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Práticas de formação e capacitação da equipe

7.2 A BIBLIOTECA COMO ARTESÃ: costurando as histórias de leitura

7.2.2 Práticas de formação e capacitação da equipe

A busca e o desejo de capacitação surgem em meio a um contexto de atuação empírica em que as bibliotecas foram criadas, cuja iniciativa parte de pessoas não ligadas ao campo da Biblioteconomia, mas que tinham vínculos com o campo da Educação e viam no livro a possibilidade de mudança de vida da comunidade. Por isso, embora não tivessem o conhecimento teórico incialmente, aos poucos elas o foram buscando como forma de aprimoramento da sua atuação prática. Nesse sentido, reflete Sofia:

Talvez a gente não tivesse todo o conhecimento teórico que precisasse, mas o conhecimento prático, ao menos eu via que se fazia no dia a dia mesmo. Em cima disso, a gente buscava o conhecimento teórico. Se a gente não tinha o conhecimento teórico, a gente ia atrás.

O CCLF foi uma das primeiras instituições a quem a Releitura procurou para obter orientações. Nesse momento, ele ainda apoiava as bibliotecas de forma individual na década de 1990. Conforme relata Conceição, a procura pelo Centro partiu das pessoas que criaram as bibliotecas comunitárias devido ao primeiro ser uma instituição de referência no que concerne ao engajamento com movimentos sociais e de periferia, sobretudo na luta pela educação, comunicação e cultura.

Ainda de acordo com Conceição, o Centro fornecia apoio técnico e pedagógico de capacitação sobre como montar espaços de leitura às escolas comunitárias, já que duas das bibliotecas surgiram no espaço de uma escola dessa natureza, além de ter projetos sobre desenvolvimento da educação infantil e qualificação de creches. O Centro oferecia e ainda oferece formação política tanto à Releitura quanto a outros grupos locais sobre a conjuntura político-social do país, bem como sobre formas de intervenção nas políticas públicas e legitimação da democracia. A intenção é, conforme revela Conceição:

[...] fazer com que essas informações cheguem nas comunidades e as bibliotecas comunitárias são muito importantes. Então, a gente precisa pensar juntos como é que a gente faz debate, como a gente faz discussão [...], a gente leva vídeos, a gente leva competências, circula competência nas comunidades para poder entender o que tá acontecendo.

Relata ainda Conceição que o CCLF também é consultor do Instituto C&A na produção de conhecimento a partir das experiências dos polos e da RNBC, no estímulo de reflexões no âmbito nacional sobre a mobilização de estratégias para incidir politicamente na esfera das políticas sobre livro, leitura e bibliotecas e na questão técnica da classificação do acervo, pois

o sistema de Classificação por Cores utilizado nas bibliotecas comunitárias foi desenvolvido pelo Centro.

O Programa Prazer em Ler, por sua vez, além das ações já destacadas, mostrou-se relevante também no investimento de formação continuada dos profissionais das bibliotecas por meio da formação dos assessores e, estes, por conseguinte, formam os gestores e mediadores e fazem o acompanhamento das ações. Dedicou atenção também à promoção de seminários, encontros regionais e nacionais, grupos de estudos, promovendo, assim, interação e trocas com gestores e mediadores de coletivos diferentes, bem como oportunizando a socialização das boas práticas que são frequentemente permutadas entre eles (PRAZER EM LER..., 2016). O reconhecimento sobre a capacitação em recursos humanos dada por esta instituição fica claro no relato de Conceição:

O Instituto foi uma das organizações que conheci que mais liberou investimento em pessoa, em ser humano. Em geral, todos os projetos sociais limitam X dinheiro para recursos humanos, entre 40% e 60%. O Instituto chegou ao momento de ir a quase 80% em recursos humanos, porque ele entendia que na Rede todos os outros recursos tinham sido mobilizados, então aquele dinheiro poderia ser investido em recursos humanos.

Da mesma maneira, a gestora Raquel reconhece que houve um progresso e dinamização das formações propostas pelo Instituto:

Porque ele também deu formações de acordo com a necessidade que ia se criando. No primeiro ano, o foco, se não me engano, foi acervo. Então, a gente teve contato com diversos escritores, com diversas pessoas que discutiam acervo, principalmente acervo infanto-juvenil. Então, acho que o Instituto C&A foi fundamental tanto na formação das pessoas que estavam envolvidas nesse projeto quanto o Centro de Cultura Luiz Freire, inicialmente com os cantinhos de leitura.

