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1. As mulheres da elite cafeicultora paulista e a escrita de receitas culinárias

1.3 A trajetória de vida de três autoras de cadernos de cozinha

1.3.3 Barbara do Amaral Camargo Penteado

O caderno de receita de Barbara do Amaral Camargo Penteado chegou às minhas mãos de uma maneira sinuosa. Durante a realização do meu mestrado conheci Ana Maria Nogueira de Camargo e Luiz Nogueira de Camargo os quais me concederam entrevistas sobre a trajetória de suas famílias e sua relação com a história da cidade de Campinas. Na mesma ocasião, disponibilizaram documentos e me permitiram fotografar objetos oriundos de antigas gerações dos Camargo. O fato de estarem empreendendo uma pesquisa sobre a genealogia da família possibilitou nosso contato com Maria Aparecida Alvim de Camargo Penteado, neta de Barbara. Ao lhe revelar os objetivos da presente pesquisa ela prontamente cedeu uma cópia digitalizada do manuscrito culinário de sua avó para compor o acervo dos Arquivos Históricos do CMU.164

Barbara do Amaral Camargo, posteriormente Penteado, nasceu na Vila de Bethlem do Descalvado, atual cidade de Descalvado, aos 20 de julho de 1875 e foi batizada em Campinas, em 6 de outubro de 1879.165 Seus pais foram Delfina Olympia Leite Penteado e José do Amaral Camargo. Para acompanhar sua trajetória de vida tivemos que nos reportar às origens dessa família em Campinas. Os Camargo Penteado e os Leite Penteado estavam presentes na cidade desde o século XVIII. Segundo a Genealogia Paulistana de Silva Leme, “[...] a família Camargo teve princípio em Jusepe de Camargo, natural de Castela, que veio a S. Paulo na última parte do século XVI”.166

Ao chegar ao Brasil mudou seu nome para José Ortiz de Camargo.

163

BADARÓ, op.cit., 2006.

164

Luiz Nogueira de Camargo, Maria Aparecida Alvim de Camargo Penteado e Maria Theresa Martinez, descendentes das família Camargo e Leite Penteado, primos entre si, empreenderam uma pesquisa sobre a genealogia de suas famílias. Esse trabalho foi muito útil para elaborarmos a trajetória de vida de Barbara do Amaral Camargo Penteado e, consequentemente, entender as redes familiares e a tessitura social de seu tempo.

165

Arquivo da Cúria Metropolitana de Campinas. Livro XII de dezembro de 1878 a dezembro de 1883, p.58.

166

Ao explorar a trajetória das gerações dos Camargo Penteado deparamo- nos com o capitão José de Camargo Paes, que se mudou para Campinas em 1793, onde tornou-se juiz ordinário no ano de 1799. Em período anterior, destacou-se no cenário político da vila de São Paulo por ter sido ouvidor no processo do Caetaninho.167 Seu quarto filho, Floriano de Camargo Penteado, chegou em Campinas, por volta de 1793 como alferes. Ocupou o posto de sargento mor até 1819, quando então se tornou capitão mor da vila de São Carlos. Uma de suas filhas, Francisca de Paula Camargo, casou-se com Joaquim Ferreira Penteado, posteriormente agraciado com o titulo de barão de Itatiba, em 1882.

Bento de Camargo Arruda Barros Penteado, sobrinho do capitão mor Floriano de Camargo Penteado, casou-se com Gertrudes de Jesus Arruda Amaral. Eles tiveram cinco filhos, entre eles José do Amaral Camargo, pai de Barbara, nascido em Campinas, em 1845.168

José do Amaral Camargo contraiu núpcias com Delfina Olympia Leite Penteado, com dispensa de consanguinidade em terceiro grau em linha lateral, em 4 de novembro de 1865. Situação intrigante, porque a necessidade de tal permissão para o enlace dos jovens, sugere que os mesmos fossem parentes. 169

