• Nenhum resultado encontrado

3. Metodologia da pesquisa

3.6. Procedimentos de seleção de dados

Os dados constituídos, até pela diversidade dos instrumentos de coleta, contribuíram a seu modo para a nossa investigação sobre o desenvolvimento da competência de leitura plurilíngue do estudante pré-universitário. Esta seção visa explicar qual foi esta contribuição e como os dados foram selecionados a fim de delimitar nosso campo de análise.

Os dados das fichas diagnósticas, que reúnem as características sociolinguísticas dos participantes, aspectos de sua formação em LE, assim como sua percepção sobre a influência da L1 na aprendizagem de LE, nos ajudam a compreender a experiência dos participantes com as línguas (e suas representações). A biografia linguística estaria diretamente ligada à qualidade das atividades cognitiva e metacognitiva do aprendente – os poliglotas, por exemplo, são bons leitores intercompreensivos porque têm à disposição estruturas heterogêneas de línguas diferentes (MEISSNER et al., 2004), e os bi/plurilíngues precoces tem um sistema de gestão econômico da linguagem, eles utilizam “para as operações formais, fonológicas e morfossintáricas de recepção e produção o mesmo centro neural e as mesmas redes sinápticas”77 (ESCUDÉ e JANIN, 2010:23).

Quando nos propusemos a investigar o desenvolvimento da competência de leitura plurilíngue, basicamente buscamos observar como os estudantes realizavam as atividades essenciais à Intercompreensão (MEISSNER et al., 2004:50) – identificação da forma e reconstrução semântica e funcional – ou seja, como usavam as estratégias de leitura apropriadas à IC – transferência (interlinguística e intralinguística), inferência lexical e atividade metalinguística, que são os recursos a serem mobilizados em uma competência de leitura plurilíngue. Esta observação se deu por meio das produções dos participantes. Das atividades propostas, selecionamos aquelas que foram pré-concebidas pela pesquisadora-educadora para servir à análise: Docs 9, 10, 11, 13, 15 e 18.

Se a análise dos dados provenientes das produções dos participantes vai mostrar a percepção e interpretação da pesquisadora-educadora sobre o percurso dos aprendentes, a análise dos dados provenientes do questionário de autoavaliação preenchido pelos participantes no penúltimo encontro do curso vai mostrar a percepção dos participantes sobre seu percurso. Por ter

77 Trecho original: [...]àil utilise pour les opérations formelles, phonologiques et morphosyntaxiques de réception comme de production le même centre neuronal età lesà esà seau à s apti ues. (ESCUDÉ e JANIN, 2010:23,

sido aplicado pela pesquisadora-educadora, que esteve em interação com os participantes durante todo o curso, esses dados foram usados com cautela, sempre com o apoio de outros, como as observações da própria pesquisadora-educadora nas fichas de aula.

Dados das fichas de aula serviram de suporte às análises, pois continham todo o planejamento da aula e as observações sobre a aplicação das atividades.

4. Análise de dados e resultados

O seguinte capítulo esclarece, inicialmente, como vamos proceder para analisar os dados. Em seguida, traz a análise qualitativa/interpretativa dos dados selecionados com os resultados observados em relação ao desenvolvimento da competência de leitura plurilíngue.

4.1 Procedimentos de análise dos dados

Nesta pesquisa, temos dois tipos de dados a serem analisados: sociolinguísticos (fichas diagnósticas) e produções dos participantes (atividades e questionário de autoavaliação).

Os dados sociolinguísticos dos participantes foram tabulados e analisados a fim de descrever, objetivamente, a biografia linguística do grupo, isto é, sua experiência com as línguas estrangeiras, e compreender a relação do grupo com a aprendizagem de línguas e com a própria L1. Isto porque a qualidade das experiências com as línguas seria um fator determinante de desempenho dos sujeitos – experiências malsucedidas e representações negativas poderiam gerar atitudes negativas frente às línguas estrangeiras, como o sentimento de não ser capaz de (PUOZZO CAPRON, 2012) ler textos em línguas não estudadas – e a maneira como o grupo aprendeu língua(s) estrangeira(s), de forma tradicional, poderia influenciar a aceitação da Intercompreensão, que traz uma situação de dissociação de competências, com foco na compreensão escrita.

