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Capítulo II. Qualidade de vida, direitos e envelhecimento

1. Qualidade de vida

1.5. Bem-estar

A presença do bem-estar é indiscutível quando falamos de qualidade de vida, sendo que como já vimos este pode ser considerado em termos físicos, emocionais, sociais e psicológicos. Um dos preditores de uma vida saudável é a felicidade (Machado & Bandeira, 2012). A existência de felicidade é também um dos atributos de vida gratificante podendo significar prazer e satisfação, resultando de emoções positivas e da forma como a pessoa reage face às circunstâncias da sua vida (Diener, Scollon, &

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Lucas, 2003). Apenas a partir do séc. XX psicólogos e outros investigadores manifestaram interesse pelo estudo da felicidade, tentado compreendê-la através de estudos empíricos, tendo emergido então a chamada Psicologia Positiva e o bem-estar como interesse premente (Diner et al., 2003).

Durante algum tempo o bem-estar foi associado apenas a uma situação confortável, que incluía aspetos como comida, habitação, saúde e dinheiro, posteriormente os seus contornos alteraram-se começando a refletir também aspetos não visíveis, tal como os objetivos pessoais, a segurança e dignidade pessoal, entre outros (Sousa et al., 2003). Neste sentido, importa distinguir duas perspetivas que dominam na esfera da psicologia e que se confundem por vezes por decorrerem de interesses comuns: o bem-estar subjetivo e o bem-estar psicológico. O bem-estar subjetivo (BES) baseia-se na identificação do nível de felicidade e satisfação dos indivíduos, sendo a felicidade considerada como uma motivação indispensável para a vida, enquanto que o bem-estar psicológico diz respeito à operacionalização de dimensões do funcionamento psicológico, que se apresentam como essenciais à saúde mental dos indivíduos, sendo que a felicidade se apresenta como apenas uma componente do desenvolvimento (Novo, 2005; Galinha & Pais-Ribeiro, 2005).

O BES pode ser utilizado como uma medida de avaliação, uma vez que este é composto por três componentes essenciais: a satisfação com a vida (dimensão cognitiva), a presença de humor positivo e a ausência de negativo (dimensão emocional), sendo a componente do humor comummente denominada de “felicidade” (Ryan & Deci, 2001). O bem-estar subjetivo, numa perspetiva hedónica, reflete essencialmente a forma como uma pessoa avalia a sua vida de forma global, sendo que os componentes mencionados estão moderadamente correlacionados e cada um deles oferece informações particulares sobre a qualidade subjetiva da vida de alguém. Relativamente à componente “satisfação com a vida”, podemos dizer que esta reflete um julgamento cognitivo sobre as condições gerais da vida, numa relação entre as metas desejadas e aquelas que foram alcançadas (Guedea et al., 2006). Normalmente as pessoas não ponderam todos os aspetos da vida antes de fazer essa avaliação, encontrando pequenos atalhos e informações mais acessíveis no momento para o fazer, podendo recorrer a comparações com padrões importantes, por exemplo comparando os domínios da sua vida com aqueles que consideram um modelo social. Apesar disso, parece existir alguma estabilidade temporal nestas avaliações, uma vez que os domínios mais importantes da vida remetem para informações que se mantém ao longo do tempo (Diener et al., 2003). A satisfação com a vida é comumente medida através

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de escalas sendo um exemplo ilustrativo a Satisfaction With Life Scale (SWLS, Diener, Emmons, Larsen & Griffin, 1985), composta por cinco questões sobre a perceção da vida que o indivíduo pontua também numa escala de likert de 7 pontos que vai de “descordo totalmente” a “concordo totalmente”.

A satisfação com a vida implica também informações afetivas, existindo uma associação entre bem-estar afetivo e cognitivo, o que evidencia por exemplo que a experiência diária de emoções positivas poderá indicar uma maior satisfação com a vida. Esta reporta-se à avaliação do sentimento global da pessoa, tendo em conta a sua própria perspetiva, compreendendo os critérios que utilizam e as diferenças individuais existentes (Diener et al., 2003). A dimensão emocional do bem-estar subjetivo é baseada numa estrutura bidimensional de afetos positivos (experiência de emoções e sentimentos agradáveis) e de afetos negativos (experiência de emoções e sentimentos desagradáveis). Nesta experiência emocional subjetiva está implícita a frequência e intensidade dos acontecimentos, sendo que a longo prazo a intensidade acaba por ser menos importante que a frequência (Diener & Lucas, 2000), dado que as experiências de grande intensidade são raras e podem trazer custos para o sujeito. Esta dimensão emocional do BES é comumente avaliada através da Positive and Negative Affect

