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O desenho da política de formação docente do PJF é importante para analisar a primeira formação dos docentes no estado do Ceará em 2012. Nesse ano, in- tensificaram-se as formações a distância para que o

projeto alcançasse suas metas com qualidade e efi- ciência.

Os professores das escolas integrantes do proje- to foram selecionados de acordo com as metodologias inseridas no plano de ação da escola. O número de inscritos foi uma média de três a cinco docentes por curso. O início das formações estava previsto para o primeiro semestre de 2012, entretanto começou no se- gundo semestre, devido a problemas na documentação dos participantes.

Na conversa com a gestão da EEM Beni Carvalho em maio de 2017, obtivemos informações referentes às participações dos professores nas formações. Do universo de 98 docentes entre efetivos e temporários, 89 participaram das formações em 2012. As ausências aconteceram devido ao encerramento de contrato tem- porário e a afastamentos por licença-saúde.

Escolhemos a primeira formação ofertada pelo programa, o curso Jovem Cientista, para dialogar com os professores da escola. O curso foi composto por quatro módulos. O primeiro continha as ativida- des iniciais, textos sobre a metodologia e o caderno de sistematização. O segundo apresentava a metodologia de projetos, textos e vídeos sobre essa metodologia, fórum e fontes para as pesquisas. O terceiro trazia o plano de trabalho a ser desenvolvido na escola, fórum e feedback do moderador. O último módulo especifi- cava as orientações para a aplicação da metodologia jovem cientista na escola, avaliação geral do curso e o fórum relato da prática.

Este curso foi orientado para os professores que lecionam Química, Física, Biologia e Língua Portugue- sa. Na visita à escola, conseguimos conversar com os quatros professores que realizaram a formação, um de cada disciplina, em dias diferentes e de acordo com as disponibilidades dos docentes, sendo a primeira con- versa realizada com a professora de Língua Portugue- sa, e em outro momento com os demais.

Por meio dos relatos dos professores tínhamos o ob- jetivo de perceber o contexto das formações do PJF na escola e como estas repercutiram em suas práticas. A professora da disciplina de Língua Portuguesa destacou:

Eu esperava um diferencial nas forma- ções. Quando a escola aderiu ao projeto foi prometido muitas coisas como incen- tivos financeiros para o professor. Inclu- sive a formação era um dos pontos fortes para adesão e que a gente poderia esco- lher dentre as ofertadas pelo PJF. Isso não aconteceu. Cada formação já vinha delimitando a disciplina. Eu tinha inte- resse de participar de uma sobre o mun- do do trabalho. Foi dito que seria também uma parte a distância e outra presencial. No início fiquei muito irritada porque as condições de infraestrutura para a reali- zação na escola eram precárias.

Nesse excerto, a professora evidencia parte do dis- curso dos interlocutores do programa sobre processos de adesão da escola e de incentivo financeiro para o professor. O aporte financeiro do programa para o pro- fessor está atrelado aos projetos que ele desenvolve e concorre por meio de edital. Nesta fala, aparece um dis- tanciamento entre necessidades e expectativas em rela- ção à formação. Há uma insatisfação com as condições da escola para efetivação das atividades do curso. Esse descontentamento em relação à infraestrutura aparece também na fala da professora da disciplina de Física:

O projeto tem muitas coisas boas como a oportunidade de conhecer as metodo- logias. O Jovem Cientista tanto o curso como o desenvolvimento em sala foi bom. O material é bem didático além de ser in- disciplinar. A gente se juntava no plane- jamento coletivo e via como desenvolver em sala. Agora a escola teve que organi- zar o calendário e liberar o professor do planejamento individual porque os com- putadores não funcionavam a contento. Era irritante esperar o programa abrir, o áudio não funcionava.

Nessa fala da docente percebe-se que a escola pre- cisou realinhar seu calendário escolar para que as for- mações se efetivassem. Outro ponto do seu discurso foi o caráter de positividade atribuído às metodologias,

tanto em relação ao curso quanto sua aplicabilidade em sala de aula, por meio do trabalho interdisciplinar. O enfoque interdisciplinar da professora se alinha ao do programa. A professora de Biologia destacou tam- bém a importância do trabalho interdisciplinar:

Eu gosto da ideia de desenvolver pro- jetos juntos com outras disciplinas. A gente aprende mais e os alunos também gostam. O problema é que às vezes você nem termina um já tem outro. Eu fiz a formação, mas não segui tudo como eles mandaram até porque para o desenvolvi- mento de algumas aulas precisavam de recursos e a escola não tinha.

A docente apresenta disponibilidade para novas experiências e reconhece a pedagogia de projetos como significativa para o ensino-aprendizagem. Em sua fala percebe-se que os professores na prática ressignificam as políticas que chegam às escolas, mas também é possível observar um descontentamento pelo excesso de programas e projetos que chegam às escolas.

