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3. Metodologia da pesquisa

3.4. Produção dos dados

3.4.2. O curso “Leitura Plurilíngue”

3.4.2.2. Estrutura e progressão

A progressão desenhada para o curso “Leitura Plurilíngue” está diretamente relacionada: 1. ao “ensino” de estratégias de leitura, principalmente àquelas operações que favorecem a leitura

63 Baseados em Lenz e Berthele, 2010. Os autores listam cinco grandes grupos de necessidades a serem

dese ol idas e a aliadas a edu aç o plu ilí gue. O u so Leitu a Plu ilí gue explo a ape as algu s destes objetivos.

de línguas aparentadas, tais como a transferência (interlinguística e intralinguística), a inferência lexical e a atividade metalinguística, 2. à observação dos modelos de leitura, descendente, ascendente e interativo (PIETRARÓIA, 2011; COSTE, 2002), e 3. à manutenção de condições favoráveis de exposição às línguas estrangeiras (DEGACHE, 2012; PUOZZO CAPRON, 2012). Inicialmente, estabelecemos uma estrutura com quatro fases64 para o curso, conforme o Quadro 3:

Textos Estratégias a serem

desenvolvidas Modelo de leitura

Fase 1: compreensão em L1 e biografia linguística “Textos-problema” em L1 Doc 1, 2, 3, 4 e 5 Antecipação/previsão Conhecimentos prévios Descendente (orientação onomasiológica) Abordagem global Fase 2: compreensão em línguas românicas e experiência de interação na Galanet

Textos cujo “esquema de conteúdo” (MALHEIROS POULET, DEGACHE, MASPERI, 1994) é conhecido Doc 6, 7, 8, 9, 10 e 11 Transferência Associação Inferência Atividade metalinguística + aquelas trabalhadas na Fase 1 Descendente (orientação onomasiológica) Abordagem global Uso de indícios dos níveis gráfico e lexical

Fase 3: compreensão em línguas românicas

Textos cujo esquema de conteúdo é conhecido Doc 13, 14, 15 Gincana Plurilíngue

Estratégias

trabalhadas nas fases 1 e 2

Ascendente (orientação semasiológica)

Uso de indícios dos níveis gráfico, lexical e sintático

Fase 4: compreensão em línguas românicas

Textos cujo esquema de conteúdo é desconhecido Doc 16, 17 e 18

Estratégias

trabalhadas nas fases 1 e 2

Interativo

Uso de indícios dos níveis gráfico, lexical, sintático e discursivo. Quadro 3 – Estrutura do curso “Leitura Plurilíngue”

A utilização de textos em língua portuguesa no início do curso teve como objetivo mobilizar as estratégias de leitura dos estudantes em L1, problematizando e valorizando suas

64Todos os Do itados o Quad o faze pa te da ápostila Leitura Plurilíngue (Apêndice D, p.168 . Cada Do

experiências como leitores. Os textos propostos no Doc 1, ou “textos-problema”, como denominamos, ainda foram pretextos para que introduzíssemos conceitos básicos que direcionaram todo o nosso percurso: formulação de hipóteses (antecipação/previsão), informação visual e informação não-visual (conhecimento prévio), encadeamento do texto e progressão da leitura.

Quadro 4 – Trecho de um dos “textos-problema” propostos no Doc 1

O texto proposto trouxe duas dificuldades aos participantes: o “esquema formal” (MALHEIROS POULET, DEGACHE, MASPERI, 1994:337) e o vocabulário – o tradutor faz uso de palavras extremamente eruditas, incomuns ao linguajar cotidiano, tais como fornido, enfunava, grugulhos, peremptório. Em relação ao “esquema formal”, nosso objetivo era fazê-los perceber que ao ler lidamos com “expectativas em relação à ordem natural do mundo, e sobre

Sobranceiro, fornido, Buck Mulligan vinha do alto da escada, com um vaso de barbear, sobre o qual se cruzavam um espelho e uma navalha. Seu roupão amarelo, desatado, se enfunava por trás à doce brisa da manhã. Elevou o vaso e entoou:

_Introibo ad altare Dei.

Parando, perscrutou a escura escada espiral e chamou asperamente: _Suba, Kinch. Suba, jesuíta execrável.

Prosseguiu solenemente e galgou a plataforma de tiro. Encarando-os, abençoou, grave, três vezes a torre, o campo circunjacente e as montanhas no despertar. Então, percebendo Stephen Dedalus, inclinou-se para ele, traçando no ar rápidas cruzes, com grugulhos guturais e meneios de cabeça. Stephen Dedalus, enfarado e sonolento, apoiava os braços sobre o topo do corrimão e olhava friamente a meneante cara grugulhante que o bendizia, equina de comprimento, e a cabeleira clara não tosada, estriada, matizada como carvalho pálido.

