípio, a prévia oitiva da parte pode embaraçar a medida cautelar pretendida, tornando-a inefetiva. Sobre esse aspecto, denota-se que a menção à exceção da ineficácia da medida seria suficiente, pois as situações já estariam por ela abarcadas133.

Um outro princípio que deve ser observado pelas medidas cautelares é o princípio da proporcionalidade. Segundo o entendimento doutrinário, tal princípio se divide em 03 (três) subprincípios, a saber adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação traduz a ideia de que a medida utilizada numa determinada situação é o meio mais apropriado para se atingir a finalidade pretendida134. Já a necessidade se refere ao fato de que a medida eleita deverá se ater aos limites atinentes à obtenção da finalidade, devendo intervir o mínimo na liberdade do indivíduo, enquanto que a proporcionalidade em sentido estrito nada mais do que um juízo de

130

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Da Prisão Preventiva, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória: comentários à Lei nº 12.403/11.Florianópolis: Empório do Direito, 2016. P. 25.

131 Ibidem.

132 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do processo penal: inovações aos

procedimentos ordinário e sumário, com o novo regime das provas, principais modificações do júri e as medidas cautelares pessoais (prisão e medidas diversas da prisão). 3. Ed. revista, atualizada e ampliada – Natal: OWL, 2019, p. 257.

133Ibidem.

134

SILVA, Maria Fernanda Dias da. O princípio da proporcionalidade e a decretação da prisão preventiva aos acusados de crime de tráfico de drogas. 2015. 58 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2015.

razoabilidade, a ponderação entre o direito que sofrerá restrição e o interesse tutelado135. Tal linha de raciocínio resta estabelecida no inciso II do artigo 282 do CPP.

Ademais, também merece destaque o aspecto da excepcionalidade das medidas cautelares. De fato, a noção de excepcionalidade deve imperar diante do uso das medidas cautelares no processo penal, sobretudo em se tratando das medidas cautelares pessoais, detentivas ou não136. Significa dizer que o manejo das medidas cautelares tem como pressuposto sua respectiva necessidade para o caso concreto, sobretudo a prisão que somente deve ser utilizada como última das medidas, conforme será explanado adiante137.

Apontadas as principais regras e princípios aplicáveis às medidas cautelares na seara do processo penal, passa-se ao exame da prisão preventiva propriamente dita. Pela redação original do CPP, existiam duas espécies de prisão preventiva, uma obrigatória e outra facultativa138. Embora não houvesse menção expressa aos referidos termos, o texto original do artigo 312 do CPP impunha a compulsoriedade da decretação da prisão preventiva para os delitos a que fosse cominada pena de reclusão por tempo igual ou superior a dez anos, enquanto o artigo 312 do mesmo diploma legal facultava a decretação da segregação cautelar, a qual dependeria da presença de um dos fundamentos contidos no caput do dispositivo legal, a saber, a garantia da ordem pública, a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal139.

À época, a prisão preventiva obrigatória foi alvo de muitas críticas doutrinárias, afinal sua previsão apenas condicionava a decretação da custódia cautelar a um simples critério objetivo, qual seja o tempo de pena previsto para o crime, sem haver exigência quanto à demonstração da necessidade da prisão. Em razão disso, a prisão preventiva compulsória era, frequentemente, associada ao autoritarismo da era varguista vivenciada pelo país. Um dos doutrinadores que realizou essa associação foi José Frederico Marques, o qual não somente vinculou a prisão preventiva obrigatória à política direitista do Estado

135 Ibidem.

136 Isso porque as medidas cautelares pessoais alternativas à prisão não são inofensivas. A bem da verdade, elas também restringem o direito à liberdade, o qual deve figurar como a regra. 137

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 4 Ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p. 824.

138

Na redação original do CPP:

“Art. 312. A prisão preventiva será decretada nos crimes a que for cominada pena de reclusão por tempo, no máximo, igual ou superior a dez anos.

Art. 313. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia de ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal [...]”

139

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p. 956.

