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Capítulo II. Apresentação e discussão de resultados

5. Tema V Privacidade e Intimidade

Este tema tem como principal objetivo conhecer a perceção dos idosos acerca da privacidade e intimidade existente dentro da instituição a três níveis: privacidade em termos de tempo e espaço, intimidade corporal e relacionamentos íntimos. Para tal, foram colocadas as seguintes perguntas: “Aqui no/na lar/instituição é possível passar tempo sozinho/a quando deseja? Onde?”, “Tem um espaço seu para guardar as suas coisas? Tem uma chave desse espaço? Gostava de ter um espaço que tivesse uma chave?”, “Pode tomar banho quando quer? Pode tomar banho sozinho/a? Sente-se à vontade por serem outros a dar-lhe banho?” e “Se alguém aqui no/na lar/instituição quiser namorar, como acha que as pessoas iriam reagir?”. A tabela 10 apresenta os resultados obtidos neste subtema.

Tabela 10. Tema V. Privacidade e Intimidade: dimensões, categorias, subcategorias, frequências

e percentagens

Dimensão Categoria Subcategoria N % Total

N Total % V.I Privacidade em Geral 1. Existência de Privacidade 1.1. Tempo 17 10.8 79 50.3 1.2. Espaço 20 12.7 2. Inexistência de Privacidade 2.1. Tempo 2 1.3 2.2. Espaço 20 12.7 3. Aspirações de privacidade 3.1. Existência 14 8.9 3.2. Inexistência 6 3.8 V.II. Intimidade Corporal

1. Rotinas de Higiene 1.1. Definidas pela instituição 11 7 51 32.5 1.2. Definidas pelo próprio 9 5.7

2. Realização da Higiene 2.1. Pelos cuidadores 10 6.4

2.2. Pelo próprio 9 5.7

3. Vivência dos cuidados de higiene

3.1. Confortável 10 6.4

3.2. Pudor 2 1.3

V.III Relação Amorosa

1. Perceção Pessoal 1.1. Aceitação da relação 4 2.5

27 17.2 1.2. Rejeição da relação 12 7.6

2. Perceção sobre o olhar dos outros

2.1. Aceitação da relação 3 1.9 2.2. Rejeição da relação 8 5

Total 157 100

A privacidade em contexto institucional de uma forma geral é percecionada por relação com dois polos antagónicos: um de existência de privacidade em termos tempo e espaço (N=37; 23,5%), outro da sua inexistência (N=22; 14%).

“Sou uma pessoa que gosto muito de estar sozinha, gosto muito da solidão (…) Posso…eu gosto…ou no quarto ou na igreja” (Suj.7)

“Ali no quarto temos o armário onde tem a roupa e a mesinha de cabeceira” (Suj.2)

“Sozinha elas nunca querem…sozinha nunca passo (…) Um bocadinho sozinha, só no quarto…mas elas não me deixam vir para cá!” (Suj.10)

“Não… não tem porta nenhuma que deixem fechar à chave!” (Suj.4)

Os tempos de privacidade referem-se à possibilidade de os idosos estarem em certos períodos de tempo sós em certos locais da instituição (quarto, sala, igreja, oficina, quintal, jardim ou espaço exterior da instituição). A privacidade em termos de espaço

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reporta-se à existência de um espaço onde podem guardar os seus objetos pessoais. A inexistência de privacidade em termos de espaço prende-se com a impossibilidade de ter as suas coisas fechadas à chave.

Encontramos também verbalizadas aspirações de privacidade, relativamente aos seus objetos pessoais (N=14; 8.9%), nomeadamente como forma de se protegerem contra eventuais desaparecimentos ou roubos. As verbalizações sobre a inexistência de desejo de ter um espeço próprio inacessível a terceiros são bastante mais reduzidas (N=6; 3.8%).

