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6.2 AS BIBLIOTECAS DA RELEITURA: em defesa do direito à leitura

6.2.2 Biblioteca do CEPOMA

O Centro de Educação Popular Mailde Araújo (CEPOMA) é uma organização não governamental (ONG) sem fins lucrativos que surgiu em 1982 inicialmente como escola comunitária, e hoje como Centro de Educação Popular, na comunidade de Brasília Teimosa, zona sul do Recife. É um Centro de interesse social, educacional e cultural e desenvolve um trabalho com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social (SOBRE MIM, 2008).

6Localização e Contatos: Endereço: Rua Dragão do Mar, 205, Brasília Teimosa – Recife PE – CEP:51010-110;

Telefones: (81) 3326-6509. E-mail: cepoma@bol.com.br Blog: cepoma.blogspot.com. Facebook: CEPOMA. Funcionamento: segunda a sexta-feira, das 7:30h às 11:30h e 13:30h às 17:30h.

Figura 11 – Fachada da Biblioteca do CEPOMA.

Fonte: Blog da Biblioteca do CEPOMA (http://cepoma.blogspot.com.br/).

A comunidade de Brasília Teimosa, como o nome já indica, não nega sua identidade de resistência. A teimosia estampada no seu nome se refere ao processo de ocupação e persistência que seus moradores, sobretudo pescadores, tiveram no final dos anos de 1950, quando resistiram às ameaças de despejo, destruição e incêndio dos barracos na antiga favela do local (GRZYBOWSKI, 1989; SOUZA, 2010). Atualmente, a comunidade que se localiza entre os bairros do Pina e do Porto de Recife possui cerca de 19 mil habitantes em uma área de 61hectares, conforme dados de 2010 (PINA, 2016).

Figura 12- Localização bairro Brasília Teimosa.

Fonte: Prefeitura do Recife (http://www2.recife.pe.gov.br/servico/brasilia-teimosa).

O CEPOMA possui uma proposta pedagógica de unir educação e cultura popular, promovendo, assim, a aprendizagem pela prática cultural. A cultura popular é vivenciada

através de suas manifestações, sobretudo regionais, dentre as quais se destacam maracatu, o frevo, o coco, a ciranda, o bumba-meu-boi em termos de música, dança e enquanto tradição cultural (BIBLIOTECA CEPOMA, 2016).

Além dessas expressões, são trabalhadas também outras linguagens, como pintura, a dança clássica e contemporânea, teatro e leitura. Nesse processo, as crianças e jovens adquirem competências de convivência, solidariedade, respeito, aperfeiçoamento da leitura e escrita, potencialização da criatividade e imaginação.

A prática pedagógica desenvolvida procura valorizar a vivência das crianças e jovens com vistas a explorar uma leitura do mundo, construindo sua a autonomia e autoestima. A formação proposta através das práticas culturais almeja ampliar o conhecimento dos educandos, apresentando-lhes princípios de ética, solidariedade e trabalho em grupo para lidar com as situações cotidianas e desenvolver a cidadania e criticidade (BIBLIOTECA CEPOMA, 2016).

Como citado, antes de ser um Centro Popular, o espaço era uma escola comunitária chamada Escola Nova de Brasília. A escola foi criada por um grupo de educadoras da própria comunidade para atender a crianças e adolescentes de baixa renda. Foi um trabalho pioneiro de educação alternativa para o ensino infantil que se manteve por meio de apoio de várias entidades, como igrejas, associações de bairro e da própria comunidade, que lutava por uma educação de qualidade. Funcionou em vários locais, até que em 1998 conseguiu uma sede própria, onde realiza suas atividades até hoje. A pedagogia utilizada se baseava nos princípios freirianos adaptados à realidade da comunidade e na cultura popular (SANTANA, Isamar, 2016).

Embora se sentisse muita necessidade de livros e ainda não existisse uma biblioteca, não se deixava de trabalhar com a leitura e a escrita, mas, pelo contrário, era a leitura do mundo que precedia a leitura da palavra (FREIRE, 2011). As experiências do leitor educando eram potencializadas através da leitura de textos fotocopiados, passeios nas ruas e troca de experiências que desenvolviam uma alfabetização contextualizada. A preocupação com a formação das crianças não era apenas o ensino, mas sim a educação para a vida, que incluía perguntas do tipo “como ela está se sentindo” ou “como está o relacionamento em casa com a família”, fazendo-a protagonista da sua história (SOUZA, 2016).

