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3 A DISSONÂNCIA EXISTENTE ENTRE A LEI E O PLANO FÁTICO

3.3 Entre as grades e a maternidade: estudo de caso

Após ter sido traçado o perfil da mulher presa, o presente capítulo se debruça sobre uma dentre as diversas realidades de mulheres encarceradas que anseiam exercer seu direito de maternidade101. Denota-se que o processo aqui analisado – qual seja o processo de nº 0108685-76.2017.8.20.0001, o qual tramitou perante a 4ª (quarta) vara criminal da comarca de Natal/RN - e a mulher que nele figura como acusada reforçam a noção anteriormente mencionada de que, em se tratando de mulher, a persecutio criminis costuma ter endereço certo: a mulher jovem, pobre, de baixa escolaridade e negra102. De se perscrutar, desse modo, tal situação fática para que sejam projetados paralelos críticos e reflexivos.

Pois bem. No dia 28 de julho de 2017, foi efetuada a prisão em flagrante da acusada no processo aqui analisado - pela suposta prática dos crimes de furto de gêneros alimentícios e de uso de documento falso - a qual foi encaminhada à audiência de custódia no dia seguinte. Inicialmente, na aludida audiência, procedeu-se com a oitiva da flagranteada, a qual negou ter sofrido agressões por parte dos policiais que efetuaram sua prisão, bem como confessou ter se identificado com nome diverso de seu nome verdadeiro.

Ato contínuo, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (MPRN) requereu a conversão da prisão em flagrante em preventiva, com esteio na necessidade de garantia da ordem pública e de aplicação da lei penal, conforme dispõe artigo 312 do Código de Processo Penal.

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Dado o teor acadêmico da análise do caso em questão, serão preservados o nome da acusada, bem como dos juristas que atuaram e seguem atuando no seu respectivo processo.

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Dentre as características do perfil da mulher encarcerada no Brasil mencionadas no item 3.2, a ré do estudo de caso somente não seguiu duas, quais sejam a do estado civil e do tipo de delito cometido.

Segundo a argumentação ministerial, havia risco à ordem pública devido ao fato de que a propensão para o crime por parte da acusada era nítida, pois ela já havia sido condenada em dois processos criminais. De igual maneira, a aplicação da lei penal estaria comprometida se a custódia não fosse efetivada, uma vez que a flagranteada não possuía um endereço determinado, fato que prejudicaria a aplicação da lei penal. Por fim, o órgão ministerial sustentou que apesar da autuada possuir filhos, esses não poderiam ser seu salvo-conduto.

Em seguimento, assistindo a autuada, manifestou-se a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte (DPE-RN), pugnando pela concessão da liberdade provisória. O referido pleito de liberdade provisória se amparou no argumento de que o fato pelo qual a flagranteada estava detida – o qual será explicitado mais à frente – era uma conduta de menor gravidade, bem como se apoiou na noção de que a autuada era genitora de 07 (sete) crianças, estando uma delas em fase de lactação e necessitando, consequentemente, da presença constante da mãe.

Após tais manifestações, a magistrada converteu a prisão em flagrante em preventiva, sob o argumento de que a autuada se tratava de pessoa com personalidade

voltada às práticas criminosas e que já possuía em seu desfavor duas condenações penais

anteriores pelo delito de furto.

Nesse ponto, torna-se imprescindível o questionamento referente à legitimidade dessa fundamentação, uma vez que não se depreende um rigor técnico de tal intelecção. Em verdade, a ideia de que uma pessoa que já praticou crimes anteriores voltará a delinquir, parece reviver acriticamente a noção de criminoso nato, construída por Cesare Lombroso103, segundo a qual algumas pessoas simplesmente nascem predestinadas a

cometer delitos.