“Sim, gostava de ter… eu até já tenho dito isso. Até á data não tenho razão de queixa que nunca me faltou nada mas acho que era uma boa… já se tem dado o caso de faltar coisas a pessoas, e assim evitava-se!” (Suj.16)

“Não, não sou pessoa disso! Não sou pessoa de pensar que tenho que me acautelar que me tiram isto ou aquilo… nunca me tiraram nada” (Suj.7)

Em suma, podemos referir que a privacidade é um dos aspetos importantes a ter em conta neste contexto de vida coletiva (Tuominen et al., 2015), não só porque o espaço privado é considerado como um mecanismo de controlo interpessoal (Bestetti, 2014), mas também porque permite ao sujeito sentir-se “em casa”, num espaço que é seu e que pode de alguma forma controlar. A existência de chaves talvez fosse uma medida razoável a implementar nas instituições residenciais, uma vez que esta parece ser importante para o “salvaguardar” dos pertences e de um espaço que deve ser privado e não de fácil acesso a qualquer um.

Relativamente à segunda dimensão, i.e., “Intimidade Corporal”, observamos que as rotinas de higiene e a realização da mesma emergem como podendo ser definidas pela instituição ou pelo próprio. Nesta dimensão, à exceção da categoria “vivência dos cuidados de higiene”, observa-se que as verbalizações correspondem ao número de sujeitos. Verificamos que metade dos idosos refere que as rotinas de higiene são definidas pela instituição (N=10), sendo que a outra metade refere que estas são definidas por eles mesmos (N=10) significando, pelo menos na maior parte das vezes, que realizam a sua higiene sozinhos.

“Não… é aqueles dias. Eu quando tomava sozinha era quase todos os dias… à noite, quando vinha lá de baixo ia tomar banho… quando era sozinha, agora não! Agora tão os dias marcados, é á segunda e à quinta…” (Suj.10)

“Posso, em sendo a gente sozinha pode…” (Suj.7)

A realização da higiene surge como feita pelos cuidadores (N=11) por se encontrarem numa situação física que não lhes permite a realização da higiene sem auxílio dos mesmos.

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“(…) porque eu já não posso sozinho, se eu pudesse andar como antigamente, se quisesse tomar banho todos os dias tomava! Há aí utentes que podem e tomam… e eu não, porque já não consigo.” (Suj.2)

Esta questão da higiene e do banho é também reveladora de alterações ao nível das rotinas que os idosos tinham neste campo antes da entrada na instituição, nomeadamente em termos de periodicidade.

“Tomo sozinho… mas foi um inferno para mim quando vim para cá, para tomar banho… porque nessa altura não conseguia, tinha que ser outras pessoas… porque na minha casa eu estava a tomar banho todos os dias…” (Suj.14)

A vivência da intimidade do cuidado de higiene surge como não problemático (N=10; 6.4%) e vivenciado com algum pudor e vergonha quando a realização da higiene é feita pelos cuidadores (N=2; 1.3.%). No caso de a realização da higiene ser feita pelos cuidadores, alguns idosos evidenciam que se sentem confortáveis porque já se habituaram ou porque os cuidadores os colocam à vontade. É de realçar que as verbalizações acerca da realização da higiene por outros vista agora como não problemática passou por um processo e uma fase anterior em que tal foi vivido com desconforto. Esta é pois mais uma das mudanças que ser idoso pode implicar e à qual têm de se adaptar.

“Sinto, já tou habituada a elas… no princípio estranha-se um bocadinho, mas depois habituamo-nos a elas…” (Suj.8)

“Olhe, que remédio… Já não posso, que remédio!” (Suj.2)

O desconforto emerge associado ao facto de ser outra pessoa a dar-lhes banho ou pelo facto de o banho ser realizado na presença de outros idosos.

“Eu só tive todo nu quando fui à inspeção e aqui…há aí uma… que levava aos 5 e aos 6 lá pro banho… estava um gajo mais de quanto tempo todo nu! (…) Agora estar ali todos para dar banho! Assim todo nu foi só na tropa.” (Suj.3)

O facto de alguns idosos terem que abandonar o autocuidado dos seus corpos afeta a sensação de privacidade e intimidade (De Veer & Kerskstra, 2001), levando-nos a refletir sobre a forma como é e deve ser realizado este cuidado. A existência de uma relação de proximidade e confiança com o cuidador é um elemento fundamental e é importante que a realização da rotina de higiene seja o mais privada possível sem a presença de outros idosos (vulgo “banho conjunto”). A realização da higiene mesmo que feita pelo cuidador deverá ser pautada pela manutenção da privacidade, participação do idoso ou incentivo da autonomia e independência possíveis apesar de poder implicar maior dispêndio de tempo.

