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Capítulo II. Apresentação e discussão de resultados

7. Tema VII Relacionamento Interpessoal

Este tema tem como principal objetivo compreender a perceção dos idosos acerca de aspetos relacionais reais e ideais com os cuidadores e com os outros utentes dentro da instituição. Para tal, foram colocadas as seguintes perguntas: “Acha que é respeitado aqui no/na lar/instituição?”, “Alguma vez não se sentiu bem tratado aqui no/na lar/instituição?”, “Que relação tem com os outros utentes do/da lar/instituição? Como gostaria que fosse? Porquê?” “Como acha que é a relação entre utentes?” e “Que relação mantém com os profissionais do/da lar/instituição? Como gostaria que fosse? Porquê?”. A tabela 12 apresenta os resultados obtidos neste tema.

Tabela 12. Tema VII. Relacionamento Interpessoal: categorias, subcategorias, frequências e

percentagens

Categoria Subcategoria N %

1. Respeito 20 18.4

2. Qualidade dos cuidados 2.1. Bom 18 16.5

2.2. Mau 2 1.8

2.3. Neutro 1 0.9

3. Relação com os outros utentes 3.1. Boa 14 12.8

3.2. Superficial 7 6.4

3.3. Idealização 2 1.8

4. Relação entre utentes 4.1. Boa 10 9.2

4.2. Conturbada 12 11

5. Relação utente-cuidador 5.1. Positiva 19 17.4

5.2. Negativa 3 2.8

5.3. Reciproca 1 0.9

Total 109 100

Os idosos referem sentir-se respeitados de uma forma geral por todos, i.e., pelos profissionais, pelos cuidadores e pelos outros utentes (N=20). Nesta categoria o número de verbalizações corresponde ao número de sujeitos.

“Sim, não tenho razão de queixa… porra!, também não me diga que se eu não digo nada, não me haviam de respeitar? Respeitam-me todos… nunca briguei com ninguém. Quando não me agrada alguma conversa vou-me embora e pronto.” (Suj.1)

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A qualidade dos cuidados é percecionada de forma acentuada como boa (N=18; 16.5%). São escassas as verbalizações relativas à perceção de cuidados como maus (N=2; 1.8%), ou de cuidados sem um cunho claramente positivo ou negativo por parte cuidadores (N=1; 0.9%).

“Têm-me tratado sempre bem… não tenho queixas delas, isso não…” (Suj.8)

“Olhe, isso… às vezes elas dão respostas à gente que eu digo “então mas eu agora mereço uma coisa dessas?”, mas a gente faz ouvidos de mercador e deixa passar. E elas vêm “bec, bec” e eu “vai dar banho ao cágado… atão tu não vês que fizeste mal e agora vens anafar… não…?” (Suj.2)

“É…. o tratamento é sempre o mesmo…” (Suj.3)

A relação dos idosos com os outros idosos é vista de uma forma global como boa (N=14; 12.8%), apesar da referência a algumas limitações funcionais como limitadoras da interação. Esta relação surge também referida como sendo superficial (N=7; 6.4%) denotando um cariz cordial mas de escassa relação. Por seu turno a relação ideal com os outros utentes emerge como marcada pela humanidade e maior interação (N=2; 1.8%).

“Boa… nunca tive uma desatenção com ninguém aqui… “ (Suj.16)

“Com os utentes…bom dia, boa tarde, está melhor… e vou andando e pronto!” (Suj.12) “Gostava que houvesse um bocadinho mais de humanidade umas para as outras, que não se falasse da vida umas das outras. “ (Suj.1)

“(…)podiam ter outra relação de falarem melhor ou mais tempo de falarem melhor” (suj.6)

A perceção dos idosos relativamente à relação dos utentes uns com os outros denota duas realidades relacionais distintas: uma conturbada (N=12; 11%) evidenciando alguma desconfiança, falta de educação, bem como a existência de conflitos e de pessoas pouco compreensivas; outra realidade relacional entendida como boa (N=10; 9.2%).

“[Muitas das vezes são uns para os outros…há quem se relacione bem] ou quem se relacione assim a nível duvidoso para com os outros…por falta de conhecimento ou porque as pessoas de facto assim. É assim meio duvidosa, é como quando a gente está na tropa, não conhece bem quem tem ao lado é duvidosa, porque a gente não conhece bem mas há sempre um “q” de reserva.” (Suj.13)

“Converso pouco, sei pouco… mas acho que é boa! São amigos, namoram… fazem tudo!”

(Suj.7)

A relação entre utentes e cuidadores é sobretudo vista de uma forma geral positiva (N=19; 17.4%), referindo que os cuidadores estão disponíveis para responder às suas necessidades, são pacientes e os respeitam.