Para além disso, posteriormente, restou comprovado pela defesa da autuada que nas duas outras ações penais em que a flagranteada figurava como acusada tinha ocorrido a extinção de sua punibilidade. Apesar disso, conforme exposto, tais ações penais serviram para fundamentar a decretação da prisão preventiva da autuada. Ora, tal perspectiva demonstra que o processo penal por si só é um fardo, pois o indivíduo que já

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CASTRO, Roberta Freire de. A Teoria Lombrosiana e sua aplicação prática na sociedade atual. 2012. 48 f. Monografia (Especialização) - Curso de Curso de Especialização em Direito Processual Penal, Escola Superior da Magistratura do Ceará, Fortaleza, 2012.

ocupou o polo passivo de um persecutio criminis carregará essa mácula consigo, mesmo que tenha sido absolvido104.

No mais, o aludido ato decisório se pautou na inconstância de endereço da flagranteada105, conforme havia sido ressaltado pelo órgão ministerial. Sustentou a magistrada a quo que a ausência de documento capaz de comprovar o endereço da autuada reforçava a necessidade da custódia para a conveniência da instrução penal, sendo assegurado que a flagranteada seria encontrada para os atos de investigação e de eventual ação penal.

Nota-se que apesar de ter sido mencionado o fato de que a autuada era mãe de 07 (sete) crianças, tal aspecto não foi sequer enfrentado pela magistrada, mesmo a decisão em tela sendo posterior às mudanças efetivadas pela Lei nº 13.257, de 2016, no artigo 318 do CPP, as quais firmaram a noção de que a acautelada preventivamente gestante ou com filho de até 12 (doze) anos incompletos poderia ter sua prisão preventiva convertida em domiciliar.

Irresignada com a decretação da prisão preventiva, a defesa da flagranteada realizou, em 07 de agosto de 2017, o primeiro pedido de prisão domiciliar. Nessa ocasião, foi salientada a excepcionalidade da constrição preventiva com fulcro na modificação legislativa anteriormente citada, bem como a necessidade de se aliar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana ao dever de proteção do Estado à maternidade e à infância.

Em seguimento, no dia 08 de agosto de 2017, o órgão ministerial ofereceu denúncia contra a acusada, imputando-lhe o cometimento da prática dos delitos enunciados nos artigos 155 e 307 do Código Penal, os quais correspondem, respectivamente, aos crimes de furto e de falsa identidade106.

104 Para Gustavo Henrique Badaró, “é certo que, do ponto de vista moral, social e mesmo psicológico, o simples fato de estar sendo processado criminalmente é um pesadíssimo fardo a ser carregado pelo acusado. Ser réu em processo criminal é, portanto, de alguma forma, já estar sendo punido.” BADARÓ, Gustavo Henrique. As condições da Ação Penal. 2018. Disponível em: http://www.badaroadvogados.com.br/20-062017-as-condicoes-da-acao- penal.html. Acesso em: 17 set. 2019.

105 É válido ressaltar que tal fato por si só – a ausência de endereço fixo – não é apto a justificar a prisão, em conformidade com o entendimento do STJ. NOTÍCIAS, Stj. Ausência de endereço

fixo, por si só, não autoriza prisão. 2017. Disponível em:

http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2017/2017-07- 18_11-10_Ausencia-de-endereco-fixo-por-si-so-nao-autoriza-prisao.aspx. Acesso em: 19 set. 2019.

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“Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

Em relação ao crime de furto, a narrativa constante da exordial acusatória expôs que a ré, no dia 28 de julho de 2017, por volta das 09h50min, teria adentrado no interior do estabelecimento comercial denominado Carrefour - situado na BR 101, no bairro de Candelária, em Natal-Rio Grande do Norte – e subtraído para si 03 (três) peças de carne do tipo picanha, 02 (duas) bandejas de filé de frango, 01 (um) leite em pó integral 800g e 01 (um) pacote de batata frita da marca ruffles, consoante demonstrava o auto de exibição e apreensão:

Figura 1 – Auto de exibição e apreensão.

Fonte: processo nº 0108685-76.2017.8.20.0001

Tal auto por si só traduz a conjuntura de vulnerabilidade socioeconômica vivenciada pela acusada, uma vez que somente foram subtraídas mercadorias de gêneros alimentícios. Deve-se ressaltar, por oportuno, que tal vulnerabilidade é retrato de uma grande parcela da população brasileira, a qual vive em penosas condições de sustento e oportunidade107.

