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3. Metodologia da pesquisa

4.2. Fichas diagnósticas: análise e resultados

4.2.1. Biografia linguística

A biografia linguística dos participantes torna-se relevante nesta pesquisa porque os conhecimentos linguísticos prévios (ou repertório linguístico) e as competências anteriormente adquiridas influenciam a gestão das dificuldades de leitura em LE, ou seja, estão diretamente relacionados à qualidade das atividades cognitiva e metacognitiva do aprendente. “[...] os conhecimentos prévios em LM [L1] e em LE ajudam na compreensão e na co-construção do sentido noutras LE, devido a duas funções principais: de ‘point d'ancrage’ et de ‘tremplin meta’

desses conhecimentos (Perdereau-Bilski, 2000).” (CARRINGTON, 2011:23)

A ficha diagnóstica “Minha história com as línguas”83 introduziu as atividades do curso “Leitura Plurilíngue” e visava promover a reflexão dos participantes sobre sua biografia linguística (línguas que falam, línguas que compreendem sem falar e línguas que não falam, não compreendem, mas já viram escritas) e sobre o que os motivava a estudar línguas estrangeiras (“Por que você estuda línguas?”). Para a pesquisadora-educadora, as respostas a esta ficha

trouxeram dados sobre o repertório linguístico do grupo – conhecimento ou não das línguas românicas – e representações acerca da aprendizagem de LE.

No campo da didática, em geral, o estudo das representações se justifica pela “noção bachelardiana de obstáculo pedagógico” (Germain, 1983) porque os indivíduos tem tendência a resistir aos fatos e conhecimentos que não estão em conformidade com suas teorias implícitas (Moscovici, 1986); analisar as deformações, os filtros que entravam ou limitam as percepções dos aprendentes para suprimir os bloqueios e resistências à aprendizagem e permitir o verdadeiro acesso ao saber constitui, portanto, uma tarefa essencial do formador84 (BILIEZ, 1996:402)

Durante a aplicação, apesar de a pesquisadora-educadora ter lido a ficha com o grupo e explicado cada ponto, houve dúvidas quanto ao preenchimento. Um dos participantes perguntou: “Mas, e se ficar meio em branco?”, referindo-se à primeira parte da ficha (línguas que falam, línguas que compreendem sem falar...). Devido à questão, achamos melhor esclarecer o objetivo da ficha diagnóstica, deixando os participantes mais seguros do que deveriam fazer.

Em relação à biografia linguística, obtivemos os seguintes dados:

 Língua(s) que falo: todos os estudantes (15) declararam que falam português, e 5 deles declararam falar também o inglês – um deles pontuou falar o básico de inglês;

 Língua(s) que entendo mesmo sem falar: 5 deles responderam entender espanhol e inglês; 8 declararam entender apenas espanhol; 1 declarou entender espanhol e francês; e 1 afirmou entender espanhol e “um pouco de japonês”;

84 Trecho original: Da sàleà ha pàdida ti ueàe àg al,àl tudeàlesà ep se tatio sàt ou eàsaàjustifi atio à da sàlaà otio à a hela die eàd o sta leàp dagogi ue à Ge ai ,à àpa eà ueàlesài di idusào tàte da eà à siste àau à faits et aux connaissances qui ne sont pas conformes à leurs théories implicites (Moscovici, 1986); analyser les déformations, les filtres qui entravent ou limitent les perceptions des apprenants pour lever les blocages et résistances à tout apprentissage et permettre un véritable accès au savoir constitue alors une tâche essentielle du fo ateu . (BILIEZ, 1996:402, tradução nossa)

 Língua(s) que não falo, mas já vi escrita(s): espanhol (10), inglês85

(9), francês (8), italiano (2), latim (4), japonês (7), alemão (4), árabe (1), coreano (2), chinês (3), polonês (1), tailandês (1), malaio86 (1), tai87 (1) e indonésio88 (1).

