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2.5 Potenciais pseudonewtonianos

4.1.1 Bases observacionais

O modelo de discos de acreção tratado com maior frequência é o modelo de discos finos desenvolvido por Shakura e Sunyaev [37], Novikov e Thorne [38] e Lynden-Bell e Pringle [39]). Nesse modelo o gás é suposto estar frio, de forma que, i) forças de pressão radial são desprezáveis e a velocidade angular do gás é essencialmente igual ao valor Kepleriano, e ii) o gás forma um disco fino com espessura vertical muito menor que o raio.

A equação de energia que descreve o balanço entre a geração de energia local devido à dissipação pela viscosidade e o resfriamento devido à transferência radiativa vertical e radiação da superfície do disco, se simplifica consideravelmente na geometria do disco fino e o cálculo da densidade e temperatura do gás como função da distância radial é direto. O modelo de disco fino tem sido aplicado com sucesso a anãs brancas e estrelas em pré- sequência principal [40]. No entanto, apesar de plausível e autoconsistente, o modelo de disco fino não é capaz de explicar uma componente do espectro observado (raios X duros e raios gamma) em discos acretivos ao redor de buracos negros [41].

Em vista da incapacidade dos modelos de discos finos de acreção produzirem raios X e raios gamma, várias tentativas foram feitas para desenvolver modelos alternativos de acreção: modelos de corona; modelo de duas temperaturas SLE (Shapiro, Lightman e Eardley [42]); modelos opticamente finos dominados por advecção (Narayan e Yi [43], Chen et al. [44]).

Apesar disso, a teoria de discos finos é razoavelmente bem entendida e amplamente corroborada por firmes bases observacionais. O caso de discos grossos de acreção é, no entanto, muito menos convincente pela teoria ainda estar em desenvolvimento, e as observações relevantes serem poucas, difíceis e indiretas.

Contudo, há razões teóricas para se insistir no estudo de discos grossos. Na teoria de discos finos o gradiente radial de pressão é desprezado e o balanço vertical de forças é resolvido separadamente. Foi mostrado que esta aproximação é adequada na medida em que o disco é geometricamente fino. Esta condição deve ser violada nas regiões mais internas dos discos de acreção em torno de buracos negros estelares e estrelas de nêutrons (ver discussão na seção 4.1.3). O estudo de discos grossos fornece um melhor entendi- mento teórico de discos finos como um caso limite, e nos permite lidar com situações intermediárias.

Além disso, atualmente acredita-se que sistemas compreendendo discos grossos de acreção relativísticos ao redor de buraco negros são comuns no universo. Em diver- sos modelos astrofísicos tais sistemas podem ser formados como estruturas transientes. Acredita-se que a região central de um núcleo ativo de galáxia consista em um buraco negro supermassivo, de massa aproximadamente entre 106 e 109 massas solares, rodeado

por um toro, sendo formados provavelmente a partir do colapso de estrelas supermassivas [45]. É provável também que a fusão de estrelas de nêutrons binárias e sistemas binários buraco negro/estrela de nêutrons também resulte em um buraco negro e um toro [46].

Supõe-se que os eventos de fusão e colapso estão ligados a explosões de raios gama de curta e longa duração, respectivamente [47]. A duração da emissão de raios gamma é de

> 2s (≤ 2s) para emissões longas (curtas). Porém, além da emissão inicial de raios gama

há ainda uma emissão posterior de raios X que pode durar um longo período de tempo, até cerca de ≈ 105s [48]. A quantidade de energia liberada na fase posterior da emissão

pode ser comparada àquela produzida durante a fase “rápida” de emissão de raios gama. Em ambos os casos a grande emissão de energia pode ser explicada como o resultado da atividade do mecanismo central [48,49] (apesar de existirem modelos alternativos [50]).

Para que esses modelos de explosões de raios gamma sejam plausíveis um disco sufici- entemente massivo (grosso) precisa estar presente para suprir matéria para um processo de acreção quase estacionário que dure por um período de alguns segundos [48]. Porém, alguns estudos prévios da estabilidade de discos grossos de acreção revelaram que esses estão sujeitos a instabilidades axissimétricas e não axissimétricas [51–53] que poderiam

destruir o toro em uma escala de tempo de milissegundos. Em anos subsequentes alguns efeitos estabilizadores foram descobertos [54], mas a total implicação desses efeitos per- manece ainda a ser entendida. Apresento na seção a seguir um resumo desses estudos de estabilidade, porém, em resumo, os resultados são ainda inconclusivos e a possibilidade da existência de toros astrofísicos ao redor de buracos negros permanece. Os resultados obtidos até agora praticamente excluem a realidade de discos grossos como sendo toroides não acretivos em equilíbrio, mas deixam em aberto a possibilidade da existência de toros de acreção intimamente relacionados a toros em equilíbrio, que poderiam ser de interesse astrofísico.

De fato, depois da descoberta dessas instabilidades dinâmicas em toros com rotação diferencial, o interesse em discos grossos nessas estruturas inicialmente diminuiu, e se voltou para os modelos de acreção dominados por advecção, ou ADAF’s (advection do-

minated accretion flows) contornando, mas deixando em aberto muitas questões sobre os

toros. Apesar de restarem incertezas teóricas sobre sua estrutura e estabilidade, discos grossos são ainda uma possibilidade e devem ser, apesar do pessimismo inicial, centrais nos fenômenos mais energéticos observados no universo.

No presente trabalho adoto o modelo de discos grossos chamado de Polish doughnuts [8–10], o qual apresento na seção (4.1.4). Considero apenas discos em equilíbrio hidros- tático, e é óbvio que em tais discos não pode ocorrer acreção. De fato, discos de acreção astrofisicamente relevantes devem extravasar (ligeiramente) o seu lóbulo de Roche de tal maneira a resultar em um fluxo acretivo. O lóbulo de Roche em sistemas buraco ne- gro/toro é uma superfície toroidal análoga ao lóbulo de Roche em sistemas binários. Um corte meridional dessa superfície tem uma cúspide localizada no ponto de Lagrange L1,

que se configura como sendo um círculo localizado entre a órbita circular marginalmente estável e a órbita circular marginalmente ligada. Então, o lóbulo de Roche toroidal é a superfície “equipotencial” que se cruza ao longo da cúspide, e o extravasamento dessa superfície induz perda de massa do disco. A figura 4.1 mostra duas situações em que o

Figura 4.1: Superfícies equipotenciais de um disco grosso ao redor de um buraco negro: a) Disco estacionário; b) Disco extravasando o lóbulo de Roche, causando um processo acretivo

disco não preenche, e em que ele extravasa o lóbulo de Roche.

A taxa de acreção (fluxo de massa) na cúspide depende fortemente do quanto o lóbulo de Roche é extravasado. Isso gera um mecanismo de estabilização autorregulador contra perturbações térmicas e viscosas. Em uma situação astrofísica típica envolvendo acreção em estado estacionário a quantidade em que o lóbulo de Roche é extravasado é sempre muito pequena [55] e, portanto, discos grossos de acreção estacionários devem ser descritos por modelos idealizados que preenchem exatamente o seu lóbulo de Roche (figura 4.2).

Figura 4.2: Modelo de disco grosso preenchendo exatamente o lóbulo de Roche Considero então estados de equilíbrio baseando-me no fato de que estados acretivos quase estacionários podem ser aproximados por estados em equilíbrio preenchendo com- pletamente o lóbulo de Roche. Aproximação essa que deve ser válida para baixas taxas de acreção, e portanto baixas luminosidades [55].