“Art. 307 – Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.”

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Segundo relatório elaborado no ano de 2018 pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a fome ainda afeta a vida de 5,2 milhões de brasileiros. LA AGRICULTURA, Organización de Las Naciones Unidas Para La Alimentación y. El estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo. 2018. Disponível em: http://www.fao.org/3/I9553ES/i9553es.pdf. Acesso em: 21 set. 2019.

Já no que atine ao delito de falsa identidade, este teria sido atribuído à acusada pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte em razão do fato de que essa, quando da ocasião de sua oitiva perante a autoridade policial, havia indicado nome distinto ao presente no seu documento de identidade, documento esse que foi posteriormente encontrado na sua respectiva residência pelos policiais.

Sete dias após o primeiro pedido de prisão domiciliar ter sido postulado pela defesa, o Parquet ofereceu parecer, posicionando-se de maneira desfavorável ao pleito. Ressaltou que a concessão da prisão domiciliar não era uma obrigatoriedade, mas sim uma faculdade do julgador e que a convivência da ré com seus filhos traria consequências negativas na criação destes.

Em 16 de agosto de 2017, o pedido de prisão domiciliar foi acatado. Divergindo do órgão ministerial, a magistrada asseverou que os estabelecimentos prisionais do Estado estavam em condições materiais precárias, não sendo um ambiente capaz de permitir a convivência de um bebê, qual seja o filho mais novo da acusada que – à época – possuía pouco mais de sessenta dias de vida.

Nesse sentido, a magistrada pontuou que o deferimento do pedido deveria ser encarado como a efetivação de direitos e garantias fundamentais constitucionalmente, pois não era possível esquecer que a pessoa acusada ou condenada e sua família jamais perderão sua natureza humana, motivo pelo qual sempre seriam merecedoras de irrestrito respeito em seus direitos e garantias fundamentais108.

À vista disso, restou assentada a prisão domiciliar nos seguintes termos: (1) recolhimento domiciliar em período integral, autorizando-se apenas eventuais saídas para acompanhamento e tratamento de sua saúde e dos filhos; (2) comparecimento em Juízo sempre que requisitado; e, (3) comunicação prévia de mudança de endereço.

A despeito do acerto dessa decisão, há de se notar a ausência de permissão relativa a saídas para o exercício de um eventual trabalho. Tal fato é reflexo do desafiador cenário enfrentado pelas mulheres egressas, no qual a obtenção de uma fonte de renda após a saída do sistema penitenciário é um propósito quase que inalcançável. Deveras, são raras as políticas públicas de apoio às pessoas que saem das prisões, sobretudo à mulher, e tal quadro termina por inflamar a ocorrência de reincidências delituosas.

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RIO GRANDE DO NORTE. Poder Judiciário, Vara Criminal 4. Decisão Interlocutória no processo nº 0108685-76.2017.8.20.0001. 16 de agosto de 2017. Natal, 2017.

Aproximadamente quatro meses depois da aludida decisão que concedeu a prisão domiciliar, o benefício da acusada foi revogado. Essa revogação teria derivado de uma suposta mudança de endereço pela ré sem comunicação prévia ao Juízo.

Diante disso, em 25 de maio de 2018, a DPE-RN efetuou outro pedido de prisão domiciliar com pleito subsidiário de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Argumentou, em síntese, que: i) após a audiência de custódia, tinha sido descoberto que a acusada estava gestante, tendo sido tal informação comprovada por seus parentes que trouxeram cópias do prontuário médico, da ultrassonografia obstétrica, da carteira de gestante, do exame de sífilis e BHCG; ii) tanto por razões humanitárias, como pelo da criança, a figura da acusada enquanto genitora não poderia ser negligenciada; e iii) que o STF, no Habeas Corpus Coletivo nº 143.641, de 2018, teria concedido a conversão da prisão preventiva em domiciliar para todas as gestantes e mães de filhos com até doze anos presas preventivamente.