Entendemos que a diversidade, ou não, de experiências pessoais e contatos com as línguas estrangeiras também está diretamente relacionada à qualidade das atividades cognitivas e metacognitivas do aprendente, daí estudarmos o desenvolvimento da competência de leitura plurilíngue em um “espaço de experiência com as línguas” – o curso “Leitura Plurilíngue”.

No que se refere às produções dos participantes, buscamos identificar como, e se, eles empregam as estratégias transferência, inferência lexical e atividade metalinguística na leitura de textos em línguas estrangeiras – se de maneira cognitiva ou metacognitiva.

Na literatura sobre compreensão, vários autores (Brown, 1980, Kato, 1984) distinguem dois tipos de estratégias que regem o comportamento do leitor: estratégias cognitivas, isto é, aquelas automáticas, inconscientes que

possibilitam a leitura rápida eficiente, e estratégias metacognitivas, isto é, aquelas que regem o comportamento consciente do leitor, uma das quais permite justamente a desautomatização e controle das estratégias cognitivas para autoregulamento da compreensão. (KLEIMAN, 2008: 118)

Para interpretar estes dados, usamos em nossa análise conceitos e categorizações produzidas por teóricos e pesquisadores de leitura em língua estrangeira (MALHEIROS POULET et al., 1994; PIETRARÓIA, 1997, KLEIMAN, 2008) e de Intercompreensão (DABÈNE e DEGACHE, 1998, DEGACHE, 2006, 2012; ESCUDÉ e JANIN, 2010; MEISSNER et al., 2004) que foram apresentadas e discutidas no referencial teórico desta dissertação.

No que se refere à transferência, Meissner et al. (2004:24) distinguem três tipos: intralinguística, interlinguística e didática. Para qualificar a atividade metalinguística dos participantes, nos apoiamos na tipologia sugerida por Dabène e Degache (1998), que sistematizamos no Quadro 23. Estes autores identificaram cinco tipos de atividade metalinguística divididos em três níveis:

Elementar (tipo 1) procedimentos elementares de

equivalência de significantes em tentativas parciais de tradução (a deve querer dizer b) quando estes procedimentos suscitam comparação ou confrontação dos significantes

Local

“se baseia em saberes linguísticos pontuais e isolados, anteriormente adquiridos em L1 ou em outra LE. Essas observações não ultrapassam o quadro do meio textual imediato no qual se inscrevem, daí serem qualificados de ‘locais’”.78

Empírica (tipo 2) ocorre em função das circunstâncias Estruturante (tipo 3) procedimento mais elaborado, tentativa

de racionalizar o emprego de certos itens gramaticais dando-lhes um valor preciso. Este tipo de estruturação pode igualmente abarcar a procura do tempo verbal de um verbo, a categorização pontual... Mesmo que de natureza local, elas podem dar lugar a hipóteses pertinentes sobre a gramática da língua alvo

Generalizante

“manifesta uma tentativa de

Por processo de transferência

interlinquística (tipo 4)

a representação das regras se constitui a partir do saber metalinguístico que o leitor tem da língua materna ou se outra

78 Trecho original: [...]àse fondent sur la référence à des savoirs langagiers ponctuels et isolables antérieurement acquis en LM ou dans une autre LE (latin compris). Ces observations ne dépassent pas le cadre de l'environnement te tuelà i diatà da sà le uelà ellesà s'i s i e t,à 'està pou uoià ousà lesà a o sà ualifi esà deà lo ales . (DABÈNE e

formalização, de ‘mise en règles’ da língua alvo.”79 O sujeito formula uma regra de valor geral que ele acredita que poderá lhe servir posteriormente

língua estrangeira. Por conceitualização

intralinguística (tipo 5)

sobre a LE, baseando-se em observações extraídas do texto e de sua análise por meio de ferramentas heurísticas de valor geral.

