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4.3 Formulação Newtoniana

4.3.4 Toro com vorticidade nula

Diante do modelo descrito nas seções anteriores, os graus de liberdade que temos na determinação de uma estrutura toroidal autogravitante em equilíbrio hidrodinâmico, com simetria axial e rotação pura (sem movimento poloidal) está na escolha do potencial central Φ◦(r, z) e na escolha de uma distribuição de momento angular L(r). Usarei como

modelo Newtoniano do potencial gravitacional Φ◦(r, z) de um buraco negro um potencial

pseudonewtoniano conforme descrito na seção 2.5. A distribuição de momento angular que escolherei será baseada em um modelo analítico que imita resultados numéricos mais realísticos, conforme descreverei na seção 4.7.

Para ilustrar as características básicas de um disco grosso descreverei aqui um modelo mais simples: um toro em equilíbrio ao redor de um objeto compacto Newtoniano de massa M muito maior que a massa do disco (i.e., desprezando-se a autointeração gravitacional do disco), com distribuição de momento angular dada por L(r) = const (i.e., momento angular constante).

Essa distribuição equivale à situação em que a vorticidade do fluido é nula como vere- mos abaixo, e é possivelmente a distribuição de momento angular mais simples possível. De fato, o toro com vorticidade nula foi a primeira situação de equilíbrio discutida na lite- ratura e foco dos primeiros estudos de estabilidade de discos grossos. Além disso, grande parte dos estudos iniciais de estabilidade se restringiram a toroides barotrópicos em equi- líbrio em um estado de rotação pura [40, seção 10.6], com uma lei de potência simples da forma Ω(r) ∝ r−q (sendo o toro com momento angular constante correspondente a q = 2). Um cálculo direto da vorticidade de um campo de velocidade definido pela equação (4.37) resulta em ~ ω ≡ ~∇ × ~u = 2Ω + r∂Ω ∂r ! ˆ z − r ∂Ω ∂z ! ˆ r. (4.66)

Supondo que Ω = Ω(r) temos que ∂Ω/∂z = 0. Além disso, fazendo ~ω = 0 obtemos dΩ dr = − 2Ω rΩ(r) = Lr −2 , com L = const. (4.67) Isso implica em uma estrutura barotrópica com momento angular L = r2Ω = const

constante por todo o fluido.

Dada que a condição barotrópica é satisfeita, existe um potencial efetivo (equações (4.52) e (4.64)):

W = −M R +

L2

2r2. (4.68)

Nesse caso W é a energia por unidade de massa (isso é uma propriedade exclusiva do campo de rotação L = const.). A estratificação de densidade e pressão é obtida simples- mente fazendo W = const. na equação (4.68) e resolvendo para z como função de r, com parâmetro W . Mas antes de encontrar as superfícies equipotenciais, introduziremos uma notação mais conveniente. Seja rk o raio Kepleriano5 de um elemento de fluido rodando com momento angular específico L:

L2 = M rk. (4.69)

Podemos expressar todos os comprimentos em unidades de rk, e reescrever (4.68) como

E ≡ 2rkW M = r k r 2 −√ 2rk r2+ z2, (4.70)

onde E é a energia específica do fluido em unidades da energia de ligação de uma órbita circular de raio rk. Pode ser mostrado que essa equação atinge um valor mínimo E = −1 no círculo r = rk, z = 0. Para que o fluido se mantenha ligado ao objeto central temos que ter −1 ≤ E < 0.

Introduzindo a coordenada polar θ da definição usual r = R sin θ, obtemos sin2θ = r 2 k ER2+ 2r kR , (4.71)

que é uma equação quadrática para R como função de θ, com parâmetro E. A figura 4.3

mostra uma seção reta de algumas superfícies equipotenciais identificadas por seu valor

E. O disco resultante é toroidal, com os elementos de fluido mais fortemente ligados

se movendo em um círculo equatorial de raio rk. Esta é também a posição de maior pressão e densidade, sendo seus valores ainda arbitrários. Conforme nos afastamos desses equipotenciais limites o fluido se torna mais fracamente ligado e a pressão e a densidade diminuem.