167

LEME, op.cit., 1903-1905. v.I: Título Camargos, Parte II, p.215; 248. Renata Costa analisou os testemunhos constantes do Processo Crime do Caetaninho. Segundo ela, tudo aconteceu porque, na década de 1780, o governador da Capitania de São Paulo, o capitão geral Martim Lopes Lobo de Saldanha, mandou construir uma ponte sobre cada um dos cinco rios que atravessavam a estrada do Cubatão. Ao término da construção da primeira ponte, o governador foi pessoalmente inspecionar os trabalhos. Em 16 de setembro de 1781, a comitiva do capitão general, hospedou-se na fazenda dos padres beneditinos, chamada São Bernardo, e a população, contente com os benefícios trazidos pela ponte, organizou uma ópera em homenagem ao governador. Faltando poucos minutos para começar a apresentação, Caetano José Gonçalves se desentendeu com o filho do capitão geral, Antonio Lobo de Saldanha, desferindo-lhe um golpe de faca atrás da orelha esquerda. Caetano foi preso, julgado e condenado à morte. COSTA, Renata Ferreira. Violência e insubordinação militar na São Paulo do século XVIII: estudo histórico e filológico de três manuscritos. Filol. linguíst. port., n. 10-11, p. 221-236, 2008/2009. Disponível em: <http:// www.fflch.usp.br/dlcv/lport/flp/images/arquivos/FLP10-11/Costa.pdf>. Acesso em: 20/12/2012.

168

LEME, op.cit., 1903-1905. v.I: Título Camargos, p.215.

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A partir da minuciosa pesquisa feita por Maria Aparecida Alvim de Camargo Penteado, juntamente com seus primos – em inventários post mortem, testamentos, registros civis, entre outros documentos – com o intuito de levantar sua ascendência familiar, eles identificaram que Theodoro Leite Penteado, pai de Delfina Olympia, era filho de uma negra forra e foi criado em casa de Albano Leite do Canto, casado com Anna Antonia de Toledo. Essa senhora, à época, tinha 60 anos de idade e, portanto, não poderia dar-lhe um filho. Dado esse fato, intuiu-se que Theodoro talvez fosse filho ilegítimo de Albano com a tal negra forra, de nome desconhecido. Quanto a Thereza, mãe de Delfina, sabe-se que foi deixada em casa do capitão mor Floriano de Camargo

No entanto, os pais de Delfina – Theodoro Leite Penteado e Thereza Candida Miquelina foram expostos170 nas casas das famílias Leite Penteado e Camargo Penteado, respectivamente. Mas, apesar da origem obscura o casal alcançou a opulência financeira. Theodoro Leite Penteado tonou-se proprietário de engenho e capitalista. O casal de “expostos” consta entre os beneméritos na construção da Santa Casa de Misericórdia e também do Asilo de Órfãos de Campinas, como consta de Relatório do referido asilo, elaborado pelo provedor cônego Joaquim José Vieira, no ano de 1879.171

Após o casamento o jovem casal José do Amaral Camargo e Delfina Olympia residiu na fazenda Três Casas e posteriormente na fazenda Monte Sinai, ambas em Descalvado e de sua propriedade

.

Dessa união nasceram onze filhos, entre eles Barbara do Amaral Camargo Penteado. Em 1884, José do Amaral Camargo ficou viúvo e viu-se às voltas com seus filhos ainda crianças e em idade de estudar. Preocupado com a educação dos pequenos, ele encaminhou os meninos, Theodoro do Amaral Camargo, Othávio Olympio do Amaral Camargo e Antonio do Amaral Camargo ao Colégio São Luiz. As meninas Gertrudes do

Penteado. Ela teve educação esmerada e foi criada como filha por sua madrinha, Alda Brandina, filha solteira do capitão mor. Thereza e seus descendentes receberam por testamento todos os bens deixados por Alda, que elegeu como seu testamenteiro Theodoro – o marido de afilhada –, pessoa de sua confiança. Arquivos Históricos-CMU. Testamento de Alda Brandina. FTJC, TJC, 4.Of., 1879, Cx.161, Proc.4727. Cf. PENTEADO, Maria Aparecida Alvim de Camargo. Depoimentos de descendentes de famílias campineiras. Campinas, 7 de maio de 2011. Entrevista concedida a Eliane Morelli Abrahão.