A cultura popular, por sua vez, era trabalhada numa pedagogia que valorizava as expressões populares, incialmente com as linguagens do mamulengo e bumba-meu-boi, depois com pintura, desenho, literatura e com o grupo de dança “Prá-Pular” e o maracatu Nação Erê. Em 1989, o nome da Escola Nova de Brasília foi alterado a pedido das crianças e adolescentes

para Centro de Educação Popular Mailde Araújo, em homenagem a uma das educadoras e fundadoras do espaço, que faleceu de forma súbita (CEPOMA, 2007).

Em 1993, o CEPOMA cria o Maracatu Nação Erê, primeiro maracatu infantil de baque virado de Pernambuco. Nação Erê, em Yourubá, quer dizer “nação da criança”. É composto por crianças e adolescentes dos 03 aos 16 anos de idade e desenvolve, além de um trabalho cultural, um trabalho educativo. O estudo da cultura africana, a dança e a percussão que envolvem as oficinas e ensaios de maracatu, conduzem as crianças à descoberta e percepção da vinculação familiar que os símbolos, ritmos e mitos africanos possuem com a cultura delas, fortalecendo os laços com a identidade étnico-racial (CEPOMA, 2007).

Figuras 13-14 – Maracatu Nação Erê.

Fonte: Fanpage da biblioteca do CEPOMA <https://www.facebook.com/cepoma2015/>.

Os ensaios do grupo Nação Erê acontecem sempre às sextas-feiras a partir das 17h, na orla de Brasília Teimosa. O grupo faz parte da agenda cultural da cidade, fazendo apresentações no ciclo carnavalesco, junino e natalino. As crianças, além de tocar e dançar, também compõem músicas. A canção que segue é um exemplo:

Nação Erê 7

Com N escrevo Nação Com E escrevo Erê Com as palavras da corte mirim

Essa é a Nação Erê Nação Erê

É de baque virado é de Maracatu Nação Erê

Não é só baque virado é nosso Olorum O CEPOMA foi quem me ensinou

A gostar do Maracatu E as zabumbas tocando em Luanda

Os Erês vêm cantando Olorum A rainha que se coroou As baianas foi quem se inspirou

Com amor ilumina o caminho O caminho que a corte passou Falando em criança Olorum escutou

Olorum é a força da nossa nação Nação Erê

É de baque virado é de Maracatu Nação Erê

Não é só baque virado é do nosso Olorum8

Fonte: (MARACATU NAÇÃO ERÊ, 2010, on-line).

O estudo feito por Silva (2003) sobre o Nação Erê identificou que a prática artístico- pedagógica desenvolvida pelo grupo possibilita o desenvolvimento de aptidões artísticas aos educandos, integração social e afetiva, construção de identidades culturais através da dança e da música enquanto manifestação da cultura popular, entre outras habilidades e comportamentos cidadãos e culturais.

A história da biblioteca se inicia com a doação de cerca de 400 livros feita pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq) pelo programa Biblioteca Viva para as escolas comunitárias no ano de 2000. A partir daí, forma-se o “cantinho de leitura”, que fortalece as ações do Centro. No ano de 2005, Isamar Martins de Santana, atual gestora da biblioteca, é convidada para fazer uma formação com as crianças sobre cultura africana e maracatu, por meio da mediação de leitura.

Em 2006, inicia-se a parceria com o Instituto C&A, quando a escola conseguiu aprovar o projeto “Leitores Brincantes” pelo Programa Prazer em Ler. Como Isamar era a única que tinha formação superior, ela ficou responsável pela organização dos livros e pela mediação de leitura, nascendo assim a biblioteca. A parceria com o Instituto possibilitou a promoção de formações continuadas para a equipe no que tange à capacitação e sensibilização para a leitura e o livro, cujos ensinamentos foram fundamentais e bem aproveitados pelas educadoras. Além

de permitir a reestruturação do cantinho de leitura, com a aquisição de novos livros e montagem de um espaço mais aconchegante e lúdico (CEPOMA, 2007).

Em 2010, por conta de algumas exigências dos Parâmetros Curriculares da Educação Infantil que não puderam ser atendidas, a instituição deixa de ser escola comunitária e passa a ser apenas Centro de Educação Popular, focando nas oficinas de leitura, pintura, dança, percussão e maracatu, as quais realiza até hoje (SOUZA, 2016). Também neste ano a biblioteca se tornou um Ponto de Leitura do MinC como reconhecimento do seu esforço em parceria com a comunidade local (SILVA, 2013).

