• Nenhum resultado encontrado

Ao longo de muitos anos, e depois do trabalho de muitos, o estudo numérico de figuras de equilíbrio se fez de maneira muito extensa, mas pode-se dizer que o quadro qualitativo geral foi desenhado por Eriguchi e Hachisu nos anos oitenta, em conjunto com o trabalho de outros. Na seção 5.1 apresento a evolução dos métodos numéricos utilizado nesses trabalhos.

O quadro qualitativo geral obtido é o seguinte: ao se mover ao longo da sequência de Maclaurin de fluidos elipsoidais homogêneos, axissimétricos, com rotação uniforme e massa e densidade fixas, começando com uma configuração sem rotação e prosseguindo em direção ao aumento do momento angular, encontra-se primeiro o ponto de ramificação de Jacobi, onde os elipsoides se tornam instáveis com relação à primeira perturbação não axissimétrica (veja, por exemplo, Chandrasekhar [93]). A sequência de Jacobi bifurcando nesse ponto conduz a outras ramificações, em particular para a sequência em “forma de pera” (veja Eriguchi, Hachisu e Sugimoto [107] 1982b). Seguindo pelo ramo de Maclaurin chega-se aos pontos de bifurcação das sequências não axissimétricas (veja figura 4.10) em forma de “triângulo”, “quadrado” e “amonite” (Chandrasekhar [93], Eriguchi e Hachisu [108] 1982a), antes de se chegar a primeira sequência axissimétrica bifurcando a uma excentricidade 1 = 0, 98523 (Chandrasekhar [109], Bardeen [102]). Como conjecturado

por Bardeen [102] (1971), e confirmado por Eriguchi e Sugimoto [103] 1981, as estruturas nessa sequência se apertam gradualmente no centro até que eventualmente formam as configurações em forma de anel estudadas por Dyson.

Figura 4.10: Algumas formas de figuras de equilíbrio sem simetria axial. Algumas figuras bifurcam de pontos de instabilidade da sequência de Maclaurin (axissimétrica), onde há uma quebra espontânea de simetria (veja figura 4.11). (figura retirada de Horedt [71])

Figura 4.11: Diagrama do momento angular adimensional versus velocidade angular adi- mensional para configurações hidrodinâmicas com densidade constante. Os círculos pe- quenos no final das curvas denotam o término de sequências de estados de equilíbrio devido à perda de massa pela superfície, ou – no caso de binárias com massas diferentes – devido ao fluxo de massa de uma para a outra. O término de sequências binárias é localizado na linha tracejada. (figura retirada de Horedt [71])

Uma outra conjectura, ainda não confirmada, de Bardeen 1971 diz respeito à uma sequência axissimétrica de configurações com “bojo central”, também bifurcando em ε1.

Ansorg et al. [110] de fato encontraram essa sequência, que deve ser considerada uma continuação da sequência dos anéis de Dyson além dos elipsoides de Maclaurin e que termina em um limite de perda de massa (o outro extremo da sequência segue até anéis

arbitrariamente finos – com razão entre o raio interno e externo próxima de 1). Contudo, a forma das superfícies dos corpos fluidos correspondentes não geram uma região com “bojo central”, tendo na verdade uma aparência mais como uma “forma de lente”.

Figura 4.12: Seção transversal de configurações pertencendo à sequência 1 (coluna da

esquerda) e à sequência 2 (coluna da direita). As figuras hachuradas correspondem às

configurações de Maclaurin. (figura retirada de Ansorg et al. [110])

A próxima sequência axissimétrica bifurcando da sequência de Maclaurin, o primeiro ramo “núcleo-anel”, ocorre em 2 = 0, 99375. Da mesma forma, há uma sequência bifur-

cando em 3 = 0, 99657, tendo em um de seus extremos um limite de perda de massa, e

segue além da sequência de Maclaurin terminando na formação de um sistema de “dois anéis” (ver figura 4.12).

O mesmo quadro qualitativo se repete ao seguir para pontos de bifurcação axissimé- tricos mais altos em 4 = 0, 99784, 5 = 0, 99851 etc., os quais há um número infinito,

acumulando em  = 1 [102]. Iniciando no limite de perda de massa, as sequências seguem em direção à sequência de Maclaurin e além, levando eventualmente à formação de um sistema “núcleo-anel” e “dois anéis”. Continuando o processo além da formação de um sistema de dois corpos, o sulco externo deve também se cortar, gerando eventualmente um sistema “multi-corpos”, consistindo de um núcleo e anéis ou somente anéis.

Dado o que foi descrito acima, percebe-se que o espaço completo de soluções é muito rico e contém um número infinitamente grande de sequências Newtonianas que ramificam da sequência de Maclaurin (observe grande parte do espaço de soluções na figura 4.11). Ao considerar essas configurações no âmbito da relatividade geral pode-se imagina a total complexidade do espaço de soluções nesse caso. Ansorg et al. [111] estenderam o estudo de anéis de Dyson para esse caso da gravitação relativística. Ao se afastar de configurações Newtonianas, observaram efeitos relativísticos típicos como a formação de ergosfera e a transição para um buraco negro de Kerr extremo (rotação máxima).

Em 2004 Ansorg et al. [90] fizeram um estudo completo do espaço de soluções para um fluido homogêneo em rotação uniforme no âmbito da relatividade geral. Suas consi- derações numéricas não excluem a possibilidade da existência de soluções desconhecidas, porém elem sugerem que as classes apresentadas cobrem todo o espaço de soluções (veja figuras 4.13 e 4.14).