Dos dados acima, nos interessa, particularmente, o contato do grupo com as línguas românicas. Das línguas que seriam abordadas no curso “Leitura Plurilíngue” (francês, espanhol, italiano, romeno, galego, latim e catalão) foram citadas a espanhola (língua que a maioria deles afirma compreender, já ter visto escrita, mas não falar), a francesa (1 diz compreender e 8 disseram ter visto escrita) e a italiana (2 deles disseram ter visto escrita), além do latim (4 afirmaram que já viram escrito). Dentre as línguas românicas, o contato maior do grupo é com a língua espanhola.

A segunda parte desta ficha diagnóstica buscava compreender o quê motivava os participantes a estudar línguas estrangeiras. Foram propostos cinco temas – os participantes deveriam escrever uma razão (motivação) para estudar línguas estrangeiras que se encaixasse em cada um dos temas: satisfação pessoal, empregabilidade, desenvolvimento pessoal, mobilidade/viagens e comunicação/encontrar pessoas. As respostas nos deixaram entrever algumas representações acerca da aprendizagem de LE. Selecionamos dois temas sugeridos – satisfação pessoal e empregabilidade – e suas respostas para evidenciar as representações deste grupo de participantes.

Satisfação pessoal:

 “Mesmo não sendo línguas muito usadas, quero falar russo e coreano para me satisfazer” (R.F.,16)

 “Para saber línguas diferentes, porque isso envolve uma questão cultural” (R.M.,16)  “Desenvolvimento de várias línguas, além da minha, criando um elo cultural, político e

socioeconômico, talvez” (V.R.,16)

 “Crescer como cidadão e estudante, sempre procurando aprender” (E.B.,17)

85

Obviamente todos já viram a língua inglesa escrita, mas é preciso observar que havia dois fatores a considerar ao responder: não falar e já ter visto escrita.

86 O estudante denominou a língua como malásio. 87 O estudante denominou a língua como tailandês. 88 Espécie de malaio.

 “É uma ambição desde criança ser poliglota” (E.B.,17)

 “Para me sentir mais inteligente e aberta a diversas coisas variadas” (T.R.,16)  “Poderei compreender melhor o mundo em que vivo” (J.H.,16)

“Poder ter um maior conhecimento cultural” (B.G.,16)

Podemos observar nas respostas destes participantes, em primeiro plano, a representação da utilidade das línguas estrangeiras (esforço empregado na aprendizagem versus benefícios – aprender russo e coreano não parece útil, o que pode levar o indivíduo a empregar seu esforço na aprendizagem de uma “língua mais usada”, mesmo que esta não seja sua vontade, não lhe dê prazer). A representação de que língua e cultura são indissociáveis também aparece nestas respostas – aprender uma língua significaria aprender uma cultura e, assim, compreender melhor o mundo, ser mais “aberto” à diversidade.

Empregabilidade:

 “Quero trabalhar em uma multinacional” (R.S.,16)

 “Porque tenho vontade de trabalhar em uma empresa multinacional” (R.M.,16)  “Para ter mais possibilidades de emprego e ganhar mais” (F.B.,15)

 “Estudando línguas tenho a possibilidade de encontrar um emprego melhor” (K.C.,15)  “Porque sabendo pelo menos a ler já aumenta o leque de possibilidades” (J.H.,16)

 “Pessoas com conhecimento em mais línguas conseguem melhores empregos por terem um currículo melhor” (I.M.,16)

 “É mais fácil ser contratado quem tem conhecimento de outras línguas” (S.P.,16)

Nas respostas referentes ao tema empregabilidade, o que podemos notar é a representação de que há uma estreita relação entre saber línguas estrangeiras e ser bem sucedido profissionalmente, quer dizer, alcançar objetivos mais ambiciosos na carreira.

Considerando que as representações têm relação direta com as atitudes e “determinam, entre outras coisas, as escolhas das línguas ou os sentimentos e comportamentos de segurança ou de insegurança linguística em situações de multilinguismo [...]” (BILIEZ, 1996:402), entendemos que elas poderiam afetar nosso trabalho com as línguas românicas e, portanto, têm de ser, no

mínimo, consideradas. Nossa preocupação era que os estudantes pudessem achar que as línguas românicas não fossem úteis e ficassem desmotivados.