O centro possui cinco educadoras que são “oficineiras” de leitura também. Cada educadora traz sua turma para a biblioteca ou para a sala da oficina e faz a mediação da história. A leitura e a biblioteca são os pilares do centro. Todas as atividades são permeadas pela leitura, porque é ela que abre as portas para as outras expressões artísticas e para a escrita. Desde as primeiras formações que o centro trabalha a sensibilização pela leitura nas educadoras e é esse diferencial que faz com que as crianças que lá ingressam saiam com um arcabouço amplo de conhecimento. Parte-se do princípio de que a leitura é um direito humano fundamental, pois é ele que vai dar acesso aos outros direitos (SANTANA, Isamar, 2016).

Como constatado pela professora Ivane Pedrosa, do CEEL, em visita à biblioteca, o amor ao trabalho coletivo e participativo em busca de cidadania é o motor que move o Centro para a formação dos leitores brincantes: “Leitura e cultura popular são parte do mesmo tecido [...] o CEPOMA é, de fato, uma escola alternativa: aqui a literatura e a leitura se articulam com o maracatu, com a pintura, a escrita, com a cultura popular” (A FORMAÇÃO DE LEITORES BRINCANTES DO CEPOMA, 2012, on-line).

O único critério para as crianças participarem das atividades do CEPOMA é que ela tenha mais de seis anos e esteja matriculada na escola (pública ou privada). As atividades oferecidas são pintura, danças populares, percussão (maracatu) e todas elas são precedidas e mediadas pela leitura de um livro, podendo ser uma história temática do dia da atividade ou uma história livre escolhida por elas. De segunda a quinta-feira, são oferecidas as oficinas, e na sexta é feito o ensaio de maracatu das 17 às 19h (SANTANA, Isamar, 2015). O trecho abaixo mostra a importância que o Maracatu e o CEPOMA têm para essas crianças e jovens através da união da leitura com a cultura:

Recife é a minha cidade, a terra dos maracatus As loas bonitas eu canto, pra Nação Erê e pros maracatus

Tem a escola do CEPOMA, ali foi que aprendi a ler Danças do coco de roda, ciranda, xaxado e maracatu9

Fonte: (PRANDI, 2016, on-line).

Uma das atividades que ocorre mensalmente como uma forma de mediação é a mala de leitura. A atividade é um sucesso entre as crianças e jovens. A mala passa pelas oficinas e acontece um sorteio para saber quem vai levá-la para casa. A cada mês, uma criança escolhe de 15 a 20 livros na biblioteca e leva-os na mala de leitura para a família e vizinhos lerem. As crianças e adolescentes formam a mala com livros tanto do interesse delas como do interesse das mães, tios e vizinhos.

A mediadora da biblioteca anota os livros que o interagente pegou e faz os empréstimos. Caso ele ou ela não termine de ler tudo ou alguém da sua família esteja terminando a leitura de acordo com o prazo determinado, ela renova os livros e depois a criança os traz. Quando esta criança traz a mala, esta é passada para a outra criança que está na vez do sorteio, que escolhe novamente os livros de seu interesse e assim por diante (SANTANA, Ilma, 2016).

Segundo Ilma Santana, coordenadora da equipe de dança e percussão e mediadora de leitura, as crianças ficam atentas aos prazos de entrega da mala e ansiosas para que chegue sua vez, o que gera nas crianças uma expectativa e estímulo à leitura. A mala de leitura é confeccionada por Ilma, que reutiliza caixas de papelão de de aparelhos de DVD ou impressoras que consegue através de pedido às mães e aos membros da unidade, e faz a decoração e ornamentação com imagens de calendários, tecidos, fitas coloridas, entre outros. As malas ficam tão bem elaboradas e encantadoras que fica difícil mantê-las na biblioteca, já que as pessoas que visitam o espaço sempre querem levar uma mala como lembrança (SANTANA, Ilma, 2016).

9 Trecho da música Brasume. Autores: Bruno Alison, Elza Tatiane. Intérprete: Eva Marinho. Disco: Maracatu Atômico gravadora. Ano: 2000.

Figura 15 - Mala de leitura da Biblioteca do CEPOMA.

Fonte: Fanpage da Biblioteca do CEPOMA (https://www.facebook.com/cepoma2015/).

Além do empréstimo de livros, mediações de leitura, e das atividades de pintura, leitura e escrita, dança e percussão que o Centro oferece, a biblioteca também realiza ações fora do CEPOMA. Atividades como Correio poético, Intervenção literária, Parada literária, Leitura na praia são uma forma de estender as ações da biblioteca para mais perto da comunidade, nas esquinas, paradas de ônibus, praças.

Figura 16- Correio poético.

Figura 17- Parada Literária.

Fonte: Blog da Biblioteca do CEPOMA (http://cepoma.blogspot.com.br/).

