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Blow Up – História de um fotógrafo de M Antonion

EXPERIMENTAÇÃO, INTERTEXTUALIDADE E ADAPTAÇÃO

1.2. Blow Up – História de um fotógrafo de M Antonion

Passemos agora ao cinema com o realizador a que aludimos atrás: Michelangelo Antonioni. Cineasta italiano, nascido em Ferrara, em 1912, e falecido em Roma, em 2007, Antonioni formou-se em Economia na Universidade de Bolonha e frequentou o Centro Spirimentale di Cinematografia na Cinecittà, em Roma. A sua obra presta- se a alguma ambiguidade interpretativa. Alguns dos seus críticos apontam-lhe a contradição entre o seu proclamado marxismo e a sua efectiva predilecção e fascínio pelas elites e pela burguesia urbana, em claro contraste com outros cineastas como os neo-realistas e como Fellini ou Pasolini que privilegiavam a classe trabalhadora e a denúncia da exploração, a desigualdade e a injustiça social. Talvez se aplique a Antonioni o que se aplica a Conan Doyle, objecto de acusação similar, isto é, a efectiva obsessão pelas classes privilegiadas patente no cineasta vem acompanhada da sua crítica à degeneração dos valores e à alienação decadente a que os ricos e poderosos seriam propensos. Contudo, é inegável que nos seus filmes transparece uma empatia estética pelo decadentismo burguês envolto numa certa aura de glamour. Seja como for, Antonioni faz parte, incontestavelmente, da plêiade de cineastas europeus de excelência, como Frederico Fellini, Pier Paolo Pasolini, Ingmar Bergman, Wim Wenders, Alain Resnais, Jean-Luc Godard ou Manoel de Oliveira.

Acontece que o presente interesse em Antonioni se restringe aqui ao seu filme italo-britânico cujo argumento foi escrito por ele e por Tonino Guerra, intitulado

Blow-Up – História de um fotógrafo (subtítulo da versão portuguesa), de 1966, e

que estabelece a ponte com Julio Cortázar, uma vez que se baseia no seu conto As

babas do Diabo de 1959 (inserto na obra As armas secretas), bem como na vida do

fotógrafo britânico David Bailey. Trata-se do primeiro filme escrito em língua inglesa de Antonioni, galardoado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1966, e nomeações aos Óscares (nas categorias de melhor realizador e de melhor argumento original; ao Globo de Ouro na categoria de melhor filme estrangeiro; e aos BAFTA nas categorias de melhor filme britânico, melhor direcção artística e melhor fotografia.

Blow-Up foi um êxito de bilheteira, muito bem acolhido pela crítica especializada graças

ao tratamento da temática das fronteiras entre a realidade e o artifício, entre o visível e o invisível, mas também muito pela controvérsia gerada pela nudez frontal feminina e pelo hedonismo. Para o sucesso deste filme contribuiu também a participação de algumas celebridades da época, como a banda rock Yardbirds, a modelo Veruschka ou o comediante britânico Michael Palin, um dos criadores dos Monty Python. Se o texto literário (o conto As babas do diabo) influenciou profundamente Blow-Up este, por sua vez, influenciou cineastas como Francis Ford Coppola e obras cinematográficas como Um tiro na noite (1981) de Brian De Palma.

O que nos interessa sublinhar com este filme é a questão da busca do sentido num mundo desarticulado e desconexo. O contexto epocal da história – os finais dos anos 60, princípios dos anos 70 – mergulha-nos nessa questão essencial que é a da realidade como ilusão, que é também o do absurdo e do nonsense num mundo supostamente ordenado, controlado e regrado, mas que abre brechas por todo o lado (a sociedade conservadora surge ameaçada pela irreverência criativa da geração

open mind, em termos culturais, sexuais e artísticos).

Figura 1: Blow Up (1968)

Thomas (interpretado por David Hemmings), um fotógrafo artístico e de modelos femininos (como a super modelo Veruschka, interpretada por ela mesma), capta casualmente, através da sua objectiva fotográfica, um encontro amoroso entre uma jovem mulher, Jane (interpretada por Vanessa Redgrave), e um homem bastante mais velho; surpreendidos pelas fotografias reagem – ele de forma furtiva, ela correndo para o fotógrafo com o objectivo de conseguir o rolo comprometedor. Thomas recusa entregar-lho, mas mais tarde a insistência da jovem na obtenção do rolo leva-a a entregar-se sexualmente ao fotógrafo insensível mas irresistível. Contudo, Thomas

ludibria-a, entregando um rolo falso e, intrigado, começa a revelar as fotografias obtidas no parque. É, então, que se apercebe, nas fotos reveladas e ampliadas (blow

up), que se terá dado um crime (a direcção do olhar suspeito da jovem mulher revela

um vulto empunhando uma arma), crime esse que Thomas primeiramente pensa ter evitado, afugentando o casal com os disparos da sua câmara fotográfica, mas que, logo depois, com mais algumas revelações e ampliações, vem a aperceber-se de ter ocorrido efectivamente, uma vez que um parcial vulto de homem que jaz no chão parece surgir nas fotografias. Uma ida posterior ao jardim público onde tudo terá acontecido confirma, de visu e in loco, a existência do corpo da vítima desconhecida, mas, assustado por um som na noite, abandona o local. De regresso, constata que um assalto ao seu estúdio fez desaparecer as provas fotográficas (embora uma única ampliação tivesse sido poupada) e, para cúmulo, o próprio corpo virá a desaparecer do local onde o fotógrafo o vira com os seus próprios olhos. Sem provas (uma foto de um corpo deitado no chão não constitui um elemento de prova) e sem corpo / cadáver no parque público, será que tudo aquilo terá efectivamente acontecido? E os indícios poderão tornar-se provas verdadeiramente fiáveis? E o homem que jazia no chão do jardim público corresponderia a um verdadeiro cadáver? Ou tudo aquilo não terá passado de pura ilusão de óptica ou de imaginação alucinada? Tudo parecia um sonho e Thomas parece já não ter a certeza do que realmente viu. No fim, ao caminhar pelo parque vê-se envolvido numa cena absurda de mimos que estão a jogar ténis sem raquetes nem bola e, alinhando na cena, devolve uma bola imaginária que lhe foi lançada; ao fazê-lo, o som desta ao bater no chão provoca a surpresa dos espectadores. Não será por acaso que o filme termina com um grupo de mimos foliões e um imaginário jogo de ténis em que o próprio Thomas é convidado a participar. O que parece real pode ser ilusão e o que parece ilusão pode ser realidade. O sentido do mundo e das coisas pode ser complicado para estas personagens (jovens, belas, egocêntricas, alienadas) oriundas do meio urbano e burguês londrino dos anos 60.

Um apontamento final, antes de terminar: não passa despercebida ao espectador a sua natureza fortemente inter-artística e intertextual, seja sob a forma de fontes e influências seja sob a forma de citação explícita ou implícita, e que envolve, por exemplo, a literatura (como fonte de inspiração ou como citação do género policial), a fotografia (como documento e como monumento), a música (o jazz, o rock), o próprio cinema (género policial, por exemplo).

1.3. A Amante do Tenente Francês: o romance de John Fowles, o argumento