Quadro 23 – Níveis e tipos de atividade metalinguística

Em relação à inferência lexical, o que nos interessou na análise das produções, além de constatar se os participantes realizaram as inferências, e como, foi identificar quais indícios eles usaram para efetuá-las e construírem a representação semântica do texto. Para identificá-los, utilizamos o repertório de indícios linguísticos apresentado em Degache (2012)80:

Indícios linguísticos

Nível gráfico aspectos extra-alfabéticos (números, pontuação, maiúsculas) Nível lexical palavras, sintagmas nominais e verbais

Nível sintático ordem das palavras na frase, estrutura da frase Nível discursivo articuladores, relações anafóricas

Quadro 24 – Indícios linguísticos

Além dos indícios linguísticos, há outros nos quais os aprendentes podem se apoiar: indícios formais (reconhecimento do gênero, tipo de discurso, superestrutura do texto – títulos, subtítulos, distribuição das partes do texto) e indícios de conteúdo (recurso a domínios de referência extralinguísticos, identificados no texto devido ao paratexto; ativação de scripts ou roteiros). “Pode-se juntar a estes dois últimos tipos de indícios facilitadores da atividade inferencial, as operações ligadas81 à coerência interna da representação semântica em processo de construção.” (DEGACHE, 2012:23). Quando os leitores se valem destas operações, segundo o autor, revelam certo controle de sua atividade cognitiva (quando o sujeito tenta integrar uma inferência à sua representação, por exemplo, ou quando o contexto permite duas interpretações e o

79 Trecho original: [...]àlesàa ti it sà uià a ifeste t une tentative de formalisation, de "mise en règles" de la langue i le. (DABÈNE e DEGACHE, 1998:379, tradução nossa)

80 Degache usa como referência López Alonso e Séré (1996) e Malheiros Poulet (1996).

81Verbalizações que remetem a conhecimentos prévios, avaliação da tarefa realizada e avaliação da plausibilidade

sujeito tem que decidir pela mais plausível), ou seja, mostram uma atividade de natureza consciente, reflexiva, metacognitiva, de controle e regulamento do próprio conhecimento.

Segundo Kleiman (2008), verificar a natureza – cognitiva ou metacognitiva – das estratégias de inferência lexical do aprendente

é uma questão importante para metodologias (cf. Kleiman e Terzi, 1981) que se baseiam, primeiramente, no ensino de estratégias de leitura mediante o uso de textos autênticos, e secundariamente no ensino de língua. É importante determinar, neste caso, que tipo de pistas o aluno utiliza [...] (KLEIMAN, 2008: 119 e 120)

Para que pudéssemos analisar as produções dos participantes, estabelecemos uma estrutura básica: apresentação/descrição da atividade, objetivo principal (foco do trabalho, geralmente ligado a uma estratégia de leitura), elementos de construção da atividade (escolha dos textos, natureza das questões – semântica, metacognitiva, metalinguística82, identificação dos principais indícios e núcleos essenciais de sentido dos textos), dados da realização (atividade dirigida ou não-dirigida) e análise qualitativa dos resultados (verificação dos indícios e núcleos de sentido identificados pelos aprendentes e comparação com os elementos apontados pela pesquisadora-educadora no planejamento a fim de identificar padrões, desvios, como incompreensões e inferências inadequadas, aplicação e natureza das estratégias de leitura etc.).

Finalmente, em um terceiro momento, tratamos dos dados obtidos no questionário de autoavaliação “Minha história com as línguas”, visando identificar os efeitos que esta formação plurilíngue pode ter provocado 1.) na percepção dos estudantes em relação à aprendizagem por dissociação de competências (aprendizagem da leitura) e, em particular, sobre a IC, e, principalmente, 2.) no sentimento de eficácia dos participantes em relação à leitura de textos em línguas estrangeiras.