Novo140, mas também asseverou que tal medida dava margem à prática de irreparáveis injustiças141.

Ao longo dos anos, o CPP foi objeto de inúmeras reformas e, algumas delas, incidiram diretamente sobre o instituto da prisão preventiva. Exatamente nesse contexto que, com o advento da Lei nº 5.349, de 03 de novembro de 1967, a prisão preventiva obrigatória foi sabiamente abolida.

Gradativamente, essa modalidade de segregação cautelar continuou a sofrer alterações significativas, tendo sido algumas delas efetivadas pela Lei nº 6.416, de 24 de maio de 1977. Tal lei consolidou a noção de que a prisão preventiva somente deveria ser decretada diante de sua necessidade e, para tanto, previu que os juízes, diante de um auto de prisão em flagrante, tinham a obrigação de verificar se estavam presentes os requisitos para a decretação da custódia cautelar142.

Ainda, essa mesma normativa instituiu o cabimento da liberdade provisória sem fiança. Até a chegada da referida lei, se o crime fosse inafiançável, não poderia haver liberdade provisória. Houve, então, a inversão do entendimento sobre prisão preventiva, restando fortalecida a perspectiva de que a liberdade – entendida por Jorge Amado como o bem maior do mundo143 e apontada pela Constituição Federal como direito fundamental144 - é regra e não exceção145.

Em seguimento, a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1984, alterou o caput do artigo 312 do CPP, acrescentando a possibilidade de decretação de prisão preventiva para a garantia da ordem econômica.

Posteriormente, a Lei nº 12.403, de 04 de maio de 2011 transformou o sistema de medidas cautelares, tendo, inclusive, modificado todos os artigos do CPP referentes à prisão preventiva, salvo o artigo 317. Uma das maiores mudanças promovidas pela

140 Estado Novo foi a denominação atribuída à terceira e última fase da Era Vargas. Com duração de 10 de novembro de 1937 a 31 de janeiro de 1946, o Estado Novo foi um regime político marcado por autoritarismo e centralização de poder.

141 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 4 v. São Paulo: Milennium. 2007. p. 66.

142

VALENÇA, Manuela Abath. Julgando a liberdade em linha de montagem: um estudo etnográfico dos julgamentos dos habeas corpus nas sessões das câmaras criminais do TJPE. Dissertação de Mestrado da Faculdade de Direito do Recife, Recife: UFPE, 2012.

143

“A liberdade é como o sol. É o bem maior do mundo.” AMADO, Jorge. Capitães de Areia. 17ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 197.

144

O direito à liberdade está disposto no caput do artigo 5º da Constituição Federal como um direito fundamental.

145

SAMPAIO, Débora Vidal Kress. As novas regras da prisão processual e medidas cautelares diversas: Uma análise da Lei nº 12.403/2011. 2014. 91 f. TCC (Graduação) - Curso de Direito, Unirio, Rio de Janeiro, 2014.

normativa em questão foi o fim da dicotomia da prisão e da não prisão mantida no CPP até então, ato que somente foi possível em razão de a lei em referência ter trazido consigo novas medidas cautelares pessoais alternativas à custódia e, consequentemente, inaugurado um sistema multicautelar.

Sendo assim, a legislação em comento dispôs nove medidas cautelares diversas da prisão nos incisos do artigo 319 do CPP146, possibilitando uma atuação jurisdicional afinada com a já mencionada ideia de que a liberdade é a regra e, consequentemente, a prisão é a exceção. Tanto é verdade que a lei ora em apreço também aclamou o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva mediante a inclusão do § 6º do artigo 282 e do inciso II do artigo 310, ambos do CPP.

O primeiro dispositivo indica que a prisão preventiva apenas deve ser pensada diante da inviabilidade de aplicação das outras medidas cautelares. Já o segundo se preocupa em reforçar tal ideia, esclarecendo que a conversão da prisão em flagrante em preventiva só é juridicamente possível nas hipóteses em que as outras medidas cautelares se revelarem inadequadas ou insuficientes. Ou seja, ambos os dispositivos convergem para o mesmo rumo: se as medidas cautelares já são excepcionais, a prisão preventiva é uma exceção da exceção, a qual só deve ser cogitada como a última providência147.

