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Além da questão fundamental de que nem a superfície nem a distribuição de densidade são dadas (problema de fronteira livre), uma particularidade numérica encontrada no uso de métodos espectrais na resolução desse problema é que um sistema de coordenadas adaptado a um disco, como o que estou tratando, terá sempre pontos singulares (como veremos abaixo) e se faz necessário um tratamento especial desses pontos.

O sistema de coordenadas melhor adaptado a um disco é o sistema de coordenadas toroidais simples (q, α), que se relaciona com o sistema cilíndrico por

r = rc− q cos α, (5.1)

z = q sin α, (5.2) onde rc é o raio de máxima pressão e densidade (ou centro) do disco. Nesse sistema, a superfície pode ser representada por q = qs(α) e o centro do disco por q = 0.

Uma característica dos métodos espectrais é a utilização de um sistema de coorde- nadas adaptado ao domínio, e o mapeamento do domínio físico a um domínio numérico, geralmente tomado como sendo em um quadrado unitário [−1, 1] × [−1, 1] (em duas di- mensões). Dessa forma, fazendo a seguinte transformação de coordenadas:

α(y) = (y + 1)π, (5.3) q(x, y) = x + 1 2  qs(α(y)). (5.4)

a superfície será dada por x = 1 e o centro por x = −1.

No entanto, como todos sabem, esse sistema de coordenadas tem uma singularidade em q = 0 ⇔ x = −1 (exatamente como a origem do sistema de coordenadas polares), e o cálculo de operadores diferenciais regulares tais como o Laplaciano irá divergir. Essa singularidade é apenas “aparente”, pois o cálculo do Laplaciano de uma função regular deveria ter um resultado bem definido, já que em coordenadas cilíndricas ele é ∇2 =

∂/∂r2+ ∂/∂z2. Para se evitar calcular coeficientes de equações diferenciais onde eles são

infinito, o grid espectral pode simplesmente excluir o ponto singular [151]. No entanto, isso é somente uma uma complicação trivial. Boyd [152] mostra que as condições de contorno devem ser impostas como condições de regularidade das funções nesses pontos.

Para métodos de diferenças finitas, normalmente impõem-se explicitamente condições de contorno numéricas, baseadas em uma cuidadosa análise do comportamento da solu- ção próxima à origem, no ponto do grid mais próximo dela. Para métodos espectrais, no entanto, a condição de contorno na origem é comportamental e não numérica: o compor- tamento correto é que a solução deveria ser analítica na origem mesmo que os coeficientes da equação diferencial não sejam. Como os termos de uma série espectral são individu- almente analíticos, segue que uma série de Chebyshev ou outra similar no raio satisfaz automaticamente as condições de contorno na origem, e não são necessárias condições adicionais. De certa forma a existência da singularidade na origem é uma questão de consistência, pois sem ela seria necessário impor explicitamente condições de contorno numéricas nesse ponto.

Portanto, sempre haverá uma singularidade qualquer que seja o sistema de coordenadas que mapeie o disco no quadrado unitário, mas ainda assim métodos espectrais podem ser

aplicados de maneira eficiente. Contudo, para isso é necessário lidar com condições de regularidades das funções, o que nem sempre é uma tarefa simples.

Nas coordenadas (x, y) dadas por (5.3-5.4), baseadas nas coordenadas toroidais, uma expansão espectral simples seria uma série de Chebyshev-Fourier, Chebyshev em x e Fourier em y (ou α). Uma expansão em série desse tipo, de Chebyshev-Fourier, é usada por Bonazzola et al. [14] no método BGSM. Vejamos abaixo como exemplo como a condição de regularidade é tratada nesse trabalho.

A condição de regularidade é baseada no fato de que, se uma função f (x, y) for analítica em R = 0, então ela pode ser escrita como uma série

f (x, y) = ∞ X i,j=0 cijxiyj = ∞ X i,j=0

cijRi+jcosi(θ) sinj(θ). (5.5) Em [153] temos duas demonstrações de a condição de regularidade implica que sua série de Fourier em coordenadas polares (R, θ)

f (R, θ) = ∞ X m=0 am(R) cos(mθ) + ∞ X m=0 bm(R) sin(mθ) (5.6) deve ter coeficientes que satisfazem

lim R→0 am Rm < ∞, (5.7) lim R→0 bm Rm < ∞. (5.8) Em outras palavras, am(R) = RmAm(R), bm(R) = RmBm(R), (5.9) onde Am(R) e Bm(R) são não singulares em R = 0. Além disso, através dessa condição e das condições de paridade [153] chega-se que

am(R) = Rm

h

am,0+ am,2R2+ am,4R4+ · · ·

i

, (5.10)

sendo a dependência do coeficiente bm(R) da mesma forma.

