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CURRÍCULO INTEGRADO: SABERES EM DIÁLOGO, DISCIPLINAS EM PARCERIA

Quando refletimos sobre a história do currículo, é possível afirmar que toda maneira de proposição de organização curricular, mesmo aquelas que defendem o currículo centrado nas disciplinas consideram im- portante discutir formas integradoras dos conteúdos curriculares (LOPES; MACEDO, 2011).

O processo de progressiva fragmentação dos con- teúdos escolares em áreas de conhecimento ou dis- ciplinas conduziu os processos formativos a uma si-

tuação que obriga a sua revisão urgente. A evolução dos múltiplos campos científicos notavelmente desco- nectados uns dos outros levou também à necessidade de busca de modelos integradores visando a soluções para a dispersão de tais conhecimentos.

O questionamento dos modelos tradicionais ba- seia-se, em primeiro lugar, na interdisciplinaridade que explica como diferentes componentes curriculares devem relacionar-se para melhorar o conhecimento, e, em segundo, na visão de um currículo responsivo e sensível às diferentes demandas sociais e às exigências de um mundo em constante evolução. A partir dessa dupla fundamentação, e dialogando com razões histó- ricas, iremos fixar-nos em um modelo curricular fun- damentado em códigos integrados.

Destacamos que a busca na perspectiva de um currículo integrado, que vença a separação entre teoria e empiria, não negligencia os objetos das disciplinas. Dessa forma, Santomé (1988, p. 100) pondera que “é preciso levar em consideração que existem diferentes classes de conhecimento e que cada uma delas é re- flexo de determinados propósitos, perspectivas, expe- riências e valores humanos”. Corroborando Santomé (1988), Lopes (1999, p. 196) acrescenta:

No atual desenvolvimento da ciência, a especialização redimensiona, mas não exclui a disciplinarização. Ou melhor, exclui a noção de disciplina como con- trole do conhecimento, limites rígidos e

atemporais, e passa a estruturar a no- ção de disciplina como campos de sa- beres, áreas de estudos e conjuntos de problemas a serem investigados, que in- ter-relacionam aspectos das disciplinas tradicionais e outros sequer pensados tradicionalmente.

Contribuindo com esta análise, Lopes e Macedo (2011, p. 131) nos mostram que “defender a interdis- ciplinaridade pressupõe considerar a organização dis- ciplinar e, ao mesmo tempo, conceber formas de in- ter-relacionar as disciplinas a partir de problemas e temas comuns situados nas disciplinas de referência”. A partir dessas reflexões, precisamos desenvolver es- tratégias que auxiliem na superação das concepções dicotômicas e compartimentadas, mesmo consideran- do que a organização curricular em disciplinas tem histórica hegemonia no conhecimento escolar, porém não se caracteriza como impedimento à integração e às novas arquiteturas curriculares.

A perspectiva integrada de organização dos conhe- cimentos curriculares está alicerçada sob uma concep- ção de interdisciplinaridade. Esta corresponde a um dos conceitos que explicam as possíveis relações disci- plinares e constitui-se em um dos grandes eixos do co- nhecimento que visa superar as limitações produzidas pelo paradigma positivista. À medida que a difusão do saber se efetiva pela especialização, a inquietude pela unidade do conhecimento suscita um esforço delibera-

do na tentativa de colocar não só a investigação cientí- fica em uma perspectiva relacional da produção do co- nhecimento, mas, sobretudo, pela associação dialética entre dimensões polares, por exemplo, teoria e prática, ação e reflexão, generalização e especialização, ensino e avaliação, meios e fins, conteúdo e processo, indiví- duo e sociedade etc.

O termo “interdisciplinaridade” possui uma grande variação conceitual de acordo com a concepção episte- mológica. Santomé (1998, p. 70) esclarece que esta é o “segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas provoca inter- câmbios reais; isto é, existe verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, consequentemente, enriquecimen- tos mútuos”.