Ao analisar esse pedido, a magistrada de primeiro grau o rejeitou. Aduziu que a ré havia descumprido uma das condições impostas na prisão domiciliar anteriormente concedida, qual seja a mudança de domicílio, razão pela qual não faria mais jus ao benefício. Em meio a essa negativa de conversão, foi paralelamente impetrado um Habeas Corpus em favor da liberdade da acusada por parte de sua defesa.

Subsequentemente, em 09 de julho de 2018, a DPE-RN apresentou resposta à acusação, oportunidade na qual foi delineada a versão da denunciada, a qual teria confessado o cometimento do crime de furto e posto como pano de fundo seu perfil socioeconômico e a necessidade de prover o sustento de seus filhos. Em seus dizeres, a acusada relatou ter um filho de um mês que precisava ser amamentado e que o crime teria se dado pelo motivo de seus familiares não possuírem dinheiro para comprar leite.

Além disso, a defesa técnica se reservou no direito de discorrer sobre o mérito da acusação feita contra a acusada no decorrer da instrução criminal, assim como protestou pela reinquirição das testemunhas arroladas na exordial acusatória.

Ao final do mesmo mês, mais precisamente em 24 de julho de 2018, o Tribunal de Justiça do Rio Grande resolveu conceder a ordem pleiteada no Habeas Corpus impetrada pela DPE-RN, a qual buscava a conversão da prisão preventiva da paciente em domiciliar. A referida corte de justiça determinou a conversão requerida, mediante o uso de tornozeleira eletrônica e com a imposição de obrigação de comparecimento semanal

da paciente ao Juízo de origem para informar suas atividades, na forma do artigo 319, incisos I e IX do CPP109.

No voto do relator referente ao writ em apreço, registrou-se a premência de se perquirir uma solução jurídica circundada pelos princípios da dignidade da pessoa humana e de proteção integral dos infantes. Nesse sentido, ressaltou-se que, principalmente o filho lactante da paciente, não seria bem assistido na unidade prisional em que sua genitora se encontrava presa, além de que todos os delitos imputados à paciente (furtos) tinham sido praticados sem violência ou ameaça à pessoa e tinham contornos de furto famélico110.

Depois da realização da audiência de instrução e julgamento, a acusação e a defesa apresentaram suas respectivas alegações finais. A argumentação ministerial se pautou, prioritariamente, na confissão espontânea da acusada, a qual tinha assumido, em sede de audiência de instrução e julgamento, a autoria dos dois delitos que lhes eram atribuídos. Desse modo, o MPRN requereu a condenação da ré nas penas previstas para os crimes de furto e falsa identidade, dispostos nos artigos 155 e 307 do Código Penal, devendo incidir a atenuante prevista no artigo 65, III, alínea d do mesmo diploma legal, qual seja a atenuante de confissão espontânea111.

Por seu turno, a DPE-RN estruturou teses de defesa distintas para cada imputação. Em relação ao delito de falsa identidade, a defesa aduziu que a conduta da acusada tinha sido atípica. Isso porque, segundo entendimento doutrinário e jurisprudencial, não estaria configurado o crime de falsa identidade nas hipóteses em que o agente atribuiu a si uma falsa identidade tão somente no intento de evitar a busca de seus antecedentes ou, mesmo, de se livrar de uma condenação criminal ou de uma prisão em flagrante. Ademais, foi ressaltado que nenhum acusado era obrigado a produzir provas

109 “Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; [...]

IX - monitoração eletrônica.”

110 É uma construção doutrinária e jurisprudencial que corresponde ao furto praticado pelo agente que, diante de uma situação de penúria, subtrai alimentos para saciar a fome ou outros utensílios como maneira de garantir sua sobrevivência ou de terceiro. MASSON, Cleber, Direito Penal Esquematizado vol.2 Parte Especial; 4ª edição revista, atualizada e ampliada, Editora Método, 2012. p. 315.

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“Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: [...] III - ter o agente: [...]

contra si mesmo, nos moldes do artigo 5º, LV da Constituição Federal112, responsável por consagrar a ampla defesa.