170

Desde a época do Brasil Colônia as crianças abandonadas constituíam um grave problema social. Cf. André Luiz Cavazzani a institucionalização do abandono de recém nascidos surgiu nos conventos da europa medieval o que desembocou na criação das rodas de expostos. Essa prática foi reproduzida no âmbito da sociedade colonial brasileira e apareceram instituições que abrigavam esses órfãos. Por exemplo, as Santas Casas de Misericórdia eram uma delas e passaram a contar com a roda dos expostos. Era uma forma de as mães e mesmo as famílias deixarem o bebê sem que fossem identificados. No caso específico da Santa Casa de Campinas não existiu a roda dos expostos e, segundo Benedito Barbosa Pupo, em depoimento a Ana Maria Negrão, muitas famílias abastadas da cidade abandonaram seus “enjeitados” na Roda da Santa Casa de São Paulo, preservando o anonimato dos progenitores. CAVAZZANI, André Luiz M. Em lares alheios: uma história social dos enjeitados numa pequena vila da América Portuguesa. In: Congresso Internacional de História. 9 a 11 de setembro de 2009. Maringá, Paraná: ISSN 2175-4446 (on-line). Disponível em: <http:// www.pph.uem.br/cih/anais/trabalhos/287.pdf>. Acesso em: 4/2/2014. NEGRÃO, Ana Maria Melo. Infância, Educação e Direitos Sociais: “Asilo de Órfãs” (1870 – 1960) Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Unicamp, Campinas, 2002.

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O documento sobre a dispensa de consanguinidade encontra-se no Arquivo da Cúria Metropolitana de Campinas. Livro XII de dezembro de 1878 a dezembro de 1883, p.58. Arquivos Históricos-CMU. Relatório do Asilo de Órfãos. Fundo Irmandade Misericórdia de Campinas, 1879

Amaral Camargo e Barbara foram internadas no Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, ambos na cidade de Itu.

A vida em família foi abruptamente interrompida para um recomeço em “um novo lar”. Barbara tinha nove anos de idade quando deixou sua casa, suas bonecas e precisou se adaptar às novas rotinas de estudo em um colégio interno.172 Nessa época – segunda metade do século XIX – as jovens das famílias da elite campineira eram educadas em Instituições particulares de cunho religioso, católicos ou protestantes. Nesses colégios, as moças eram envolvidas pela atmosfera de religiosidade, de cultura das virtudes cristãs, qualidades consideradas indispensáveis às futuras damas da sociedade.173

O Colégio Nossa Senhora do Patrocínio foi a primeira instituição totalmente feminina da Província de São Paulo. Fundado em 1859, em Itu pelas irmãs da Congregação de São José de Chambéry era administrado por uma superiora, sendo a primeira delas madre Maria Teresa. Essa instituição educacional caracterizou-se como uma escola que pretendia “formar mulheres cristãs, cultas, virtuosas, polidas e sociáveis”.174

O currículo contemplava as disciplinas consideradas básicas para uma “boa” educação católica. As matérias de ensino eram: instrução religiosa; gramática portuguesa; aritmética, geografia e cosmografia; noções de botânica natural; noções de física; curso de história sagrada e profana; diversos gêneros de caligrafia; curso de literatura, especialmente o gênero epistolar; francês; trabalhos manuais: todas as espécies de pontos de meias e de costuras; remendos; obras de gosto: flores artificiais; toda a espécie de bordados e pontos de tapete. As lições especiais incluíam: língua inglesa e alemã; piano e canto e desenho.175

172

PENTEADO, op.cit., 2011.

173

BENCOSTA, Marcus Albino Levy; CUNHA, Maria Iza Gerth da. Educação feminina católica e educação masculina protestante no Brasil do século XIX: fragmentos de uma história institucional e cultural. Educação & Linguagem, Ano 11, n.18, pp.25-43, jul.-dez. 2008.

174

PROSPECTO do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio. São Paulo, 1859. apud CUNHA, Maria Iza Gerth da. Educação feminina numa Instituição total confessional católica Colégio Nossa Senhora do Patrocínio. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1999. p.93.

175

Durante sua estada no Colégio Patrocínio, Barbara esteve sempre sob os cuidados da madre Theodora Voiron. As professoras do colégio e a própria madre Theodoranotaram a aptidão da aluna para o magistério e a incentivaram a seguir a carreira. A influência dessa religiosa sobre a vida da menina ficou evidente ao longo dos anos. Muito devota, em 1900, Barbara passou a integrar as Filhas de Maria do colégio, conforme consta da publicação feita em homenagem ao sexagésimo aniversário da chegada de madre Theodora ao Brasil.176

A amizade entre a pupila e a mestra perdurou por toda a vida e a forma carinhosa com que madre Theodora a tratava era prova do grande afeto que as unia. “Minha querida Babica”, diz ela em carta datada de 28 de abril de 1897. Nessa missiva a madre informava sobre o andamento das atividades do colégio, agradecia a carta de sua pupila na qual essa exprimia seu pesar pelo passamento do padre Berlioz – considerado pela madre como extremamente zeloso nas suas funções sacerdotais – e a informava que o padre Masset estava com a saúde plenamente restabelecida. Madre Theodora esperava poder contar com todas as suas mestras quando da reabertura do colégio, fechado, possivelmente, por conta do segundo surto de febre amarela ocorrido na cidade de Itu naquele ano.