Em relação ao CEEL, a parceria teve início no ano de 2012, quando da proposta e articulação pelo ex-coordenador da Releitura. Inicialmente, o processo formativo se configurou como uma relação vertical do CEEL para a Releitura, na qual foi realizado um curso de formação para os mediadores de leitura, com foco nos fundamentos e estratégias de leitura literária e no apoio às bibliotecas em relação aos critérios de seleção, organização e disponibilização dos acervos (ROSA; DUBEUX, 2016).

Contudo, a partir desse ano, começou um processo intenso de troca e aprendizagem mútua entre ambas as partes. Como resultado, a parceria foi se solidificando, de modo que “cada vez mais a universidade passou a ir para as bibliotecas comunitárias e as bibliotecas comunitárias também passaram a estarem mais presentes na universidade, trazendo essa experiência de biblioteca”, relembra Adelaide. Ou seja, continua a entrevistada: “no lugar de a gente passar a ter aquela relação de formador, a relação passou a ser como já estava acontecendo, uma relação de parceria, de via dupla, de mão dupla”.

Posteriormente, surgiu a proposta de integrar as equipes das bibliotecas comunitárias em um processo de formação amplo que o CEEL estava desenvolvendo, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). Conforme Adelaide, “a proposta foi a equipe de mediadores passarem a se integrar ao PNAIC e agora também como formadores”.

Tal experiência foi se desdobrando e abriu caminho para o desenvolvimento de outra parceria, dessa vez realizada com uma comunidade indígena do interior do estado de Pernambuco, o povo Xucuru. O chamado Intercâmbio Recife-Xucuru consistiu, de acordo com Adelaide, numa “troca de experiência entre as bibliotecas comunitárias e as escolas [indígenas], os professores Xucurus para que fossem descobertas as afinidades, as diferenças e que as experiências de lá e de cá pudessem promover reflexões nesses espaços”. Ela sintetiza alguns desses momentos no seguinte relato:

Pelo curso, a gente viu que eles [indígenas] ficaram fascinados por esse processo de ambientação, por esse processo de conquista da leitura. Da própria forma de atuação do mediador nas sessões de mediação. Então, eles vieram aqui a Recife e viram toda a experiência nas bibliotecas. Então, essas duas professoras [...] conheceram a maneira de catalogação e ficaram encantadas. Elas pegaram a ideia, o formato e adaptaram para o que elas chamaram a cultura local. Ao invés de usar cor, elas primeiro fizeram uma catalogação geral. Então, por exemplo, livro de poesia, botaram um símbolo, o Memby, que é a flauta. Pegaram o programa da classificação por cores e aí foram fazendo a adaptação com cada um dos objetos da cultura, justificaram o porquê daquelas escolhas e organizaram toda a biblioteca, isso num período de um mês. Quando a gente viu, impressionante! Como a biblioteca passou a ter outra configuração, outra funcionalidade.

Os gestores e mediadores de leitura que tiveram acesso a essas formações revelaram o quão importante elas foram para o desenvolvimento das ações da biblioteca e para o aprendizado delas: “achei que foi muito importante porque aprendi muita coisa justamente nestas formações, nestes encontros, nessas trocas. Não foi feito tudo jogado, foi tudo esquematizado. Muitas coisas deram certo, outras nem tanto” admitiu a mediadora Sofia.

Dessa forma, notamos que as formações foram sempre lembradas pelos entrevistados como oportunidades essenciais para a otimização do trabalho com a gestão e com a mediação, capacitando-os da melhor maneira para enfrentar os desafios cotidianos. Além disso, ressaltamos o perfil de liderança, humildade e articulação demonstrado pelas ações da Releitura, no que se refere à busca dessas parcerias e ao compromisso e empenho na luta pelos seus objetivos. Mais resultados de tal parceria serão relatados mais adiante, quando tratarmos das práticas de parceria entre a biblioteca e as escolas. No Quadro 10, consta uma síntese dos principais pontos apresentados nesta categoria.

Quadro 10 - Práticas de formação e capacitação da equipe

Fonte: Dados da pesquisa