Também existe o bazar, que é realizado duas vezes por ano e tem como parceria tanto os moradores da comunidade quanto os voluntários do IC&A, que fazem a doação das roupas. O recurso adquirido serve para o pagamento da energia e na ajuda de custo de algum profissional (SANTANA, Isamar, 2016).

O Centro procura ser uma entidade à qual a comunidade possa recorrer para pedir instruções e se informar sobre os diversos assuntos e orientações jurídicas. Além da biblioteca como fonte de informação, o Centro possui uma equipe de educadoras com formação política e interdisciplinar que preza pelos direitos humanos (RAMOS, 2015). O relato da mediadora Zuleide expõe essa função social que o centro assume enquanto disseminador de informação:

Mas a gente não fica só no CEPOMA. É uma família que precisou de uma orientação, é o acesso ao Conselho Tutelar, é o acesso à Delegacia da Mulher, é o acesso para encaminhar a pessoa para que ela tenha orientação sobre a questão da sua moradia, é o acesso de grupos que não têm tanto conhecimento, mas que o CEPOMA dá uma assessoria na questão de ele estar inserido dentro do calendário cultural [...]. Então a gente sempre participa das conferências, todos os encontros, tudo que for discutir cultura a gente está presente. É como diz a história, o dinheiro é necessário, mas o conhecimento ele nos dá muito mais horizonte. Então, é desse conhecimento de tudo isso que a gente tem oportunidade de ter é que a gente se fortalece para que a gente possa lá na frente também ter outras conquistas (RAMOS, 2015).

O público que frequenta a biblioteca é, em sua maioria, crianças e adolescentes do bairro e as que participam das atividades do CEPOMA. Além dos moradores da comunidade, como pais e idosos, que aos poucos vêm se aproximando da biblioteca (SANTANA, Isamar, 2016; SOUZA, 2010). O Centro atende a cerca de 70 crianças e possui em torno de 500 interagentes

cadastrados, com uma média de 20 interagentes frequentando diariamente. Seu acervo contém cerca de 3.500 livros, com mais da metade já cadastrada no sistema (SANTANA, Isamar, 2016).

Figura 18- Interagentes da Biblioteca do CEPOMA.

Fonte: Blog da Biblioteca do CEPOMA <http://cepoma.blogspot.com.br/>.

Assim como relatado por outras bibliotecas, a identificação das demandas dos interagentes acontece a partir da interação com eles. Os interagentes adolescentes sempre sugerem livros e séries de títulos que estão na mídia ou livros populares que são ainda mais atraentes por serem acompanhados de uma produção cinematográfica que leva milhões de pessoas ao cinema. A compra desses livros é feita e tornada disponível na biblioteca, porque a equipe trabalha numa perspectiva de formação de leitores. Creem, portanto, que, para formar leitores, é necessário ponderar sobre suas preferências literárias iniciais e depois ir moldando essa sensibilidade com outras leituras semelhantes do acervo, proporcionando leituras mais sólidas (SANTANA, Isamar, 2016).

A adoção desses títulos permite que a biblioteca seja visitada por leitores novos que aos poucos vão se tornando frequentadores, graças ao trabalho de negociação e mediação de leitura feito pelas mediadoras, que vão apresentando ao leitor outras temáticas e gêneros literários, amadurecendo seu gosto e aproximando-os mais da leitura. Essa estratégia consegue captar novos leitores e diversificar o acervo da biblioteca. Além disso, a biblioteca ainda promove ações na escola e na rua para atrair mais leitores e divulgar seus serviços.

O espaço onde fica localizado o Centro possui dois andares, com várias salas, e inclui as salas de atividades, sala de dança, a sala de instrumentos do maracatu, a sala da parte administrativa, a sala com os utensílios do bazar e uma cantina, além da sala da biblioteca. Na biblioteca, encontramos um salão com mesas e estantes e um pequeno espaço para a catalogação

dos livros, com um computador para a realização dos cadastros e empréstimos. Um espaço aconchegante que fica logo na entrada do Centro facilita a acessibilidade.

Figura 19- Espaço da Biblioteca do CEPOMA.

Fonte: Blog da Biblioteca do CEPOMA <http://cepoma.blogspot.com.br/>.

A biblioteca se mantém hoje através da parceria com o IC&A, assim como as outras bibliotecas da Releitura para a manutenção dos bolsistas, aquisição de acervo e formação. Também tem vínculo com a WFD organização alemã que apoia iniciativas locais e comunitárias em vários continentes, desenvolvendo projetos para contemplar as necessidades da população local que tenta melhorar seu nível de vida10. Além do CCLF, do CEEL, da Releitura e da comunidade de Brasília Teimosa.