Carta enviada por Irmã Maria Theodora (madre Thereza) a Barbara do Amaral Camargo Penteado informando sobre detalhes cotidianos do colégio. Itú, 28 de abril de 1897. (Acervo Particular –

Maria Aparecida Alvim de Camargo Penteado.)

176

Cf. HOMENAGEM a Madre Theodora Voiron. Superiora Provincial da Congregação das Irmãs de S.José de Chambery. Commemorando o Sexagésimo Anniversário da sua chegada ao Brasil em 1859. Itu, 1919.

Com o falecimento de seu pai, José do Amaral Camargo, em 1895, Barbara deixou o Colégio e foi morar, em Descalvado, com sua tia Maria das Dores Leite Penteado. Nessa época, Barbara passou a lecionar no grupo escolar da cidade até contrair matrimônio, em 28 de agosto de 1907, com o primo Joaquim Theodoro Leite Penteado, nascido em 1884, na Fazenda Santa Barbara, em Descalvado. O parentesco do jovem casal devia-se ao fato de que Delfina Leite Penteado, mãe de Barbara, era irmã da mãe de Joaquim Theodoro.

Como mencionamos nas trajetórias de vida de Custodia Leopoldina de Oliveira, também na família Camargo ocorriam casamentos entre parentes consanguíneos, seja para a manutenção do patrimônio, busca de notoriedade ou por carência de pretendentes.177 Eni Mesquita apontou que durante o século XIX, em São Paulo, “[...] para certos estratos da população o casamento (...) polarizava vários interesses e fazia-se por isso num círculo limitado, sendo comuns as uniões de parentes afins, que tinham como finalidade preservar a fortuna mantendo a linhagem e a pureza de sangue.”178 Enfim, “[...] a primeira classe era toda conhecida e quase todos parentes”, como registrou Brazilia Oliveira Franco de Lacerda em seu livro de memórias. Ela relatou ali suas vivências enquanto neta de um comendador que vivera com os pais em São Carlos e após o casamento se mudara para Jaú.179

A origem da elite campineira está vinculada aos ciclos econômicos do açúcar e do café, bem como a alguns aspectos da vida política e social de seus personagens, na qual eram frequentes os casamentos consanguíneos. As uniões entre os jovens não tinham razões sentimentais como principal ingrediente, como o demonstram as numerosas dispensas matrimoniais concedidas a noivos teoricamente impedidos pela consanguinidade, indicando que os interesses

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TEIXEIRA, Paulo Eduardo. O compadrio entre as famílias da elite campineira: 1774-1854. Trabalho apresentado no XVI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP. Caxambú, MG, 29 de setembro de 2008. Disponível em: < http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro

2008/docsPDF/ABEP2008_1369.pdf>. Acesso em: 21/12/2012.

178

SAMARA, Eni Mequita. Estratégias matrimoniais no Brasil do século XIX. Revista Brasileira de História, v.8, n.15, pp.91-105, set.87/fev.88. p.93.

179 LACERDA, Brazilia Oliveira Franco. “Dias ensolarados no Paraizo (memórias)”. Apud MALUF,

materiais se sobrepunham aos sentimentais e que era hábito buscar cônjuges entre os “seus”.180

Construía-se uma grande parentela por meio de casamentos e batismos, nos quais prevaleciam não apenas os laços de sangue. Amizades e alianças construídas ao longo dos anos eram também formas de manutenção e transmissão dos mais ricos patrimônios da sociedade de Campinas.181

Depois do casamento, ocorrido no ano de 1907, o jovem casal Barbara e Joaquim Theodoro do Amaral Camargo foi morar na cidade São Carlos, por conta do trabalho dele como engenheiro da Companhia Paulista de Estrada de Ferro. Nessa época, a expansão das lavouras cafeeiras e o avanço da estrada de ferro fizeram com que inúmeras famílias oriundas de Campinas migrassem para cidades localizadas na região central do Estado de São Paulo. Joaquim Theodoro se destacou no exercício de suas atividades de engenheiro ferroviário. Tanto que, no ano de 1920, recebeu do rei Albert da Bélgica – então em visita ao Brasil – a Comenda da Ordem de Leopoldo II, por serviços prestados durante a construção do ramal ferroviário de Itirapina, tornando-se, então, comendador.182