Buck Mulligan mirou-se um instante sob o espelho e em seguida recobriu o vaso com vivacidade:

_Ao quartel!_ disse peremptório.

Joyce, J. Ulisses. Trad. Antônio Houaiss. 11a ed. Rio de Janeiro:

como essa ordem se reflete na linguagem (...); quando o texto não se conforma a essas expectativas, haverá necessidade de desautomatização para compreender, e o texto pode se tornar às vezes mais difícil.” (KLEIMAN, 2009:52-53). No que se refere ao vocabulário, nosso intuito era mostrar que “conhecer uma palavra implica, entre outras coisas, conhecer algo sobre os eventos e coisas a que ela se refere; implica em outras palavras, que possuímos algo do conhecimento necessário para compreender o texto (cf. Freebody e Anderson, 1981)” (KLEIMAN, 2008:117). A escolha do texto possibilitou introduzir as questões da leitura como decodificação ou construção de sentido e da inferência do significado de palavras desconhecidas em contexto, e como isso pode ser importante tanto em L1 quanto em LE.

A única atividade proposta em latim (Doc 5) também foi incluída nesta primeira fase do curso por entendermos que o aspecto histórico é relevante para que se construa o conceito de continuum de línguas. Os Doc 2, 3 e 4 correspondem às fichas diagnósticas, usadas para conhecer a biografia linguística dos participantes.

Na segunda fase, introduzimos os textos em línguas estrangeiras (Doc 6 e 7) e começamos a trabalhar com estratégias próprias à IC (Doc 8, 9, 10): em um primeiro momento, com bastante ênfase nas transferências e, em um segundo momento, iniciamos o trabalho com a inferência e a atividade metalinguística (Doc 11). Nas primeiras atividades elaboradas com textos em línguas românicas, optamos por estimular a leitura descendente, ou onomasiológica. Assim,

[...] o leitor parte de uma hipótese geral que pode ter sobre o texto, e que é feita pelo exame de seus elementos mais salientes, como fotos, gráficos, títulos, para depois chegar à sua estrutura, parágrafos e elementos de base. Durante todo o processo, ele faz perguntas ao texto, procede a antecipações, reconhece palavras transparentes, usa seus conhecimentos de mundo, e sua própria experiência como leitor para, cada vez mais, afinar a construção do sentido do texto que tem em mãos. É um movimento lento, mas que traz bastante segurança ao leitor, na medida em que valoriza o que ele sabe sobre o tema do texto e sobre a prática da leitura. (PIETRARÓIA, 2011:341)

A participação na sessão plurilíngue na plataforma Galanet também teve início nesta segunda fase, como forma de proporcionar ao grupo uma experiência em um espaço autêntico de interação plurilíngue.

A passagem da segunda para a terceira fase marcou a transição de um trabalho que privilegiava a abordagem global para um trabalho centrado no texto, de orientação semasiológica. Esta transição foi problemática, principalmente em relação ao “ensino” da estratégia de inferência lexical, que requer um trabalho mais focado na construção de sentido das palavras em contexto – esse tipo de abordagem era incompatível com a quantidade de textos que vinham sendo trabalhados (de 3 a 4 em cada Doc) nas duas primeiras fases e com o ritmo das atividades. A inferência lexical requer ainda certa tolerância à imprecisão, característica de leitores mais experientes em línguas estrangeiras, o que não era a situação dos participantes desta pesquisa. Segundo Cyr (1996 apud DEGACHE, 2012), há situações nas quais os estudantes acreditam não ter direito nem capacidade de inferir o significado de palavras desconhecidas (“adivinhar”), seja porque o sistema de ensino não os habilitou ou os proibiu de fazê-lo.

Para minimizar as dificuldades desta transição, a pesquisadora-educadora usou alguns recursos pedagógicos, entre eles a atividade lúdica, que se concretizou em forma de uma gincana plurilíngue. A gincana foi uma ocasião ímpar de observação das estratégias empregadas pelos estudantes para ler os textos. Como dois grandes grupos disputaram a gincana (um grupo de 6 e outro de 7 participantes), seus integrantes tinham que negociar entre si a melhor resposta. Se algum dos integrantes tinha uma hipótese, para buscar a aprovação dos demais tinha que mostrar como havia chegado naquela solução.

Na quarta fase, demos sequência ao trabalho focado no texto, com a utilização dos indícios linguísticos de nível sintático e discursivo. Nesta fase, buscamos introduzir uma nova dinâmica de leitura, o modelo interativo, e também revisar as estratégias de leitura ensinadas anteriormente. O trabalho com o modelo interativo de leitura e os indícios de nível discursivo, no entanto, ficou prejudicado pela carga horária limitada do curso.