Eles descobriram que o espaço de soluções consiste de um número infinitamente grande de classes de soluções disjuntas. Dentro dessas classes (que são subconjuntos bidimensio- nais do espaço de soluções), seções específicas das sequências Newtonianas acima formam curvas limites particulares. Uma consequência dessa estrutura de classes é que qualquer sequência contínua de soluções relativísticas começando em um corpo esférico e estático e seguindo pela classe esferoidal associada, não é conectada ao regime de configurações com forma toroidal. Ao invés disso, tais sequências eventualmente levam a um limite de perda de massa ou um limite de pressão central infinita. Tomando as soluções dos anéis de Dyson no regime relativístico encontra-se a chamada classe toroidal, que é disjunta com respeito a classe esferoidal. Em contraste com a classe esferoidal, ela possui sequências contínuas de soluções relativísticas que levam a toros finos.

Anéis com outras equações de estado foram ainda estudados por Fischer et al. [112] (equações de estado politrópica e gás de Fermi completamente degenerado) e Labranche

et al. [113] (matéria estranha: fluido formado por quarks up, down e strange).

Os trabalhos acima descritos foram desenvolvidos para fluidos com rotação rígida (uniforme). Ansorg et al. [114] fizeram então um estudo das mudanças sofridas pelo espaço de soluções devido ao perfil de rotação. O perfil de rotação utilizado é o mais amplamente aplicado em relatividade geral, que foi introduzido por Komatsu et al. [115] 1989 (equação (4.151), que apresento na seção a seguir), e que permite ir de rotação rígida até perfis de rotação com altos gradientes a partir de um parâmetro A. Eles descobriram

Figura 4.13: O quadrado da velocidade angular normalizada versus a razão A = r1/r2

dos raios para curvas limites das três primeiras classes; r1 =raio polar; r2 =raio equatorial

para o caso esferoidal (com  =1 − A2) e r

1 =raio interno; r2 =raio externo para o caso

toroidal. (figura retirada de Ansorg et al. [90])

que aparecem alguns valores críticos de A em que ocorre a fusão de classes típicas. Esse resultado mostra que a introdução de diversas classes disjuntas, inicialmente assumidas para caracterizar o espaço de soluções correspondendo a rotação uniforme, somente tem sentido para rotação diferencial suficientemente pequena. Além disso, esses valores críticos dependem sensivelmente da equação de estado.

Todos os trabalhos acima citados contemplam fluidos em equilíbrio hidrodinâmica sob a ação somente de seu próprio campo gravitacional. Ao se inserir o campo gravitacional de um objeto central (em geral um objeto compacto como um buraco negro ou estrela de nêutrons) o cenário é muito menos claro, e os trabalhos se voltaram principalmente ao estudo da estabilidade e da possibilidade de existência de tais objetos do que de outras propriedades de soluções de equilíbrio.

Bodo e Curir [116] obtiveram numericamente discos grossos autogravitantes em equi- líbrio hidrodinâmico ao redor de um objeto central (buraco negro, usando um potencial

Figura 4.14: Uma representação esquemática das classes e seus contornos. Um esquema da seção transversal da superfície é dada para configurações no ponto de intersecção de duas sequências – exceto para o ponto (f). Além disso, várias superfícies são mostradas para ajudas a ilustrar a transição entre cada intersecção e a seguinte. Sempre que ergosferas aparecem, elas são representadas por linhas tracejadas. (figura retirada de Ansorg et al. [90])

pseudonewtoniano) no âmbito da gravitação Newtoniana, e analisaram a influência da au- tointeração gravitacional nas propriedades globais do disco. Consideraram o disco como sendo um fluido politrópico geral, resolvendo a equação de Poisson e a equação de equilí- brio hidrostático separadamente e iterativamente, até que a convergência fosse obtida.

Nishida e Eriguchi [11] resolveram numericamente, pela primeira vez em relatividade geral, o problema de um toro com rotação diferencial (não uniforme) ao redor de um bu- raco negro, usando uma formulação integral das equações de Einstein. Eles consideraram o toro como sendo um fluido politrópico perfeito e uma prescrição de um único parâmetro para a lei de rotação (equação (4.152), conforme discutiremos na seção4.7). Os métodos usados (há cerca de vinte anos atrás) não permitiram uma precisão suficiente para des- crever completamente o impacto da distribuição de matéria sobre o buraco negro, e ainda os autores se enganaram ao fazer conjetura incorretas a respeito da forma de um buraco negro com momento angular nulo [117].

Em 2005 Ansorg e Petroff [117] utilizaram um código pseudoespectral para estudar o problema de anéis homogêneos (densidade constante) com rotação uniforme ao redor de buracos negros. Analisaram a influência da matéria nas propriedades do buraco negro e

verificaram como a forma do horizonte se desvia de seu valor não perturbado.

Shibata [118], utilizando o chamado método da punção (puncture framework), consi- dera um fluido perfeito com uma equação de estado politrópica e densidade de momento angular arbitrária. Os modelos assim gerados servem como dados iniciais para códigos de evolução temporal desenvolvidos dentro do mesmo formalismo (e.g., Montero et al. [119], Shibata e Sekiguchi [120]).

Stergioulas [16] obtém ainda modelos com momento angular constante, em que o toro preenche exatamente o lóbulo de Roche (ver discussão na seção 4.1.4). Seus modelos foram usados como estados iniciais por Korobkin et al. [121] em estudos de estabilidade.