Da união entre Joaquim Theodoro e Barbara nasceram cinco filhos: Antonio de Camargo Leite, Benedicto do Amaral Camargo Penteado – falecido ainda criança – Carlos do Amaral Camargo Penteado, Dagoberto do Amaral Camargo Penteado e Erasmo do Amaral Camargo Penteado. A única menina entre tantos irmãos chamava-se Iraídes do Amaral Camargo, era mais velha do que os meninos. Ela foi adotada por Barbara antes mesmo de seu casamento. Na certidão de batismo de Iraídes constam como pais a própria Barbara e o seu futuro sogro, Alberto Cândido de Almeida Leite. Uma situação inusitada, mas que nunca foi esclarecida por nenhuma das partes envolvidas.183

Ainda solteira, mas atenta à necessidade de preparar seu enxoval e pensando no futuro casamento, Barbara valeu-se do que havia aprendido no

180

TEIXEIRA, Paulo Eduardo. A formação das famílias livres e o processo migratório: Campinas: 1774-1850. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.

181 TEIXEIRA. op.cit., 2008. 182 PENTEADO, op.cit., 2011. 183 idem, 2011.

Colégio Patrocínio e iniciou a elaboração de seu caderno de receitas, por volta de 1895, segundo depoimento de sua neta.184

Vimos que a educação das meninas naquele tempo incluía a prática da leitura de romances, de poesias e dos livros de oração, porém sob supervisão das mães e, no caso de Barbara, das religiosas do Colégio. A essas disciplinas se somava o aprendizado de tarefas práticas, próprias de uma dona de casa, como preparação para que as moças assumissem o papel de esposas, prendadas no desempenho das funções fundamentais à estrutura familiar, “[...] uma vez que cabe a elas apoiar ou contrariar os interesses assumidos por meio dos arranjos matrimoniais”, conforme apontou Lilian Lacerda. Os cadernos de receitas seriam mais um instrumento de apoio a essas atividades, portanto era natural que as moças em idade de casar e as jovens senhoras fossem estimuladas a organizá- los.185

Desde aquela data, e no curso dos 40 anos subsequentes, Barbara compôs seu receituário de cozinha em bela caligrafia. Não fora em vão seu aprendizado de diversos gêneros de caligrafia, matéria obrigatória da grade curricular do Colégio Patrocínio.186 Desses cuidados resultou um único volume com 191 páginas.

Segundo depoimento da neta Maria Aparecida, “[...] vó Barbara fazia questão de receber a família para almoços e jantares que preparava com o auxílio de sua filha Iraídes.” Essa era uma cozinheira de mão cheia e preparava as receitas previamente escolhidas por sua mãe, sempre atenta ao paladar de cada um dos filhos, noras e netos, conforme comentário dessa sua neta.

184 PENTEADO, op.cit., 2011. 185 LACERDA, op.cit., 2003. pp.195; 283, 297. 186

Retrato de Barbara do Amaral Camargo Penteado (1875-1963). s.d. (Acervo Particular – Maria Aparecida Alvim de Camargo Penteado).

“Ela era uma mulher bonita e de personalidade forte”, relata Maria Aparecida. Ao que tudo indica, era querida e respeitada por toda a família, Barbara agregava ao seu redor todos os parentes próximos e longínquos que a visitavam constantemente, proporcionando aos netos e netas a oportunidade de conhecerem tios e tias distantes. Ficou casada por 17 anos, quando em julho de 1924, o marido Joaquim Theodoro veio a falecer. Desde então, passou a residir com os filhos e quando esses se casaram foi morar com Erasmo, o caçula, e sua filha adotiva Iraídes. Foi a partir dessa ocasião que Maria Aparecida teve a oportunidade de conviver com a avó por vários anos.

Barbara faleceu em São Paulo em 22 de novembro de 1963, deixando de herança para Iraídes seu caderno de receitas. Desde então, essa filha viveu em companhia de sua sobrinha neta Maria Aparecida Alvim de Camargo Penteado,

tendo legado aos cuidados dessa a responsabilidade de preservar o receituário culinário da família.187