146 São elas: “i) comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; ii) proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; iii) proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; iv) proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; v) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; vi) suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; vii) internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (artigo 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; viii) fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; e ix) monitoração eletrônica.”

147

Em decisões recentes, o STJ vem demonstrando que sua jurisprudência está alinhada com essa perspectiva. A exemplo disso, colaciona-se trecho da decisão proferida no julgamento RHC 102.316 RJ: “Para ser compatível com o Estado Democrático de Direito – o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade quanto a segurança e a paz públicas – e com a presunção de não culpabilidade, é necessário que a decretação e a manutenção da prisão cautelar se revistam de caráter excepcional e provisório. A par disso, a decisão judicial deve ser suficientemente motivada, mediante análise da concreta necessidade da cautela, nos termos do art. 282, I e II, c/c o art. 312, ambos do Código de Processo Penal.” Recorrente: Bruno Farina. Recorrido: Ministério Público Federal. Relator: Min. Rogerio Schietti Cruz, 26 de abril de 2019.

Em virtude das diversas alterações sofridas pelo instituto da prisão preventiva ao longo dos anos, é essencial compreender como se configura seu funcionamento nos dias atuais. De início, assimila-se da leitura do caput do artigo 312 do CPP que a prisão preventiva tem de estar sempre amparada em dois requisitos ou pressupostos legais, são eles: a prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.148

Por sua vez, tais requisitos materializam o que foi denominado pela doutrina e pela jurisprudência de fumus commissi delicti. Tal termo se refere à probabilidade real e concreta, com apoio em elementos probatórios, da ocorrência de um delito, assim como a presença de indícios suficientes de autoria ou participação de um determinado agente no suposto crime. Trocando em miúdos, a parte final do teor do artigo 312 do CPP - que corresponde aos pressupostos legais da prisão preventiva – constitui o que a doutrina convencionou chamar de fumus commissi delicti149.

Ao lado dessa construção doutrinária e jurisprudencial, também surgiu outra: o

periculum libertatis. Sua composição se dá a partir da primeira parte do artigo 312 do

CPP, a qual prevê os fundamentos da prisão preventiva, quais sejam a garantia da ordem pública, a garantia da ordem econômica, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal. Sendo assim, o periculum libertatis busca expressar a ideia de que a liberdade da pessoa acusada configura um perigo, devendo estar embasado em, pelo menos, um dos fundamentos contidos no mencionado artigo 312 do CPP150.

À vista disso, há de se notar que a decretação da prisão preventiva depende da conjugação dos seus dois requisitos legais com, pelo menos, um dos seus fundamentos legais. Ou seja, não basta ser evidenciada a presença concomitante da prova da existência do crime e do indício suficiente da autoria, também é preciso se verificar a demonstração de um dos fundamentos elencados no primeiro trecho do dispositivo em comento. Ademais, para ser efetivada a segregação cautelar em questão, é imprescindível que

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial= 1816416&num_registro=201802208508&data=20190426&formato=PDF. Acesso em: 03 out. 2019.

148

“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).”

149

COSTA, Martha Lorena Fernandes da. Audiência de Apresentação e sua importância na

obtenção das garantias dos flagranteados. 2019. 62 f. TCC (Graduação) - Curso de

Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019. 150

nenhuma outra medida cautelar possa ser aplicada ao caso concreto, tendo em vista o já mencionado princípio da subsidiariedade da prisão preventiva.

Para além disso, segundo a determinação do artigo 311 do CPP, apenas os magistrados possuem legitimidade para decretar a prisão preventiva e devem fazê-lo de maneira motivada, em respeito ao previsto no artigo 315, também do CPP. Desse modo, o juiz poderá decretar a custódia cautelar, de ofício, no decorrer da ação penal, ou,