• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II. Qualidade de vida, direitos e envelhecimento

1. Qualidade de vida

1.3. Identidade Pessoal e Social

Nesta fase do ciclo de vida acontecem várias mudanças, em termos físicos e psíquicos, sendo que a entrada numa instituição residencial pode constituir-se como um acontecimento que exige a mobilização de recursos pessoais com fortes implicações para a qualidade da trajetória de desenvolvimento, em termos de adaptação (Baltes, Lindenberger, & Staudinger, 2006; Faria & Carmo, 2015). Esta adaptação a um contexto de vivência coletiva, transporta-nos em certa medida para uma ideia de privação da vivência de um mundo com maior estabilidade emocional e independência (Guedes, 2008). Torna-se pois pertinente abordar a manutenção da identidade como um dos fatores que permite uma maior adaptabilidade e consequentemente, um sentimento de pertença. A identidade pode ser descrita pela forma como nos vemos (perceção subjetiva da pessoa sobre si) e como imaginamos que os outros nos veem num contexto relacional (Viegas & Gomes, 2007). Segundo Erikson (1968) a identidade constrói-se com base nas experiências que o sujeito tem ao longo da sua vida, através das relações recíprocas que estabelece, definindo-se face a outros, manifestando também uma função adaptativa que permite ao sujeito moldar-se às diferentes situações que encontra. A identidade resulta de um processo de socialização que integra aspetos relacionais e aspetos biográficos que dizem respeito à história de vida do sujeito (Dubar, 1997), e apesar da sua formação ser uma transformação pemanente, esta mantém um sentido de unidade e continuidade. É aceite por vários autores que a identidade resulta de uma dialética entre o indivíduo e a sociedade, embora a dimensão social da identidade seja vista por vários autores de diferentes formas (Vala & Monteiro, 2013). Assim, embora cada pessoa tenha a sua individualidade, a construção do autoconceito é inseparável do outro, o que nos mostra que a socialização tem um papel determinante na formação da identidade (Machado, 2003).

Numa tentativa de clarificação e dado que as teorias da identidade agregam vários conceitos (e.g., autoconceito, estereótipos, categorização social) podemos considerar que a identidade surge enquanto característica particular que distingue um sujeito de outro semelhante e que implica uma identidade pessoal e uma identidade para os outros, sendo que estas existem em interação, num processo complexo, já que a identidade pessoal é confirmada pelos outros (Santos, 2005). Tendo em conta esta necessidade de confirmação e reconhecimento, a perda de determinada identidade

27

social (e.g., identidade profissional) obriga o sujeito a construir novas histórias de vida, novas relações socais, novos grupos de pertença, o que tem claramente impacto na sua individualidade, podendo em alguns casos esta ficar comprometida (Machado, 2003). Neste sentido, Riedl, Mantovan e Them (2013) evidenciam que a entrada dos sujeitos nas instituições residenciais implica de alguma forma a mudança de estatuto social, uma limitação da autonomia e independência, a diminuição das atividades que eram habituais no dia-a-dia nas suas casas, bem como a dificuldade em chamar a este novo espaço “casa”. A mudança no estatuto social ocorre na maioria das vezes quando se entra na chamada “idade da reforma”, acentuando-se quando o sujeito deixa de realizar as atividades que até então eram comuns no seu dia-a-dia. Sabemos que o trabalho sempre foi uma dimensão fundamental para o desenvolvimento humano e embora tenha conceções e significados diferentes de pessoa para pessoa, é este que permite o sustento da família e uma determinada realização e crescimento pessoal (Bulla & Kaefer, 2003). O significado atribuído ao trabalho é importante, pois em última análise é a negação dos mitos do idoso como incapaz e dependente (Pimentel, 2001). De forma a minimizar as consequências da alteração deste estatuto e de um sentimento negativo inerente, considera-se importante a presença de atividades significativas e satisfatórias na vida dos idosos (Gonçalves et al., 2006), que potenciem as suas capacidades – o chamado envelhecimento produtivo - onde o sujeito pode continuar a tomar decisões de forma significativa. Os defensores do envelhecimento produtivo procuram expandir a visão tradicional de trabalho (como a capacidade de produzir bens e serviços), trazendo atividades construtivas que podem ser do interesse do idoso, como por exemplo: ler por prazer, meditar, refletir, relembrar, visitar amigos e família, viajar, etc (Schuiz, 2001). Nesta linha, emergem novamente os conceitos de autonomia e independência uma vez que a sua “subversão” acaba por constituir-se também como uma barreira à manutenção da identidade. Muitos idosos, durante os primeiros tempos de institucionalização, sentem que os seus esforços para se manterem ativos são pouco valorizados, sendo o comportamento dependente recompensado, não existindo um apoio ou incentivo contrário, o que podemos relacionar com as representações sociais acerca desta faixa etária. Segundo Riedl et al. (2013), ter a liberdade de agir e de sair da intuição quando o sujeito quiser são aspetos que permitem uma maior adaptação e manutenção da identidade.

A ligação dos idosos à sua casa, em termos de significados atribuídos por estes, foi alvo de estudo tendo-se compreendido que a casa está associada ao conceito de privacidade (Cristoforetti, Gennai, & Rodeschini, 2011). Foi verificado existir uma clara distinção

28

entre o espaço que pertence à esfera pessoal e à esfera pública ao conceito de segurança (enquanto espaço onde a pessoa pode refletir e para onde poderá voltar se algo correr menos bem). Tal assume particular relevância no caso dos idosos que tendem a sentir-se mais inseguros em espaços públicos. Para além disso, a casa é também um espaço de relacionamentos, de objetos e de emoções, que é sentido pela pessoa como uma extensão de si mesma, pois acaba por refletir os seus desejos, esperanças e ações. Esta dimensão emocional, associada aos objetos assume particular importância quando os idosos saem das suas casas e têm apenas um quarto numa estrutura residencial, pois é através dos objetos que podem levar consigo que mantêm vivas as memórias que carregam e que os motivam a contar as suas histórias (Riedl et al., 2013). A possibilidade de levar fotografias, roupas ou mobiliário fortalece a identidade anterior e permite uma maior adaptação através de uma certa perpetuação de memórias de momentos significativos. De acordo com Groger (1995) a “casa” define o “eu”, sendo que em algumas situações a institucionalização penaliza esse “eu” através das múltiplas perdas que induz, sejam elas de objetos, de papéis sociais, de privacidade para dormir, para comer ou para se relacionar. Neste sentido, só é possível que os idosos vejam as estruturas residenciais como a sua casa, se estas lhes permitirem a manutenção de aspetos que os liguem significativamente a ela, se existir uma sensação de envolvimento contínuo com o mundo exterior.