Schedule (PANAS; Watson, Clark, & Tellegen, 1988), que apresenta palavras que

descrevem sentimentos e emoções, onde o indivíduo indica como se sente normalmente numa escala de likert de 5 pontos (entre “muito raramente ou nunca” e “extremamente”). O bem-estar psicológico (BEP), perspetiva eudemónica trazida por Keyes em 1998, baseia-se na integração de vários conceitos de diferentes áreas teóricas como é o caso da psicologia do desenvolvimento, da psicologia clínica e da saúde mental, assumindo um carácter amplo e multidimensional (Lima & Novo, 2006). Contrariamente à perspetiva subjacente ao BES, a felicidade não é considerada como um objetivo em si mesmo, mas como um produto que resulta do desenvolvimento e da realização humana, identificando-se seis áreas de desenvolvimento potencial (Siqueira & Padovam, 2008): autonomia (tendo como indicador o locus interno e o uso de padrões internos de avaliação); aceitação pessoal (referente ao grau de autoconhecimento, funcionamento ótimo e maturidade); crescimento pessoal (através do qual se superam desafios nas diferentes fases da vida); relações positivas com outros (estando presentes sentimentos como empatia, amor e amizade); propósito na vida (numa perspetiva de manutenção de objetivos e significado perante a vida); e domínio sobre o ambiente (a capacidade de escolher ou criar ambientes adequados àquilo que deseja). Embora estas dimensões sejam também tradicionalmente investigadas com recurso a escalas psicométricas (e.g.,

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EBEP de Ryff,1989), é necessária e útil uma investigação assente em metodologias qualitativas (Machado & Bandeira, 2012).

Podemos ainda referir outro tipo de bem-estar, o bem-estar social na medida em que o indivíduo é um ser social e que muitas das suas necessidades se pautam pela interação com os outros. O bem estar social foca-se nas tarefas sociais encontradas pelos adultos nos seus contextos de interação e na forma como os indivíduos funcionam em termos dos papéis que desempenham como cidadãos, vizinhos, colegas de trabalho, etc. (Keyes & Magyar-Moe, 2003). Este tipo de bem-estar engloba as seguintes dimensões: integração social, contributos sociais, coerência social, aceitação social e realização social, medidas por exemplo através da Social Well-being Scales de Keyes (1998). Tal como nos diz Novo (2005) o modelo de bem-estar social “inscreve-se também neste modelo da eudaimonia e do desenvolvimento dos indivíduos enquanto seres sociais, com responsabilidades a assumir, tarefas a cumprir e com direitos essenciais a fruir” (p.184).

A proposta de Keyes e Magyar-Moe (2003) é a da existência de um modelo mais abrangente de compreensão do bem-estar subjetivo, que tenha em consideração os múltiplos aspetos de um indivíduo e das suas interações na sociedade, sendo que este modelo de bem-estar subjetivo incluiria os elementos da felicidade percebida e satisfação com a vida, o equilíbrio entre afetos positivos e negativos, o bem-estar psicológico e o bem-estar social. Podemos dizer que este modelo se organiza em torno de dois vetores, um que identifica a vitalidade emocional e o outro a adaptação, o desenvolvimento e a funcionalidade (Novo, 2005). Num estudo realizado por Clemente, Frazão e Mónico (2012), com idosos institucionalizados e não institucionalizados, verificou-se uma perceção superior de bem-estar subjetivo por parte dos idosos não institucionalizados. Esta perceção foi também mais positiva para idosos solteiros ou divorciados, seguindo-se dos idosos casados e por último dos viúvos.

Em suma, a única forma de compreender se as pessoas vivem a vida que desejam é perguntando-lhes, pois somente elas podem experienciar o positivo e o negativo e julgar se estão ou não satisfeitas. O bem-estar subjetivo é então a avaliação que as pessoas fazem, individualmente, das suas vidas, sendo que este é um especto que envolve múltiplos fatores e dimensões, o que implica tanto avaliações emocionais como avaliações cognitivas.

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