Sobre a interdisciplinaridade, Morin (2000, p. 115) pondera que esta:

Pode significar, pura e simplesmente, que diferentes disciplinas são colocadas envolta de uma mesma mesa, como di- ferentes nações se posicionam na ONU, sem fazerem nada além de afirmar, cada qual, seus próprios direitos nacionais e suas próprias soberanias em relação às invasões do vizinho. Mas interdiscipli- naridade pode significar também troca e cooperação, o que faz com que a inter- disciplinaridade possa vir a ser alguma coisa orgânica.

Portanto, podemos depreender que a interdisci- plinaridade tem como elemento constituinte central a necessidade de superar a visão fragmentadora de pro- dução do conhecimento, como também de articular e produzir coerência entre os múltiplos fragmentos que estão postos no acervo de conhecimentos da humani- dade, buscando promover a integração contínua, re- compor a unidade entre as múltiplas representações da realidade.

Logo, a severa lógica de fragmentação disciplinar muitas vezes dificulta as atitudes interdisciplinares, afastando os discentes do mundo concreto e provo- cando desinteresse pelos objetos de estudos. Segun- do Zabala (2002, p. 26), se, por um lado, é impossí- vel responder aos problemas profissionais e científicos sem dispor de um conhecimento disciplinar, ao mesmo tempo, fazem-se necessários modelos integradores em numerosos âmbitos da organização dos conteúdos es- colares para reaver os contatos perdidos entre as dife- rentes disciplinas.

Ciavatta (2015, p. 57) salienta a complexidade do conceito e destaca: “[para que a] interdisciplinaridade se efetive, e se torne um processo de escuta e diálo- go, de inter-relação, é necessário ir além da soma de ideias e argumentos e chegar à materialidade histórica em que essas relações são construídas”.

Em outros termos, a interdisciplinaridade não é uma soma de aspectos, mas a visão dos fenômenos na totalidade social que os constitui. No contexto dessa concepção, a interdisciplinaridade implica o reconhe-

cimento da produção social da existência, do mundo do trabalho, em que relações sociais, culturais e po- líticas se interpretam, se imbricam na produção de realidades densas, complexas. Ciavatta (2015, p. 58) esclarece: “metodologicamente, não se trata apenas de uma justaposição disciplinar, de um somatório de as- pectos, mas da compreensão dos diferentes aspectos articulados como produção social em um tempo e em um espaço determinados”.

No contexto dessa concepção, o currículo integrado remete ao sentido da aproximação das partes, e sinaliza a possibilidade de uma formação integrada pautada no diálogo entre os saberes e na parceria entre as discipli- nas. Nessa direção, afirma Santomé (1998, p. 112):

A denominação de currículo integrado pode resolver a dicotomia e/ou o debate colocado na hora de optar por uma de- nominação do currículo que por sua vez integre os argumentos que justificam a globalização e os que procedem da aná- lise de defesa de maior parcela de inter- disciplinaridade no conhecimento e da mobilização das inter-relações sociais e políticas. A isso me permito agregar a possibilidade de pensar um currículo que leve em consideração os sujeitos para os quais se volta, considerando suas vivên- cias pessoais, sociais, culturais e, no nosso caso específico, de trabalho.

Em conformidade com o autor supracitado, enten- demos que o currículo integrado atende às mudanças substanciais ocorridas no interior da escola. Agora, o protagonista passa a ser o estudante, e não tanto o que se ensina. Isto é, o problema de ensinar não se situa basicamente nos conteúdos, mas em como se aprende e, consequentemente, em como se deve ensinar para que essas aprendizagens sejam produzidas. Reconhe- cemos que os conteúdos disciplinares são imprescindí- veis, mas não são a base para decidir o roteiro didático em sala de aula.