Em coordenadas esféricas, a condição de regularidade implica que uma função regular deve ser expansível como [14]

f (R, θ, ϕ) = M X m=−M L X `=|m|

R`T (R2) sin|m|θ P`−|m|(cos θ)eimϕ, (5.11) onde L e M são inteiros positivos, L ≥ M , P`−|m| é um polinômio de grau ` − |m| e T (R2) é um polinômio par.

No método BGSM, Bonazzola et al. [14] aplicam o método espectral para modelos de estrelas, e realizam o cálculo em três dimensões, mas não aplicam a condição acima direta- mente. Isso porque, como dito acima, nos métodos espectrais são necessárias coordenadas adaptadas à superfície de tal forma que essa possa ser representada por uma coordenada

x = 1, como por exemplo na transformação R(x, θ, ϕ) = Rs(θ, ϕ)x. E para tal transfor- mação de coordenadas a condição de regularidade (5.11) seria muito complicada quando expressa em termos de (x, θ, ϕ). Utilizaram então, alternativamente, a transformação

R(x, θ, ϕ) = a0[x + A0(x)F0(θ, ϕ) + B0(x)G0(θ, ϕ)] , (5.12)

onde A0 e B0 são os seguintes polinômios

A0(x) = 3x4− 2x6, (5.13)

B0(x) = (5x3− 3x5)/2. (5.14)

A constante a0 bem como as funções F0(θ, ϕ) e G0(θ, ϕ) são tais que i) a expansão de

F0(θ, ϕ) (G0(θ, ϕ)) com respeito a ϕ contém somente harmônicos pares (ímpares) e ii) a

equação da superfície pode ser escrita como

Rs(θ, ϕ) = a0[x + F0(θ, ϕ) + G0(θ, ϕ)] . (5.15)

Os polinômios A0 e B0 foram escolhidos de tal maneira a satisfazer em um nível mínimo

as condições de regularidade mencionadas acima. Em particular, próximo à origem R se comporta como R ≈ a0x e é independente de (θ, ϕ), o que não seria o caso para a

transformação R = Rs(θ, ϕ)x.

Gourgoulhon et al. [148] utiliza uma especialização desse método para o caso de sime- tria axial, em que a transformação (5.12) se reduz a

R(x, θ) = a0 h x + (3x4− 2x6)F 0(θ) i , (5.16)

onde a equação da superfície é dada por

Rs(θ) = a0[1 + F0(θ)] . (5.17)

Boyd e Yu [153] compararam sete métodos espectrais para interpolar e resolver a equação de Poisson em um disco, a saber: séries de Chebyshev-Fourier; mapa conforme quadrado- para-disco; polinômios Zernike; polinômios Logan-Shepp; funções cilíndricas de Robert; expansões Fourier-Bessel; e funções base radiais. Concluem que não existe uma base que seja “a melhor” para o disco em todas as situação, e apresentam as vantagens e desvantagens de cada uma.

A imposição de condições de regularidade não se aplicam de maneira direta a métodos espectrais. Por isso, muitas aplicações empregam vários truques diferentes para se evitar

ter de lidar com essas condições de regularidade. Por exemplo, em Foucart et al. [154] a região próxima à origem é descrita por coordenadas cartesianas. Ansorg et al. [151] procuram a solução no espaço de configuração com pontos de colocação que evitam a origem.

Minha conclusão é que não há uma maneira simples, ao meu ver, de lidar com a singularidade utilizando um único sistema de coordenadas. Uma abordagem totalmente diferente das citadas acima seria a utilização de uma técnica de multidomínios. Ao sub- dividir o domínio do disco em subdomínios é possível obter sistemas de coordenadas sem pontos singulares, evitando assim a imposição de condições de regularidade. Observe na figura 5.1 como a divisão do disco em domínios, cada qual com seu próprio sistema de

Figura 5.1: Decomposição de um disco em (a) domínio único; e (b) multidomínios.

coordenadas, pode evitar a singularidade.

A técnica multidomínios apresenta uma maneira muito mais direta e simples de lidar com a singularidade, e portanto, adoto essa abordagem no presente trabalho. Ao invés de usar o método espectral multidomínio tradicional, opto por aplica o chamado método

dos elementos espectrais, que difere do anterior no que diz respeito às condições de aco-

plamento entre os subdomínios. Difere ainda no fato de ser, na realidade, um método

pseudoespectral, ou seja, utiliza-se de uma base nodal de funções. Nele são utilizada fór-

mulas de quadratura no cálculo das integrais utilizada no cômputo dos coeficientes de uma expansão modal, resultando assim em uma expansão nodal (veja o capítulo 6a seguir).

Os métodos espectrais nodais, ou pseudoespectrais, também sofrem do problema da singularidade do sistema de coordenadas. No entanto, a formulação de Galerkin utilizada para a geração do sistema algébrico resultante implica que é possível aplicar esse método mesmo sem condições adicionais. Contudo, a singularidade faz com que a convergência seja lenta e compromete a precisão e a eficiência do método, e assim, algum tratamento da singularidade também se faz necessário (o que apresento na seção 6.2).