• Nenhum resultado encontrado

Marcelo Nunes Coelho

INTRODUÇÃO

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação, Lei nº 9394/96 (BRASIL, 1996), o ensino médio, etapa final da educação básica, tem como finalidades:

I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensi- no fundamental, possibilitando o pros- seguimento de estudos;II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupa- ção ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação

ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Um sujeito que alcance tais objetivos é, por conse- quência, um sujeito autônomo, crítico e reflexivo, ca- paz de atuar diante dos problemas da sociedade, nos seus mais diversos setores, intervindo na busca de so- luções. A sua construção passa por uma vivência edu- cacional pautada na autonomia, na crítica e na refle- xão. As escolas, presumidamente, são os lugares onde essas características devem encontrar amparo para se desenvolverem.

No entanto, há de se notar que, embora tenhamos definidos os objetivos do ensino médio, estamos, ain- da, muito distantes dos meios de que necessitamos para alcançá-los. Diversas avaliações nacionais e in- ternacionais têm demonstrado que nosso modelo edu- cacional não funciona sequer de forma razoável.

A Tabela 1 é o resumo dos dados do Saeb19 2015.

19 O Saeb, de responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é um sistema composto por três avaliações externas aplicadas em larga escala. Seu objetivo principal é diagnosticar a educação básica no Brasil. Vide Brasil (2017).

Tabela 1 – Nível de proficiência dos estudantes brasileiros aferido em Lín- gua Portuguesa e Matemática nos 5º e 9º anos do ensino fundamental e nas 3ª e/ou 4ª séries do ensino médio.

SÉRIE PROFICIÊNCIA1 EM

LÍNGUA PORTUGUESA MATEMÁTICA

5º ano – Ens. Fundamental 208 219 9º ano – Ens. Fundamental 252 256 3º /4º ano – Ens. Médio 267 267 Fonte: Elaboração do autor.

Nas avaliações do Pisa20 de 2015 (Programme for

International Students Assessment – Programa Inter- nacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil obteve os resultados condensados na Tabela 2.

Algumas causas são baixos investimentos em in- fraestrutura, material e capacitação de professores; péssima remuneração dos docentes; alunos desmoti- vados entre outras. Inevitavelmente, o reflexo negati- vo destes fatores está na sala de aula que acaba por se tornar um ambiente, algumas vezes, indesejado e, outras, traumático para o aluno. Professores desesti- mulados e malformados, aulas enfadonhas, conteúdos sem sentido ou qualquer conexão com a realidade do aluno fazem a máxima da grande maioria de nossas escolas de ensino médio.

20 É uma iniciativa de avaliação comparada, aplicada de forma amostral a estudantes matriculados a partir do 8º ano do ensino funda- mental na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/pisa>. Acesso em: 22 jan. 2018.

Tabela 2 – Nível de proficiência em Matemática, Leitura e Ciências dos alu- nos brasileiros aferido pelo Pisa. Para comparação, também são exibidos os resultados da Finlândia.

PROFICIÊNCIA EM

LEITURA MATEMÁTICA CIÊNCIAS

Nota 407 377 401

Ranking2 59 66 63

Fonte: Elaboração do autor.

O objetivo deste texto não é fazer uma análise ou crítica do modelo educacional brasileiro. Pretendemos, tão somente, discutir a prática docente tradicional e uma possibilidade alternativa no rumo dos objetivos mencionados – as metodologias ativas.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Uma visita a uma sala de aula atual e uma com- paração com relatos históricos de uma sala de aula do início do século passado, apesar de enormes dife- renças (causadas, sobretudo, pela democratização da educação pública), nos levará a uma conclusão quase inevitável: os métodos de ensino em si pouco evoluí- ram. Na grande maioria dos casos, encontramos pro- fessores fazendo preleções para uma turma de alunos passivos e heterônomos.

Neste caso, o aprendiz funciona muito mais como paciente da transferência do objeto ou do conteúdo do que como su- jeito crítico, epistemologicamente curio- so, que constrói o conhecimento do ob- jeto ou participa de sua construção. É precisamente por causa desta habilidade de apreender a substantividade do ob- jeto que nos é possível reconstruir um mal aprendizado, em que o aprendiz foi puro paciente da transferência do conhe- cimento feita pelo educador. (FREIRE, 2016, p. 67)

O professor, nesse caso agente ativo, palestra so- bre determinado assunto, mostra exemplos, resolve exercícios e problemas, faz demonstrações, enquanto o aluno, totalmente passivo, comporta-se como um vaso que será preenchido com o conhecimento exposto pelo professor. Dessa forma, oferece-se ao aluno algo que, nos dias de hoje, devido à latente facilidade para ob- tenção de conteúdo, ele pode obter em qualquer lugar e a qualquer momento. Contudo,

é recorrente entre, os estudiosos de Educação das últimas décadas, a ideia de que já não bastam informações para que crianças, jovens e adultos possam, com a contribuição da escola, participar de modo integrado e efetivo da vida em

sociedade. Embora imprescindíveis, as informações em si teriam, quando ape- nas retidas ou memorizadas, um com- ponente de reprodução, de manutenção do já existente, colocando os aprendizes na condição de expectadores do mundo [sic]. (BERBEL, 2011, p. 25)

Dessa forma, o simples fato de transmitir infor- mações ao aluno, sem a participação ativa dele na elaboração e construção desse saber, é na maioria das vezes inócuo. De acordo com Bordenave e Pereira (2015, p. 26),

a aprendizagem é um processo qualita- tivo, pelo qual a pessoa fica melhor pre- parada para novas aprendizagens. Não se trata, pois, de um aumento quanti- tativo de conhecimentos, mas de uma transformação estrutural da inteligên- cia da pessoa.