Ainda tendo o mesmo delito como referência, a DPE-RN pugnou, subsidiariamente, pela extinção da punibilidade devido ao arrependimento eficaz no crime de falsa identidade, na forma do artigo 15 do Código Penal113. Alegou-se que a acusada ainda em sede policial veio a confessar sua verdadeira identidade, o que impedia que o judiciário incorresse em erro e demonstrava efetivo arrependimento.

Já no que diz respeito ao furto, a defesa da acusada reputou como imperiosa a incidência da já anteriormente mencionada atenuante da confissão espontânea, haja vista o fato de que a ré, livre de coações, havia assumido a autoria da aludida infração penal.

No dia 04 de fevereiro de 2019, a assistida da DPE-RN peticionou ao Juízo com o fito de serem autorizadas algumas saídas específicas de seu domicílio, sem que o benefício da prisão domiciliar fosse revogado novamente. Esclareceu, nessa oportunidade, que a situação vivenciada por ela e por sua família era preocupante, pois seu marido estava desempregado e auferiam apenas uma renda ínfima mediante a venda de comida feita pela acusada.

Nesse contexto, a acusada explanou que tal renda era complementada com a quantia recebida pelo programa bolsa-família, a qual somente lhe seria repassada caso a acusada cumprisse com os requisitos demandados pelo programa, cuja efetivação dependia da saída da acusada de sua residência. Ainda, a DPE-RN também informou que a ré tinha se deslocado em razão de tratamento médico próprio e de seus filhos.

Figura 2 – Trecho da petição referente ao pedido de saídas específicas em regime de prisão domiciliar.

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“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

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“Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.”

Fonte: processo nº 0108685-76.2017.8.20.0001

Após transpor sua realidade aos autos, a acusada pediu, ao final, autorização para realizar saídas específicas relacionadas à matrícula de seus filhos em escolas, bem como para que pudesse levá-los e pegá-los no colégio, afinal não dispunha de qualquer auxílio de terceiros que pudessem se responsabilizar para aludida demanda.

Em resposta a esse pedido, a magistrada a quo requereu, mediante despacho, a especificação dos horários das saídas almejadas pela acusada. Ato contínuo, a DPE-RN não somente forneceu a informação solicitada, como também postulou um pedido de conversão da prisão domiciliar em liberdade provisória com ou sem medidas cautelares diversas da prisão.

Dando prosseguimento a tramitação processual, o MPRN – na condição de fiscal da lei – ofereceu parecer sobre o caso em apreço, ocasião na qual entendeu pela manutenção da custódia, com fulcro no argumento da garantia da ordem pública.

No dia 28 de fevereiro de 2019, o pedido de liberdade provisória formulado pela DPE-RN foi negado e, no dia 13 de março de 2019, foi proferida a sentença do caso em exame. Neste ato decisório, a pretensão punitiva veiculada na denúncia foi julgada procedente, para condenar a acusada nas penas do artigo 155, caput, e do artigo 307,

caput, c/c art. 69, todos do Código Penal114.

Ao ver da magistrada, a atribuição de falsa identidade não poderia ser interpretada como um exercício da autodefesa, pois representava uma afronta a fé pública. No que tange ao delito de furto, esse também teria sido configurado, a partir do momento em que a acusada transferiu a res furtiva para o seu domínio. Nesse sentido, pontuou-se,

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A magistrada compreendeu que os delitos mencionados haviam sido cometidos em concurso material, o qual – na literalidade do artigo 69 do CP - é evidenciado “quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes.”

ainda, que os elementos probatórios colacionados aos autos indicavam a presença da autoria e materialidade, razão pela qual a acusada deveria ser condenada115.

Em relação à dosimetria da pena, na análise das circunstâncias judiciais dispostas no caput do artigo 59 do Código Penal116, apenas os antecedentes foram considerados desfavoráveis à acusada, em razão de sentença condenatória com trânsito em julgado prévio à imputação em exame e que não configurava reincidência. Sendo assim, fixou-se