“É boa…trato-as bem, elas tratam-me bem… temos belas funcionárias aí, não tenho que dizer de ninguém…elas tratam bem a gente! “ (Suj.6)

“São boas…são pacientes… que mais quer a gente? A lidar só com velharia já…destravada!” (suj.7)

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A relação idoso/cuidador surge também como negativa (N=3; 2.8%), ilustrada por episódios de falta de respeito e de incentivos a recompensas monetárias para verem as suas necessidades atendidas mais rapidamente. Existem também referências a uma ausência de atenção por parte dos profissionais “superiores”, i.e., chefias, afirmando que estes os tratam com alguma indiferença.

“(…) o meu marido estava sujo… e era para ir para a mesa… e eu disse “ai filhas, vocês haviam de lavar o meu marido, ele coitadinho vai todo cagado para mesa”… disse assim mesmo. E sabe o que ela disse? “Ele não vai comer pelo cú, vai comer pela boca”. (…) Custou-me tanto, tanto…tanto! São coisas que se digam?” (Suj.1)

“(…) enquanto for eu a coisa ainda vai… o que tenho muito medo e penso muito é se algum dias elas me estão a tratar a mim e eu ter que me zangar com elas… a gente às vezes zanga- se também… uma pessoa anda saturada de uma coisa e outra… e a maneira que elas dão banho a umas e a outras e depois querem gorjetas… Ai! Mas dão, dão muitas gorjetas e elas acostumam-se às gorjetas…(…) Mesmo as Dras…passam por nós como por uma coisa que não existe… não custa nada dizer bom dia a uma pessoa… e elas não… não ligam a nada, nada! Estamos ali naquelas casas a fazer coisas, entretidas e elas nem além vão tão pouco!”

(Suj.11)

Outros consideram-na como recíproca e situacional (N=1; 0.9%), na medida em que tratam os cuidadores da mesma forma que eles os tratam.

“É conforme me tratarem, é assim que eu as trato… tratam-me bem, muito bem… se me dizem alguma coisa que eu não gosto eu digo também! Tá claro… elas tão a fazer a vida à nossa conta… estou a pagar e não é tão pouco” (Suj.9)

A análise quantitativa remete sobretudo para um carácter relacional positivo: a existência de um sentimento de respeito na instituição (N=20), uma relação positiva entre utente e cuidador (N=19; 17.4%) e a perceção da qualidade dos cuidados como boa (N=14; 12.8%). Esta análise permite-nos compreender que o relacionamento interpessoal na instituição tem um cariz positivo, porém, não podemos de forma alguma deixar de ter presente as verbalizações dos idosos que embora escassamente referidas revelam aspetos que devem configurar um bom relacionamento entre utentes (a confiança e interação mais profunda) e uma relação dos cuidadores baseada em princípios de educação e desinteresse económico.

O conceito de qualidade dos cuidados não é fácil de delimitar, sendo que a sua avaliação se prende com questões sobre valores, pontos de vista, expectativas e preferências pessoais (Spilsbury, Hewitt, Strik, & Bowman, 2011). Ainda assim, importa referir que a perceção da qualidade dos cuidados apesar de boa é relatada também em termos da autonomia (embora de forma não explicita e relacionada com a saúde), onde esta se evidencia como uma condição para serem bem tratados.

Quando referem os cuidados como maus, relatam não só a sua própria experiência como também a perceção que têm sobre a forma como os outros são tratados. A nível de relacionamentos, apesar de os considerarem bons de forma geral, são identificados

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conflitos e superficialidade nas relações, o que poderá indicar um sentimento de pouca identificação ao grupo social, principalmente na relação entre utentes que surge referida como conturbada. Nas relações utente-cuidador são identificados aspetos que devem merecer a nossa reflexão, nomeadamente o facto de existir a necessidade de recompensas monetárias como forma de obter melhores cuidados. Para além do pressuposto ser errado do ponto de vista moral, coloca os idosos numa posição de vulnerabilidade e de submissão relativamente a algo que é um direito: ser cuidado. A relação com os cuidadores é referida por Custer et al. (2012), como muito importante, embora a proximidade desejada seja diferente de idoso para idoso, pois enquanto uns procuram um maior suporte emocional outros procuram apenas a satisfação dos cuidados que necessitam. Não obstante, devemos ter em conta que são os cuidadores a rede de suporte mais próxima dos idosos e como tal, estes devem sentir-se seguros e apoiados por eles e não inibidos ou coagidos. Roberts e Bowers (2015), evidenciam que as relações com pares e com funcionários influenciam significativamente a qualidade de vida nos idosos, para pior ou para melhor tendo em conta a sua natureza. Em suma, os cuidados prestados e o relacionamento (especificamente utente-cuidador) devem atender à noção de dignidade, para além da dignidade humana universal, a dignidade de mérito que é veiculada aos idosos e que representa o reconhecimento pelas suas conquistas individuais no desempenho dos vários papéis sociais (Nordenfelt, 2004). Assim, importa trabalhar as relações afetivas com os cuidadores e entre os próprios utentes, para potenciar um maior bem-estar e qualidade de vida.