Segundo Castanho (2008, p. 62), sobre o surgi- mento da didática,

do início aos dias de hoje passaram-se quinhentos anos. E não é possível pen- sar que a sociedade e suas instituições tenham ficado paradas. Ao contrário, fundas alterações ocorreram nas rela-

ções sociais, abrangendo o conjunto da sociedade. Evidentemente, a escola e sua maquinaria sofreram o influxo dessas mudanças. E é nesse ponto que intervém a questão dos métodos de ensino. Em outras palavras, a questão dos métodos no âmbito da didática.

Apesar destas percepções, é evidente, na prática cotidiana de muitos professores, a ideia ilusória de que é possível transmitir conhecimentos (transmitir no sentido mesmo de dar, de passar o que se sabe a alguém através de meras exposições). Esta noção equivocada do que deve ser o ato de ensinar já foi alvo de crítica por diversos autores, inclusive Paulo Frei- re quando coloca que é necessário ao docente “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2016, p. 47).

Não obstante a justificada importância que atri- buímos à prática do professor, não se pode deixar de considerar o papel e o modo de agir do discente. Assim como ensinar não é transmitir conhecimento, aprender não é, de forma alguma, um ato passivo e receptivo. Piaget, em sua psicogênese do conhe- cimento, deixa explícito o pressuposto de que para haver aprendizagem é necessária a atuação ativa do aprendiz (daí o nome construtivismo): “O agente da aprendizagem é o aluno” (BORDENAVE; PEREIRA, 2015, p. 38).

É importante destacar que a postura do aluno é resultado de diversos fatores, dentre eles, a postura do professor. O ciclo se retroalimenta: professores es- timulados e comprometidos têm maior probabilidade de ter alunos motivados, o que leva a professores mais estimulados e comprometidos. É, pois, válido perceber que a motivação desempenha papel vital no fazer em sala de aula (tanto para professor como para o aluno). Ela pode ser motor e catalisador do processo.

Contudo, a realidade de nossas salas de aulas são alunos, na maioria das vezes, desmotivados, desinte- ressados e, por conta disso, (de)formados. As práticas usuais na maioria das escolas atuais não conduzem os sujeitos à formação humana integral e à sua emanci- pação crítica, tão necessárias para o convívio em socie- dade e o exercício de uma cidadania plena.

Mesmo em situações em que consideramos o mé- todo tradicional de ensino exitoso – aquelas nas quais o aluno conseguiu absorver o que o professor lecio- nou –, o processo de aprendizagem foi mecânico, assim não houve construção autônoma, crítica e reflexiva dos conhecimentos. O aluno não teve a oportunidade de ponderar sobre seus desdobramentos, vínculos e con- sequências. Por conseguinte, suas percepções e resul- tantes racionalizações acerca dos fenômenos sociais, naturais, artísticos, históricos, linguísticos etc. são se- riamente comprometidas e passíveis de ser facilmente distorcidas, levando-o a enxergar a realidade de uma forma totalmente diversa daquilo que ela realmente é.

De fato, o conhecimento não pode ser considerado uma ferramenta ready made, que pode ser utilizada sem que sua natureza seja examinada. Da mesma forma, o conhecimento do conhecimento deve aparecer como necessidade primei- ra, que serviria de preparação para en- frentar os riscos permanentes de erro e de ilusão, que não cessam de parasitar a mente humana. Trata-se de armar cada mente no combate vital rumo à lucidez. (MORIN, 2000, p. 14)

Neste ponto, o discente, quando não infere ou de- duz de forma equivocada sobre os fenômenos do mun- do ao seu redor e interfere gerando mais dano que benefício à sociedade, não se sentirá apto a opinar, op- tando por eximir-se do processo de construção de uma sociedade mais justa, tornando-se um marginal dessa mesma sociedade. Não é possível que formemos alunos proativos sem que, no seu processo de formação, os envolvamos em atividades cada vez mais complexas, obrigando-os a tomar decisões e avaliar resultados. Da mesma maneira, a formação de alunos criativos passa, necessariamente, pela experimentação de uma gran- de quantidade de possibilidades novas de mostrar sua iniciativa (MORAN, 2015, p. 17).

Diversas teorias, em campos do saber tão variados quanto a pedagogia, a psicologia e as neurociências, apontam que a forma pela qual aprendemos é incom-

patível com a forma pela qual geralmente ensinamos. É, pois, urgente uma tomada de consciência crítica em relação a isso e a adoção de posturas no sentido de promover situações de aprendizagem ativa em nossas salas de aula.

MÉTODOS ATIVOS DE ENSINO-