No que concerne à terceira dimensão, i.e., “Relação Amorosa”, alguns dos idosos referem que aceitam a possibilidade de uma relação (N=4; 2.5%), enquanto outros a

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rejeitam liminarmente (N=12; 7.6%), associando a existência de relações nesta idade a algo que não é correto e de que se deve ter vergonha. Para além disso, alguns idosos referem que a instituição não é um sítio onde isso deva acontecer, referindo que há uma falta de moral em que o faz.

“Acho que não iam reagir mal, cada um é senhor das suas vontades, não é verdade? Das suas ideias… ninguém pode mandar! Então a gente não manda nos nosso filhos quando é os namoros, a vida deles… como é que iam mandar agora aqui na velharada? Acho eu!”

(Suj.11)

“Eu sou uma das que não vejo bem! Acho que a gente já passou a nossa vida, isso é tudo uma fantasia… tudo no seu tempo, lembra…mais nada. Esta idade já nada lembra, é uma maluqueira, é uma maluquice como outra qualquer. Prazer não há nenhum, isso acaba tudo! (…) Acho que isso é uma maluqueira…e uma falta de respeito pelos filhos e pelas pessoas que estão, que não enfrentam, que são mais velhas… (…) Acho que é uma falta de moral e consideração pelas pessoas que têm responsabilidade de estar aqui. (…) Acho isso uma falta de moral, uma falta de cabeça! (…)Eu não! Homens só conheci um e chegou, mais nenhum!”

(Suj.7)

Relativamente à perceção dos outros sobre a existência de relações amorosas nesta fase do ciclo de vida, alguns idosos consideram que os outros as aceitam (N=3; 1.9%), enquanto outros consideram não existir aceitação (N=8; 5%).

“Há ai 2 ou 3 velhos… brincadeiras de velhos mas mais nada… lá um ao pé do outro à noite a ver televisão. Não ligam, acham graça a isso. Ninguém faz assim censura.” (Suj.18) “Essas que dizem que têm namorado são censuradas…” (Suj.6)

Em termos da análise quantitativa verificamos que a perceção dos próprios idosos sobre os relacionamentos amorosos nesta fase da vida é mais negativa (N=12; 7.6%) do que do que a visão que têm sobre a de aceitação dos outros (N=3; 1.9.%).

A existência da necessidade de intimidade sexual e emocional e da sua importância enquanto fonte de suporte que permite ao indivíduo sentir-se bem é inegável (Delamater, 2012) parecendo encontrar-se presente numa das estruturas residenciais por parte de alguns técnicos.

“Há aí vários namoros de velhos… eu censuro! Censuro porque não acho bem (…) é um escândalo os velhos com 90 anos! E a Dra, acha bem, pronto! (…) a Dra. acha muito bem, pois! Eu para mim não estou interessado e censuro essas pessoas! É uma vergonha, deviam ter juízo… um bocadinho de bom senso!” (suj.17)

Apesar dos relacionamentos amorosos e da sexualidade nesta fase do ciclo de vida serem atualmente compreendidos como algo natural e desejável as verbalizações a este respeito evidenciam o contrário, dado que os idosos consideram sobretudo que os relacionamentos íntimos e amorosos são inadequados nesta idade. Olhar para a realidade social implica compreender a cultura e a época em que estas pessoas cresceram e quais os valores inerentes, porém, não lhes deve ser negada a possibilidade de se exprimirem e relacionarem com os outros da forma que desejam.

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Poderá haver quem considere determinados comportamentos errados, pelas suas convicções ou por outros motivos, no entanto, o papel da instituição deverá refletir e ser promotor da liberdade e do respeito pelas crenças de cada um e não se constituir como uma barreira à sua expressão.