5O raio Kepleriano é definido como sendo o raio em que o momento angular L se iguala ao momento angular Kepleriano Lk, que por sua vez satisfaz a equação

L2 k

r3 =

∂Φ ∂r.

Figura 4.3: Seção reta de superfícies equipotenciais do disco toroidal com L = constante. Contornos são identificados pelo valor adimensional de energia E. O fluido é ligado se

E < 0. Os pontos sobre o eixo r correspondem à máxima pressão: r = rk, z = 0. (figura retirada de Frank et al. [40])

Pode-se mostrar da equação (4.71) que uma dada superfície equipotencial se estende entre os raios equatoriais interno rine externo rout. Expressões para esses raios são obtidas resolvendo (4.71) com sin2θ = 1:

rin = rk h 1 +√1 + Ei−1, (4.72) rout = rk h 1 −√1 + Ei−1. (4.73)

Como esperado, quando E = −1, rin = rout = rk, mostrando que a superfície toroidal mais fortemente ligada degenera em um círculo equatorial de raio rk. Quando E → 0 vemos que rin → rk/2 e rout→ ∞. Dessa forma, a equipotencial limite para discos ligados é uma superfície aberta. Para E > 0 todas as equipotenciais são abertas (um exemplo é mostrado na figura 4.3 por linhas pontilhadas).

Uma característica importante desse disco e de outros modelos de discos grossos é a existência de um funil axial estreito. A matéria em rotação estacionária, sustentada pela pressão, pode “preencher” todas as equipotenciais até um valor negativo pequeno de E. (O valor preciso de E pode ser obtido, como em modelos de estrutura estelar, fornecendo condições de contorno apropriadas e a massa do disco.) A configuração resultante é um toro gordo distorcido com um canal axial estreito ao longo do qual há grandes gradientes de pressão-radiação. Isso pode ser visto observando-se diretamente a figura 4.3: próximo ao equador as equipotenciais estão compactadas, “espremidas”, resultando em grandes

gradientes de pressão, e portanto, grandes fluxos de radiação. Conforme nos movemos ao longo do funil, nos afastando do plano equatorial e em direção à “abertura” do funil em ambos os lados, o fluxo radiativo emitido pelas paredes diminui. Portanto, a densidade de radiação ao longo do funil é máxima perto do equador e diminui em direção à “saída”. Se, como resultado de uma pequena viscosidade ou simplesmente de um “preenchimento” excessivo de matéria o gás se acumular no funil, ele será sugado pelo objeto central ou será expelido ao longo do eixo pela pressão de radiação.

Podemos estimar a abertura do funil diferenciando a equação (4.71) com respeito a R e encontrando que o valor mínimo de θ. Isso ocorre em R = −rk/E para um dado valor (negativo) de E. Substituindo de volta em (4.71) obtemos

sin2θmin = −E. (4.74)

Se a superfície do disco é a equipotencial E então um cone de abertura θmin com vértice na origem é contido no funil e é tangente à superfície do disco (veja figura 4.4).Portanto,

Figura 4.4: Uma visão perspectiva do funil axial de semi-abertura θmin gerado por um toro com energia superficial E. (figura retirada de Frank et al. [40])

a colimação gerada pelo funil é da ordem de θmin. Um funil estreito requer |E| pequeno e consequentemente tal funil é definido por paredes em rápida rotação fracamente ligadas. Como a energia de ligação da matéria próxima à superfície do funil é relativamente baixa é fácil, em princípio, para a matéria das paredes escapar para o infinito impulsionada pela pressão de radiação. Esse é o mecanismo básico pelo qual um par de jatos colimados em direções opostas poderia ser gerado por um disco grosso.