Nessa compreensão, o currículo integrado tem como base a utilização das necessidades e dos inte- resses dos alunos no percurso formativo, por meio de propostas democráticas, objetivando soluções no sen- tido de enfrentar e equacionar em sala de aula os pro- blemas reais de seu cotidiano. Desse modo, essa pro- posição visa superar a parcialização do conhecimento escolar, o que no entender de Bernstein (1996, p. 79) é um currículo do tipo “coleção” que se expressa por meio de uma relação fechada, com conteúdos clara- mente delimitados e separados entre si.

Para Bernstein (1996), este tipo de currículo im- plica hierarquização, relações de poder e enquadra- mento pedagógico. Em contraponto a esse modelo, o autor propõe o currículo integrado, caracterizado por uma relação aberta e dialógica dos conteúdos en- tre si. Quando acontece a interação, “há uma troca e um equilíbrio na relação pedagógica” (Ibidem, p. 96). Quando pensamos nessa flexibilização das fronteiras

do conhecimento, por meio do currículo em códigos in- tegrados, encontramos diversas vantagens:

Estes seriam capazes de, a partir do abrandamento dos enquadramentos e das classificações, conferir maior ini- ciativa aos professores e alunos, maior integração dos saberes escolares com os saberes dos cotidianos dos alunos, de maneira a combater a visão hierárquica e dogmática do conhecimento escolar al- teraria relações de poder na escola, com implicações sociais claras. (LOPES; MA- CEDO, 2011, p. 139)

Concordamos com a análise de Lopes e Macedo ao conectar integração e disciplinaridade, usualmente re- presentados como polos excludentes que não se impli- cam mutualmente. No que se refere à construção da concepção do que é integrado, entendemos ser possí- vel, por intermédio da modalidade de organização cur- ricular integrada, modificar as práticas escolares e au- xiliar na diminuição do insucesso escolar. Desse modo, confirma-se a afirmação de Santomé (1998, p. 27): “O currículo integrado converte-se assim em uma catego- ria ‘guarda-chuva’ capaz de agrupar uma ampla varie- dade de práticas educacionais desenvolvidas nas salas de aula”.

Assim, a integração curricular e o currículo por disciplinas necessariamente não são polos excluden-

tes, mas sim, um caminho possível na tentativa de su- perar as fronteiras invisíveis presentes nas disciplinas em prol de conhecimentos culturais e interdisciplina- res essenciais na formação de cidadãos crítico-refle- xivos, que estão inseridos num mundo social que não está compartimentado em áreas de saber.

Ainda no contexto das perspectivas integradoras, Frigotto (1995, p. 44) considera:

Perceberemos que não há contradição entre a necessidade de delimitação nas ciências sociais na construção dos seus objetos e problemáticas e o caráter uni- tário do conhecimento. E o conhecimento do social tem um caráter unitário porque os homens ao produzirem sua existência mediante as diversas relações e práticas sociais o fazem enquanto uma unidade que engendra dimensões biológicas, psí- quicas, intelectuais, culturais, estéticas, etc. Se do ponto de vista da investigação podemos delimitar uma destas dimen- sões não podemos perder de vista que para que sua compreensão seja adequa- da é preciso analisá-la na sua necessária relação com as demais dimensões.

Diante de todas as reflexões levantadas, frisamos que o currículo integrado acena para a possiblidade de superação da fragmentação presente na organização

dos conhecimentos escolares. Essa organização curri- cular, além de permitir a redução do nível de classifica- ção e hierarquização do currículo, também materializa e respeita a unidade do conhecimento e a promoção de mecanismos de inter-relação que devem existir en- tre as diferentes disciplinas e formas de conhecimen- to nas instituições escolares (LOPES; MACEDO, 2011, p. 139).

Essa arquitetura curricular tenta romper a estru- tura parcializada do ensino, propondo uma organiza- ção curricular de caráter global, colocando as discipli- nas e cursos isolados numa perspectiva relacional, de tal modo que saberes escolares se relacionam com os saberes cotidianos dos alunos.

UM OLHAR TÉCNICO-PEDAGÓGICO SOBRE