Por fim, a docente de Química enfoca o desconten- tamento com o modelo de formação a distância e em serviço:

Acho importante o professor se qualifi- car, capacitar-se, adquirir mais conheci- mento. Isso pode melhorar sua vida. Não

acho certo é tirar as horas de planeja- mento para fazer a formação. Planejam um curso a distância e a escola não tem computadores que atendam. Reconheço o esforço da escola em organizar o ca- lendário. É muito fácil dar mais função ao professor sem abrir mão de nada. O curso era puxado. Toda semana tinha muitas atividades. Não dava tempo de cumprir. Tinha prazos curtos. Foi um período bem estressante porque acumu- lou trabalho.

Por esta fala identifica-se que a formação pode significar oportunidades de melhorar a vida daqueles que a realizam, por meio dela o indivíduo adquire mais conhecimentos e troca experiências. Por outro lado, quando não desejada, ou não percebida como relevan- te para o professor, torna-se uma tarefa enfadonha e cansativa. A docente questiona o formato do projeto. Para que os docentes realizassem a formação, a escola negociou as horas de planejamento, tempo destinado para o professor realizar uma série de tarefas. Essa ação, por um lado, foi importante para a efetivação do curso, por outro, sobrecarregou mais os profissionais.

Alguns desafios são perceptíveis no modelo de for- mação a distância como o de manter a motivação e fazer com que a aprendizagem seja significativa para o participante. Quando acontece em serviço, surgem al- guns problemas, como a questão do tempo pedagógico

do professor e a parte informacional das escolas. Para as instituições, esse formato apresenta-se positivo no aspecto da redução de custos e alcance de maior nú- mero de profissionais em menor tempo. Pode ser com- preendida também como uma alternativa no contexto da globalização e do desenvolvimento das tecnologias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Jovem de Futuro é um programa vinculado ao Instituto Unibanco, estabelecido nas escolas públicas brasileiras em regime de parceria com o MEC e go- vernos estaduais. No estado do Ceará a parceria con- solidou-se em 2012 com cem escolas, dentre estas, a EEM Beni Carvalho como uma das representantes da região da 10ª Crede. Porém, em 2016, o programa foi expandido para todas as instituições de ensino médio regular do estado.

A política do PJF inclui padrões, protocolos, exige eficiência, eficácia, produz novas estruturas e modos de funcionamento, implicando avaliação direcionada para a performance das instituições, alunos, gestores e professores. Neste sentido, o programa investe em formações e nas metodologias.

As metodologias são tecnologias para dinamizar a prática pedagógica por meio da interdisciplinaridade. A proposta de formação docente pelo viés da interdis- ciplinaridade do programa, presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais e nas falas dos professores da

EEM Beni Carvalho, como junção de disciplina, não ressignifica a práxis pedagógica. No entanto, a forma- ção pensada pelo viés interdisciplinar, como produ- tora de sentidos, proporciona um novo olhar para a docência, uma visão de conhecimento sem fragmen- tação e práticas significativas.

O pensamento de Fazenda e Lück contrapõe-se às perspectivas anteriores de interdisciplinaridade. As autoras compreendem tal perspectiva como uma ati- tude de ousadia e com possibilidades de ressignificar o contexto da prática docente, como um pensamento capaz de remover o conhecimento compartimentaliza- do, isolado e desconectado da realidade, ou seja, uma forma de interligar o conhecimento através de pensa- mentos e ponderações a uma compreensão global do mundo onde se vive.

O modelo de formação para os docentes do pro- grama a distância e em serviço apresentou proble- mas segundo relatos dos professores da EEM Beni Carvalho. Por meio das falas, percebe-se um distan- ciamento entre as propostas apresentadas pelos in- terlocutores e como aconteceram na realidade. Na exposição de motivos, identificamos a ineficiência do sistema informacional da escola, retirada do tempo pedagógico, o caráter de obrigatoriedade e pouca au- tonomia da escola para o atendimento das demandas dos profissionais.

Como já mencionado, a escola negociou as horas de planejamento para que os docentes realizassem a formação, tempo destinado para o professor realizar

uma série de tarefas, o que gerou, por um lado, a efe- tivação do curso, por outro, a sobrecarrega de traba- lho nos profissionais.

Os docentes reconheceram como positivo o ma- terial do curso Jovem Cientista e o desenvolvimento dessa metodologia em sala de aula por meio de práti- cas interdisciplinares compreendidas como junção de disciplinas para solução de problemas.

Nas escolas públicas têm crescido programas e projetos vinculados com instituições privadas, que por meio de metas e indicadores para alunos, professores e gestores, políticas de incentivo alinhadas à perfor- mance desses segmentos e pouco conhecimento das demandas das escolas buscam direcionar as políticas de educação. No Jovem de Futuro, o protagonismo estudantil é compreendido a partir do desempenho dos alunos nas ações do projeto e nas avaliações ex- ternas, as metodologias são guias de orientação do trabalho docente e a gestão escolar segue modelos de gerenciamento empresarial.

No entanto, a atuação dos profissionais das esco- las, em especial, a dos professores, por meio de seu trabalho disputam essas políticas e as reconfiguram (re)criando espaços dentro das escolas.

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ENSINO DE HISTÓRIA